Acórdão nº 02866/14.8BELRS de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 2024-02-07

Ano2024
Número Acordão02866/14.8BELRS
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (2 SECÇÃO)
Recurso jurisdicional de sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 2866/14.8BELRS
Recorrente: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)
Recorrida: “A..., S.A.”

1. RELATÓRIO

1.1 A AT recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que a Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade acima identificada, anulou a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) que a esta foi efectuada com referência ao ano de 2011, na sequência da correcção efectuada após inspecção tributária e relativa a desvalorizações, de acordo com o critério do justo valor, de acções detidas pela ora Recorrida, tendo a AT desconsiderado fiscalmente metade do valor das perdas por reduções do justo valor dessas acções.

A Recorrente apresentou a motivação do recurso, com conclusões do seguinte teor:

«a. Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou a Impugnação Judicial procedente e, em consequência, anulou, parcialmente, o acto de liquidação adicional de IRC, do período de tributação de 2011, relativamente às correções efectuadas quanto a ajustamentos por perdas por redução no justo valor em instrumentos financeiros.

b. O tribunal a quo considerou que as perdas por reduções do justo valor em instrumentos financeiros relevam na totalidade para a formação do lucro tributável, nos termos do disposto no artigo 18.º, n.º 9, alínea a) do CIRC, não sendo o caso dos autos subsumível ao preceituado no artigo 45.º, n.º 3 do CIRC.

c. Como será demonstrado de seguida, em rigor, é a douta decisão que incorre em erro judicativo por não ter procedido a uma interpretação correcta da norma prevista no artigo 45.º, n.º 3, do Código do IRC

d. A partir de 2010, o artigo 18.º, n.º 9, alínea a), do CIRC permite que os rendimentos ou gastos ainda não realizados possam concorrer para a formação do lucro tributável quando respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados, desde que, tratando-se de instrumentos do capital próprio, tenham um preço formado num mercado regulamentado o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5% do respetivo capital social.

e. O artigo 46.º, n.º 1, alínea b), do CIRC esclarece que não se consideram mais-valias ou menos-valias realizadas os ganhos ou perdas sofridas mediante transmissão onerosa de instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor nos termos da alínea a), do n.º 9, do artigo 18.º, do CIRC.

f. No caso de ser apurada uma perda por redução do justo valor, o artigo 45.º, n.º 3, parte final, do Código do IRC (encargos não dedutíveis para efeitos fiscais) estabelece que “… outras perdas… relativas a partes de capital, …, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor”.

g. O que implica que na linha 737 do quadro 07 da declaração modelo 22 sejam inscritas, em 50%, as importâncias relativas a outras perdas (que não sejam menos-valias dado que estas obedecem ao “mecanismo” das mais-valias e menos-valias) relativas a partes de capital ou outras componentes de capital próprio.

h. Em resumo, sendo as reduções de justo valor destas partes de capital qualificadas como perdas, deverão ser consideradas, nos termos do referido artigo 45.º, n.º 3, do CIRC, em 50% do seu valor, já que quando estão em causa outras perdas que não sejam decorrentes de transmissões onerosas de partes de capital, como na situação em apreço, as decorrentes da mensuração ao justo valor através de resultados de instrumentos financeiros, apenas estas são dedutíveis em 50%.

i. Assim, o entendimento da AT e na esteira do já determinado na ficha doutrinária emitida no âmbito do processo n.º 39/2011, com despacho de 24/02/2011, do Sr. Director-Geral dos Impostos, é o de que as reduções do justo valor das partes de capital em causa são qualificadas como perdas fiscalmente relevantes, devendo, como tal, ser consideradas em apenas metade do seu valor, nos termos do n.º 3 do artigo 45.º, do CIRC.

j. Isto porque resulta expressamente do mencionado preceito legal que as perdas ou variações patrimoniais negativas concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.

k. Atente-se que o legislador fez uma clara opção no n.º 3 do artigo 45.º do CIRC e, não obstante, as sucessivas alterações legislativas levadas a cabo ao CIRC, não foi estabelecido em tal preceito qualquer exceção relativa às perdas apuradas pelos ajustamentos de transição decorrentes da alteração do normativo contabilístico, como às perdas aceites fiscalmente decorrentes da redução do justo valor através de resultados.

l. No mesmo sentido do defendido pela AT decidiu o CAAD, na decisão arbitral proferida no processo n.º 25/2015-T, para o qual remetemos e damos aqui por reproduzida a sua fundamentação por concordarmos com a mesma.

