Acórdão nº 0275/22.4BECTB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07-12-2023

Data de Julgamento07 Dezembro 2023
Ano2023
Número Acordão0275/22.4BECTB
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
Recursos de revista de acórdãos dos TCA
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I - Relatório

1.A..., S.A., identificada nos autos, instaurou contra o MUNICÍPIO DE COIMBRA, também devidamente identificado, indicando como contra-interessadas B..., Lda., e C... S.A., com os demais sinais nos autos, a presente acção de contencioso pré-contratual, formulando o seguinte pedido:
“i) a anulação do ato impugnado, consubstanciado na homologação do designado 2.º Relatório Final e na decisão de adjudicação da proposta do concorrente B..., Lda., no Lote 2, bem como do contrato outorgado;
ii) a anulação do ato impugnado, consubstanciado na decisão de exclusão da proposta do concorrente A..., ora A., decretando a admissão da proposta;
iii) ou, subsidiariamente, condenando-se na admissão da mesma, com todos os efeitos legais; iv) a anulação do ato de não exclusão da proposta do concorrente B..., Lda. e a consequente exclusão da mesma proposta;
v) ser decretada a adjudicação da proposta apresentada a concurso pela A., com as legais consequências;
vi) subsidiariamente, caso o pedido anterior não seja julgado procedente por o tribunal entender que não se pode substituir na prática do ato de adjudicação, ser o R. condenado na prática do ato devido de adjudicação da proposta apresentada a concurso pela A., com as legais consequências;
vii) subsidiariamente, caso os dois pedidos anteriores não sejam julgados procedentes, deve ser ordenado que seja retomado o processo, na fase de elaboração do 2.º Relatório Final, declarando-se que o júri deve considerar o seguinte:
a. da proposta apresentada pela ora A. não decorrem quaisquer factos suscetíveis de falsear a concorrência, sendo inoperante a causa de exclusão da alínea g) do nº 2 do art.° 70º CCP, mantendo-se a admissão e proposta de adjudicação do relatório preliminar;
b. os desenhos renderizados submetidos pela B..., Lda. não cumprem as exigências do Programa do Procedimento, no ponto X.5, não podendo ser considerados como imagens fotográficas, mantendo-se a proposta de exclusão do Relatório Preliminar;
c. os resultados dos testes SORT submetidos pelo concorrente B..., foram elaborados com base em software inadequado, em clara violação dos requisitos exigidos pelo Caderno de Encargos, e, como tal, não podem ser aceites.”

2. Em 22/01/2023 o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra proferiu sentença julgando a ação improcedente e absolvendo o Réu dos pedidos.

3. Interposto recurso da sentença pela Autora, o Tribunal Central Administrativo Norte, por acórdão proferido em 02/06/2023, negou provimento ao recurso.

