Acórdão nº 02992/12.8BELSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 2023-03-09

Ano2023
Número Acordão02992/12.8BELSB
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (1 SECÇÃO)
RELATÓRIO:
1. INSTITUTO DO EMPREGO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL, IP (IEFP) vem interpor recurso jurisdicional de revista para este STA, nos termos do art. 150º CPTA, do acórdão do TCAS proferido em 4.2.2021 que concedeu provimento ao recurso interposto por AA – da sentença proferida no TAC de Lisboa, em 15.6.2020, que havia julgado improcedente a ação administrativa especial que intentara contra o IEFP, impugnando a deliberação do Conselho Diretivo, de 31.07.2012, que lhe determinou a aplicação da pena disciplinar de despedimento (art.9º, nº 1, al. d) do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que exercem Funções Públicas (EDTPF), aprovado pela L. 58/2008, de 9.09.) – e conhecendo em substituição, julgou a ação procedente, anulando o ato impugnado.
2. Para tanto, foram produzidas as suas alegações, concluindo:
“1.ª – (...) 19.ª - No que concerne à nulidade da acusação disciplinar, foi plenamente respeitado o princípio do contraditório e o direito fundamental de defesa do Recorrido;

20.ª - Todos os factos estão contidos nos artigos da Acusação e possibilitaram ao Recorrido o exercício da sua defesa;

21.ª - Porém, o Recorrido alheou-se deste segmento acusatório e não quis empreender a sua defesa;

22.ª - A imputação da existência de situações de faturas e contratos com data anterior à cabimentação, o que seria motivado pelo facto de o núcleo de gestão só ter conhecimento do processo aquando da receção da fatura, encontra-se situada e delimitada no espaço, no tempo e no modo.

23.ª - No espaço, trata-se do Centro de Emprego e Formação Profissional de Lisboa para o Setor Terciário;

24.ª - No tempo, corresponde ao mandato do Recorrido em comissão de serviço como Diretor do Centro, no lapso temporal compreendido entre 12 de fevereiro de 2010 e 31 de dezembro de 2011;

25.ª - No modo, corresponde à existência de faturas e contratos cuja data era anterior à cabimentação e da falta de conhecimento dos respetivos processos pelo Núcleo de gestão, até à receção de tais faturas e contratos;

26.ª - O Recorrido jamais negou ter praticado tais factos;

27.ª - Se o Recorrido teve o ensejo de alegar, em sua defesa, que o facto de o processo só ser conhecido por via da receção da fatura ou do contrato é neutro quanto à imputação de responsabilidades, a não ser que se entenda que o arguido é responsável por tudo o que aconteceu no IEFP e no mundo, é evidente que teve oportunidade, e não a desperdiçou, de se defender desta imputação acusatória;

28.ª - Se o Recorrido teve o ensejo de alegar, em sua defesa, que, em consequência, se tratava de matéria irrelevante sob o ponto de vista disciplinar, demonstrou claramente – como assinala a douta Sentença de 9 de junho de 2020 - saber dos factos que estaria a ser acusado e apresentar a defesa que lhe pareceu mais indicada;

29.ª - O Recorrido, na qualidade de Diretor do Centro de Formação Profissional ... para o Setor Terciário, sabia muito bem, sem possibilidade de desconhecer, quais as faturas e quais os contratos e respetivas datas a que aludia a Acusação, tanto mais que o lapso temporal em causa é muito reduzido.

30.ª - Como muito bem sabe (e sempre soube) o Recorrido, sem possibilidade de desconhecer, as faturas e os contratos com data anterior à cabimentação estão exaustivamente mencionados no Relatório de Averiguação Técnica – AJA, que deu origem ao procedimento disciplinar, nomeadamente no anexo n.º 4, 5 e 7 deste. Pelo que, quando foi notificado da Acusação, poderia ter consultado o Relatório da Averiguação Técnica e recordar-se de tais contratos e faturas;

31.ª - Ainda que ocorresse nulidade insuprível da Acusação neste segmento acusatório, não contaminaria todo o procedimento nem o ato administrativo punitivo;

32.ª – Se esta imputação acusatória não pode ser levada em conta na punição, visto que sobre ela não teve o arguido capacidade/possibilidade de se defender, o poder disciplinar fica confinado às restantes;

33.ª - No caso vertente, o Tribunal a quo dispunha dos elementos necessários ao seu poder de cognição que lhe permitia concluir, com segurança, que a vontade do órgão administrativo sempre se manifestaria com este sentido, devendo, por isso, salvar-se o ato administrativo em nome de valores como a racionalidade e eficiência da atividade administrativa;

34.ª - O Tribunal a quo, perante esta menor dimensão infracional, poderia verificar se a pena seria a mesma;

35.ª - O tribunal a quo, em vez de considerar que a nulidade insuprível da Acusação afetaria todo o procedimento, poderia e deveria fazer administração ativa substituindo-se ao órgão competente para punir com menor ou igual severidade;

36.ª – Os Tribunais não súbditos da prova procedimental;

37.ª - Os tribunais devem reapreciar todos os elementos de prova que foram produzidos nos autos;

