Acórdão nº 02776/14.9BEPRT 0715/18 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 2023-10-12

Ano2023
Número Acordão02776/14.9BEPRT 0715/18
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (1 SECÇÃO)
ACORDAM NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO

I - Relatório

1. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO - identificado nos autos - recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do artigo 150.º do CPTA, do Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte (TCAN), de 2 de março de 2018, que concedeu provimento ao recurso interposto por AA da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) do Porto, de 23 de maio de 2016, determinando a baixa do processo à primeira instância «para prosseguimento da sua tramitação, com o convite ao aperfeiçoamento da PI, designadamente no que concerne à identificação da Entidade Demandada».

2. Nas suas alegações, a Recorrente formulou, com relevância para a presente decisão, as seguintes conclusões:

«(…)

V - O Recorrente não pode assentir na composição do litígio introduzida pelo acórdão recorrido, que revogou a sentença do TAF do Porto, determinando a baixa dos autos à primeira instância, para prosseguimento da sua tramitação, com o convite ao aperfeiçoamento da petição inicial.

VI - Na leitura da Recorrente, o TAF do Porto havia feito um correto enquadramento do direito adjetivo aplicável, pois, tendo a presente ação dado entrada em juízo no dia 3 de novembro de 2014, data relevante para efeitos do art. 78.º n.º 1 do CPTA, tinha de lhe ser subsumida a redação anterior à revisão operada pelo DL n.º 214-G/2015, de 2 de outubro.

VII - Este mesmo DL, no seu art. 15.º, n.º 2, restringe a aplicabilidade das suas alterações ao CPTA aos processos administrativos que se iniciem após a sua entrada em vigor - entrada em vigor que ocorreu no dia 2 de dezembro de 2015.

VIII - Inexistindo no CPTA (na versão subsumível) norma especial sobre a falta de personalidade judiciária do autor, deve ser aplicada a disposição do art. 278.º, n.º 1 alínea c) do CPC, por remissão do art. 1.º do CPC, que determina a absolvição da instância.

IX- O douto acórdão recorrido, em contrário, entende que o art. 8.º-A, aditado pelo DL 214G/2015 ao CPTA, é retroativamente aplicável ao caso dos autos, porquanto caberia no conceito de lei interpretativa.

X - Para que como tal pudesse ser considerado, o referido preceito teria de levar a cabo uma interpretação autêntica de uma norma anterior, o que necessariamente pressupõe a préexistência de uma norma que suscite leituras divergentes no seio da doutrina ou da jurisprudência, e cujo sentido a nova norma vem explicitar, com a força vinculativa de lei.

XI - Pelo contrário, o art. 8.º-A é uma norma que consagra uma solução de sanabilidade da falta de personalidade judiciária totalmente inovadora no contexto do contencioso administrativo, não se detetando qualquer normativo dúbio ou ambíguo cuja interpretação tivesse sido por ela iluminada.

XII- Deste modo, ao aplicar retroativamente esta norma legal, o aresto em análise infringiu o princípio geral de aplicação da lei no tempo do art. 12do CC, e o princípio jurídico fundamental da segurança jurídica e da proteção da confiança enraizado no art. 2.º da Constituição.

XIII- Mesmo que se tivesse por aplicável o art. 8.º-A do CPTA - o que não se admite -, nunca a sentença do TAF do Porto poderia ser censurada por não ter convidado o Autor a aperfeiçoar a petição inicial.

XIV- É que o n.º 4 deste artigo faz depender a sanação da falta de personalidade judiciária de uma intervenção voluntária do Estado, quando a ação foi indevidamente proposta contra um Ministério.

XV- Se o juiz tomasse a iniciativa de convidar o Autor a alterar a sua petição inicial, habilitando-o a substituir uma das partes do litígio, excederia claramente os poderes-deveres de gestão processual previstos no art. 6.º do CPC, pois seria citada como demandada uma entidade (o Estado) que unicamente por iniciativa própria poderia ter intervenção processual.

XVI- O "aperfeiçoamento" da petição inicial mais não seria, nesta perspetiva, do que uma forma de ladear o obstáculo que o n4 do art. 8.º-A ergue ao chamamento do Estado ao processo: se o aperfeiçoamento avançasse, a intervenção do ente público dotado de legitimidade processual e personalidade judiciária como parte não ocorreria espontaneamente, como pretende o legislador, mas por via de citação oficiosa da secretaria (art. 81º, n1 do CPTA).

XVII - Ou seja, o nº4 do art. 8.º-A do CPTA apenas permite a sanação da exceção dilatória em apreço na hipótese de a intervenção do Estado ser espontânea, o que não é conciliável com a iniciativa oficiosa do juiz de convidar a Autora a aperfeiçoar a sua petição inicial, de molde a provocar a citação do Estado.

XVIII - No seu discurso fundamentador, e no seu segmento dispositivo, o acórdão "a quo" violou a norma do art. 8.º-A, n.º 4 quando refere que deveria o TAF do Porto ter convidado a Autora a aperfeiçoar a petição inicial e ordena o prosseguimento da tramitação, com vista à emissão de tal despacho.

XIX - Mais viola, ainda, o princípio da estabilidade da instância consagrado no art. 260.º do CPC, aplicável ao contencioso administrativo por via do art. 1.º do CPTA, visto que escancara à Autora a escolha de uma nova contraparte no litígio judicial, durante a pendência do processo, sem qualquer enquadramento legal válido.

XX - Face às considerações precedentes, a Recorrente defende que urge remover da ordem jurídica o acórdão "a quo ", por desconformidade com a lei processual».

3. A Recorrida não contra-alegou.

4. O recurso de revista foi admitido por Acórdão da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo, em formação de apreciação preliminar, de 21 de setembro de 2018, considerando que, «as duas críticas que o recorrente estão longe de ser vãs. Desde logo, a atribuição de índole interpretativa ao n.º 4 daquele art. 8.º-A é controversa, pois, e em geral, só em casos contados a "lex nova" detém uma tal natureza. Depois, é discutível se a "intervenção do Estado", aludida no preceito - a que se deve seguir a "ratificação ou repetição do processado" - é compaginável com um aperfeiçoamento da petição, com substituição de réus».

5. Notificado para o efeito, o Ministério Público deu parecer no sentido da procedência do recurso, por entender que «que o recurso merece provimento devendo, em consequência, ser revogada a decisão recorrida e confirmada a sentença do TAF do Porto que julgou procedente a excepção da falta de personalidade judiciária, absolvendo o Réu da instância» - artigo 146.º/1 do CPTA.

6. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

III. Matéria de direito

7. Na presente revista discute-se a questão de saber se é possível suprir a falta de personalidade judiciária do Ministério da Educação, fazendo intervir como Réu, em sua substituição, o Estado. Em causa, concretamente, está a questão de saber se se pode aplicar ao caso dos autos o disposto no número 4 do artigo 8.º-A do CPTA, introduzido pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro, nos termos do qual, «nas ações indevidamente propostas contra ministérios, a respetiva falta de personalidade judiciária pode ser sanada pela intervenção do Estado e a ratificação ou repetição do processado».

8. As instâncias divergiram na solução a dar ao litígio.
O TAF do Porto considerou, convocando extensa jurisprudência dos tribunais superiores, que «o Ministério da Educação e Ciência não...

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