Acórdão nº 02886/15.5BEBRG de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 2023-07-05

Data de Julgamento05 Julho 2023
Ano2023
Número Acordão02886/15.5BEBRG
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (2 SECÇÃO)
Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 2886/15.5BEBRG

1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade acima identificada interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo Norte da sentença por que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga julgou improcedente a impugnação judicial por ela deduzida contra a liquidação do Imposto de Selo (IS) relativa ao contrato de trespasse de estabelecimento comercial realizado em 2011. Apresentou as alegações de recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor:

«1- O presente recurso é interposto da Decisão proferida na Sentença, de 26 de Janeiro de 2022, no âmbito dos autos de impugnação judicial que correram termos, sob o n.º 2886/15.5BEBRG, junto da Unidade Orgânica 3, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, a qual julgou improcedente a referida impugnação e, em consequência, manteve na ordem jurídica a liquidação impugnada.

2- Em 14 de Novembro de 2011, a recorrente celebrou um contrato de trespasse, mediante o qual vendeu um estabelecimento comercial de pastelaria e confeitaria, pelo preço de 100.000 € (cem mil euros).

3- Na sequência de uma acção de inspecção, a recorrente foi notificada do acto tributário de liquidação de imposto de selo, relativo ao ano de 2011, no valor de 5.632,32 €, efectuado pelo Serviço de Finanças de Braga-1, respeitante à celebração do contrato de trespasse do estabelecimento se pastelaria e confeitaria.

4- Não se conformando com a referida liquidação, a ora recorrente apresentou, junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, petição inicial de impugnação judicial contra o referido ato tributário de liquidação.

5- A 31 de Janeiro de 2022, foi a recorrente notificada da Sentença, proferida em 26 de Janeiro de 2022, nos termos da qual a impugnação judicial apresentada foi julgada improcedente e, por consequência, absolvida a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira.

6- Não pode a recorrente conformar-se com o entendimento perfilhado na douta Sentença recorrida, a qual deverá ser revogada e substituída por outra conforme às normas e princípios jurídicos aplicáveis.

7- Na douta sentença recorrida pode ler-se: «Subjectivamente, resulta cristalina a aplicação do art. 68.º da Lei 26/2003, de 30 de Julho segundo o qual, não obstante o imposto constituir encargo do adquirente o sujeito passivo é o trespassante, ora Impugnante».

8- Sucede que, aquele n.º 1, do artigo 68.º da Lei 23/2003, constitui uma lei de autorização legislativa.

9- Aquele n.º 1, do artigo 68.º da Lei 23/2003, limita-se a definir o objecto e o critério da disciplina legislativa a estabelecer e a emitir de seguida pelo Governo.

10- O destinatário das autorizações legislativas é o Governo e não quaisquer pessoas ou órgãos.

11- A norma a emitir, com base na autorização legislativa, é que terá carácter imperativo, e imporá uma conduta aos contribuintes.

12- O princípio expresso naquele n.º 1, do artigo 68.º da Lei 23/2003, viria a ser acolhido pelo n.º 1 do art. 206.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31/12, que entrou em vigor em 01/01/2015 e que regulou a figura do sujeito passivo que passou a ser o trespassante, no caso dos trespasses de estabelecimento comercial industrial ou agrícola.

13- Acontece que, os factos objecto dos presentes autos ocorreram em 2011, quatro anos antes da Lei entrar em vigor.

14- Dito isto, o acto tributário que liquidou à impugnante o imposto de selo, com fundamento [no] n.º 1 do artigo 68.º da Lei 23/2003, infringiu o princípio do Estado de Direito, previsto no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa e infringiu, ainda, os artigos 162.º, 163.º, 172.º e 195.º do mesmo diploma legal.

15- Por conseguinte, o acto tributário em apreciação consubstancia a prática de uma inconstitucionalidade, em virtude da violação da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade que expressamente se arguiu.

16- Face ao exposto o acto tributário objecto dos presentes autos deve ser regulado pelas normas do Código do Imposto de Selo em vigor à data do trespasse, ou seja, em 2011, e não na redacção introduzida no artigo 2.º do CIS pela Lei n.º 82-B/2014, de 31/12.

17- E mais não poderá ser exigível, nos termos do princípio da segurança jurídica e do supra mencionado princípio do Estado de Direito, previsto no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa

18- Nos termos do n.º 1, do art. 3.º do Código do Imposto de Selo “o imposto constitui encargo dos titulares do interesse económico”.

19- Por sua vez, a alínea a) do mesmo preceito prescreve: “… Considera-se titular do interesse económico… no caso de aquisições onerosas, os adquirentes dos bens”.

20- Na presente situação, o devedor do imposto e o sujeito passivo da relação tributária é a trespassária e transmissária do estabelecimento comercial e de todos os bens que o integram.

21- A redacção do artigo 2.º, n.º 1, alínea p) do CIS – que indica o trespassante como sujeito passivo no trespasse de estabelecimento comercial, industrial ou agrícola – somente foi introduzida pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro, sem indicação de tratar-se de norma interpretativa.

22- Deste modo, não pode ser aplicada à situação em análise, por não vigorar à data da celebração do contrato de trespasse aqui em causa, que ocorrera em 2011.

23- A redacção do artigo 2.º, n.º 1, alínea p) do Código do Imposto de Selo – que indica o trespassante como sujeito passivo de imposto de selo nos trespasses de estabelecimento comercial, industrial ou agrícola somente foi introduzida pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro.

24- Deste modo, uma vez que à data dos factos não estava em vigor a norma de incidência aplicada, tal implica que a liquidação padece da ilegalidade, determinando a anulação do ato tributário.

25- A douta sentença recorrida padece de erro de julgamento, porquanto o decidido não corresponde à realidade normativa vigente no momento da prática do acto tributário.

Termos em que deverá ser concedido integral provimento ao recurso interposto, e revogada a douta sentença proferida, nos termos supra expendidos, assim se fazendo Justiça».

1.3 A AT não contra-alegou.

1.4 A Desembargadora relatora declarou a incompetência do Tribunal Central Administrativo Norte em razão da hierarquia para conhecer do recurso e que a competência para o efeito é deste Supremo Tribunal Administrativo, ao qual ordenou fossem remetidos os autos.

1.5 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, o Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja concedido provimento ao recurso. Isto, após enunciar os termos do recurso, com a seguinte fundamentação:

«[…] Não existe controvérsia entre as partes relativamente à realização de um contrato de trespasse de estabelecimento comercial, mas apenas quanto à incidência objectiva e subjectiva do mesmo no que...

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