38.ª - Os tribunais não devem autolimitar-se ao ponto de só intervirem no julgamento de facto realizado pela Administração quando estejam perante erros manifestos ou grosseiros;

39.ª - Esta postura ativa, se fosse adotada pelo Tribunal a quo ter-lhe-ia permitido salvar o procedimento disciplinar e o ato punitivo;

40.ª - Por tudo o que antecede, com o devido respeito, o douto Acórdão recorrido ao julgar como julgou, incorreu em erro de julgamento, fazendo incorreta interpretação e aplicação da primeira parte do n.º 1 do artigo 37.º e do n.º 3 do artigo 48.º, ambos do Estatuto Disciplinar 2008;

41.ª - Assim, salvo o devido respeito por entendimento diverso, o douto Acórdão recorrido deve ser revogado, mantendo-se na ordem jurídica a douta Sentença de 9 de junho de 2020 e, em consequência, mantendo-se válido o ato punitivo, datado de 31 de julho de 2012. (...)”

3. Foram apresentadas Contra-Alegações, defendendo o recorrido a inexistência de fundamento para a admissão do recurso, que deveria ser rejeitado, concluindo:

“1ª – A fls. IV das respetivas alegações in fine afirma o Recorrente que o argumento da falta da audiência prévia “foi apenas densificado nos autos pelo recorrido nas suas doutas alegações e conclusões recursivas. Trata-se, pois, de um argumento inovatório em sede de recurso jurisdicional”.

2ª - Esta afirmação não tem a mínima correspondência com a realidade uma vez que se trata de matéria suscitada nos pontos 12 e 13 da resposta acusação e nos artigos 11º a 14º da petição inicial, tendo-se concluído, em ambos os casos pela nulidade da acusação.

Não há, pois, qualquer questão nova que tenha sido suscitada no recurso de apelação.

3ª- (...)

9ª – Conforme resulta com clareza de tudo o que se expôs não está em causa a apreciação da prova produzida em processo disciplinar, mas antes a omissão da audiência prévia do trabalhador.

10ª – Aquilo que está em causa é a violação do disposto no 48.º, n.º 3, da Lei nº 58/2008 nos termos da qual “a acusação contém a indicação dos factos integrantes da mesma, bem como das circunstâncias de tempo, modo e lugar da prática da infração cujo incumprimento desta norma constitui uma nulidade insuprível nos termos do nº 1 do art.º 37º do mesmo diploma legal.

11ª – dúvidas não existem que, por culpa própria, a Recorrente não incluiu na acusação factualidade em que se veio a basear para proferir a decisão de demissão, pelo que, no caso concreto, não há qualquer interesse objetivo em termos de clarificação do enquadramento legal em discutir este assunto, nem para a uniformização da aplicação do direito, mantendo-se a decisão recorrida manteve-se dentro das soluções plausíveis de direito, não revelando a existência de erro manifesto ou grosseiro que torne justificável a intervenção do Tribunal Superior.

12ª – Está em causa, a imputação abstrata, constante da acusação de que haveria “situações em que as faturas e contratos teriam data anterior à cabimentação”, o que seria motivado pelo facto de o “núcleo de gestão só ter conhecimento do processo aquando da receção da fatura”.

13ª – Estas situações não estavam, pois, minimamente identificadas, nada permitindo concluir relativamente ao que concretamente estava em causa, sendo certo que o Recorrente poderia, inclusive através de um aditamento à acusação, identificar as faturas e contratos a que se referia, bem como as datas respetivas, discriminando, um por um, com identificação das circunstâncias de modo, lugar e tempo, os factos imputados ao arguido, o que não aconteceu apesar de o Recorrido ter expressamente suscitado esta questão.

14ª – Limitou-se a afirmar, no relatório final, que “faturas e contratos com data anterior à cabimentação estão exaustivamente mencionadas no Relatório de Averiguação Técnica - AJA nomeadamente no anexo nº 4, 5 e 7 desta, bem como nos autos de inquirição de várias testemunhas.

15ª – Esta “alegação” deveria ter constado da acusação e não do relatório final.

16ª – Acresce que a remissão para três anexos não consubstancia a alegação de qualquer facto, não podendo o Recorrente remeter o arguido remetido para os anexos aí “andando à cata” dos factos que, presumivelmente, lhe são imputados.

17ª – Sustenta o Recorrente que o Recorrido “compreendeu e captou todo o circunstancialismo factual que lhe foi imputado”, na medida em que, na respetiva resposta, referiu que “o facto de o processo só ser conhecido por via da receção da fatura ou do contrato é neutro quanto à imputação de responsabilidades”.

18ª – Ora, esta afirmação do Recorrido não permite concluir que este se apercebeu dos factos que lhe eram imputados, já que se limitou a manifestar o entendimento de que, independentemente da ausência de alegação de factos concretos, a afirmação abstrata de que processo só era conhecido aquando da receção da fatura era irrelevante sob o ponto de vista disciplinar, uma vez que nenhuma consequência se pode retirar de tal afirmação.

Face ao exposto não existe fundamento para a admissão do presente recurso, que sempre deveria ser rejeitado.”

4. O recurso de revista foi admitido pela formação deste STA por acórdão de 16.12.2021.

5....

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