m. Ora, da simples interpretação dos textos normativos relevantes e aqui em causa, na sua redacção à data, poder-se-á concluir pacificamente que as perdas decorrentes da redução do justo valor de instrumentos financeiros, designadamente partes de capital, e, bem assim, as perdas associadas à alienação de partes de capital valorizadas ao justo valor (as quais, nos termos do artigo 46.º, n.º 1, alínea b) do CIRC, não são consideradas como mais-valias) cabem no âmbito do artigo 45.º, n.º 3 do Código do IRC, pelo que, nesse sentido, só deverão ser consideradas, para efeito do apuramento do lucro tributável, em metade do seu valor.

n. Face a todo o acabado de expor e salvo o devido respeito, entende a Fazenda Pública que deveria o Tribunal a quo ter decidido que a correção efectuada pela inspecção tributária é legal.

o. Entendemos que a douta sentença recorrida ao julgar procedente a presente impugnação judicial, enferma de vício de violação de lei – norma prevista no n.º 3 do artigo 45.º do CIRC devendo ser a mesma revogada e ser decidido pela legalidade da liquidação relativamente às correcções efectuadas quanto a ajustamentos por perdas por redução no justo valor em instrumentos financeiros.

Nos termos supra expostos, e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a impugnação judicial improcedente.

Porém V. Ex.as decidindo farão a costumada Justiça».

1.3 A Recorrida não contra-alegou.

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso e mantida a sentença. Isto, com a seguinte fundamentação: «[…]

A recorrida, sociedade anónima, no ano de 2011, era detentora de acções representativas do capital social da B..., S.A., correspondentes a percentagem inferior a 5%.
Aquelas acções encontravam-se cotadas em bolsa.
Em 2011, a recorrida registou, na conta “6611-Perdas por reduções de justo valor em instrumentos financeiros- B...”, uma variação negativa no justo valor de € 866.750,50, por contrapartida da conta “14310001-Acções B...”.
A recorrente, como fundamento do recurso, invoca erro de julgamento, por a sentença recorrida não ter aplicado o disposto no n.º 3, do art. 45.º, do CIRC, na redacção então em vigor, que estatuía no caso de ter sido apurada uma perda por redução do justo valor, tal perda” concorre para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor”.
Por sua vez, a sentença recorrida considerou que as perdas por reduções do justo valor em instrumentos financeiros relevam na totalidade para a formação do lucro tributável, nos termos do disposto no artigo 18.º, n.º 9, alínea a) do CIRC, não sendo o caso dos autos subsumível ao preceituado no artigo 45.º, n.º 3 do CIRC.
A questão em discussão não é nova.
O Supremo Tribunal Administrativo (STA) já se pronunciou sobre a mesma, de modo uniforme e reiterado, através dos seguintes arestos, todos disponíveis em www.dgsi.pt:
- Ac. do STA de 10/11/2021, proc. nº 02410/14.7BELRS
- Ac. do STA de 16/12/2020, proc. nº 01760/15.0BELRS
- Ac. do STA de 6/6/2018, proc. nº 0582/17.
A jurisprudência firme do STA, pode sintetizar-se, nos termos do sumário elaborado no proc. n.º 02410/14.7BELRS.
I - O art. 45.º, n.º 3, do CIRC deve ser interpretado no sentido de, na sua previsão, não se incluírem os gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros, que relevem para a formação do lucro tributável nos termos do art. 18.º, n.º 9, alínea a), do CIRC”.
Tal entendimento foi seguido no posterior acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 7/4/2022, proc. nº 1799/13.0BELRS, igualmente, disponível em www.dgsi.pt.
O Ministério Público não encontra qualquer razão válida que lhe permita divergir de tal douto entendimento jurisprudencial.
Como nota final, de referir, como salientado no Ac. do STA de 10/11/2021, proc. n.º 02410/14.7BELRS, “O art. 45.º do CIRC foi, entretanto, revogado pelo art. 13.º da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro (…), que republicou o CIRC.
Esta alteração legislativa veio colocar um ponto final na questão a que ora procuramos dar resposta, tendo o legislador fiscal optado claramente pela prossecução da aproximação da contabilidade à fiscalidade e consequentemente mantido o regime do art. 18.º, n.º 9, do CIRC, em detrimento da restrição de dedução de apenas 50% das perdas de justo valor em instrumentos financeiros.), i.e., se aquelas perdas deveriam ser consideradas pela totalidade ou em apenas em metade do seu valor».
1.5 Cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida fez correcto julgamento quanto à aplicabilidade do art. 45.º, n.º 3, do Código do IRC (CIRC) aos ajustamentos decorrentes do critério do justo valor a participações sociais detidas pela Impugnante, ou seja, se às perdas de justo valor previstas na alínea a) do n.º 9 do art. 18.º do CIRC se...

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