4. Deste acórdão do TCAN interpõe a Autora a presente revista, apresentando alegacões com as seguintes conclusões:
“1. O fundamento assente na alínea g), do n.º 2, do art.º 70, do CCP, ocupou um papel basilar na apreciação do douto Acórdão recorrido e cuja improcedência ab initio ditou a improcedência subsequente dos demais fundamentos que lhe estavam incindivelmente associados, mantendo-se o cenário de exclusão da Recorrente.
2. Os critérios de aplicação da mencionada cláusula legal de exclusão de Propostas em procedimentos de contratação pública constituem uma questão de importância fundamental, atenta a sua evidente relevância jurídica e social.
3. A admissão do presente Recurso de Revista é, em igual medida, claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
4. O Acórdão de Revista citado pelas duas decisões recorridas não é aplicável a procedimentos concorrenciais abertos, como Concursos Públicos Internacionais como o sub juditio.
5. O presente Recurso de Revista deve ser admitido, porquanto preenche ambos os pressupostos e cumpre, de igual modo, os repetitivos requisitos processuais.
6.1. a decisão de adjudicação e de homologação do Relatório Final, atinente ao LOTE 2, é ilegal, por violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito do normativo ínsito na alínea g), do n.º 2, do art.º 70, do CCP, considerando a inexistência de “fortes indícios de atos, acordos, práticas ou informações suscetíveis de falsear as regras de concorrência”;
6.2. A Proposta da Recorrente foi excluída com base numa (dupla) presunção abstrata, ostensivamente ilegítima, não consentida pelo TJUE, adotada a partir de elementos meramente orgânicos e formais, nos termos seguintes:
6.3. A Proposta da Recorrente, Representante de uma marca de autocarros, cumpre o standard de autonomia e independência decisória relativamente à C..., representante de outra marca de autocarros: Ambas as sociedades concorrem uma contra a outra e contra todos.
6.4. As decisões prolatadas no âmbito do presente processo jurisdicional reconhecem uma discricionariedade ao Júri e às entidades adjudicantes quanto à decisão de exclusão e quanto à densificação normativa do conceito de indício plausível inconstitucional e claramente desconforme com o Direito da União Europeia; É a própria Comissão Europeia que adverte que uma tal liberdade de decisão administrativa não é possível quando a legislação nacional exigir que as autoridades adjudicantes excluam o proponente. É o caso da lei portuguesa.
6.5. A Proposta da Recorrente foi ilegalmente excluída, porquanto o Júri não indicou nem provou nem os alegados factos nem os pretensos fortes indícios, como por exemplo: (i) quais os atos que a Recorrente, alegadamente, adotou em conluio; (ii) que regras da concorrência foram, supostamente, falseadas e violadas; (iii) os danos efetivos que essas pretensas atuações ilegais causaram à Concorrência.
6.6. A sentença recorrida procede a uma deficiente interpretação do instituto jurídico da presunção, pois reconhece ao júri uma presunção desprovida de base legal, incorrendo em erro de interpretação dos pressupostos de direito do artigo 350.º, n.º 1, do CC.
Em acréscimo, em cumprimento do ónus de não abandono,
7. A interpretação, sustentada pelo TAF de Coimbra e confirmada pelo Acórdão do TCA Norte, da cláusula de exclusão controvertida configura a efetiva aplicação de interpretações normativas claramente inconstitucionais:
7.1. É inconstitucional a interpretação extraída da alínea g), do n.º 2, do artigo 70.º, segundo a qual a comunhão de administradores entre duas empresas que atuam no mesmo mercado e oferecem o mesmo tipo de produtos e serviços; o facto de terem a mesma sede e exercerem a sua atividade no mesmo local; de terem os mesmos contactos e o facto de as suas propostas apresentarem elementos gráficos e formais semelhantes configuram, per se, fortes indícios de atos, acordos, práticas ou informações suscetíveis de falsear as regras de concorrência.
7.2. É inconstitucional a interpretação normativa a extrair da alínea g), do n.º 2, do artigo 70.º, do CCP, segundo a qual os júris dos Procedimentos de Contratação Pública dispõem de uma ampla margem de livre decisão administrativa na interpretação do que são “fortes indícios de atos, acordos, práticas ou informações suscetíveis de falsear as regras de concorrência”.
7.3. É inconstitucional a interpretação normativa extraída da alínea g), do n.º 2, do artigo 70.º, do CCP, segundo a qual a sindicabilidade jurisdicional do conceito de fortes indícios de atos, acordos, práticas ou informações suscetíveis de falsear as regras de concorrência se circunscreve aos casos de erro grosseiro ou manifesto nessa apreciação.
7.3.1. Ambas as interpretações (6.2. e 6.3) configuram restrições inconstitucionais das liberdades de gestão e iniciativa privada, direitos fundamentais de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, por atentarem contra o respetivo regime de proteção, aplicável ex vi artigo 17.º da CRP, designadamente os princípios da reserva de lei e da precedência de lei, princípio da proibição do excesso (cf. artigo 18.º, n.º 2, 2.ª parte) o direito a uma tutela jurisdicional efetiva (cf. artigo 268.º, n.º 4, da CRP).
7.3.2. No caso específico do 6.2, para além do Princípio da Legalidade (cf. artigo 266.º, n.º 2, CRP), o reconhecimento aos júris de contratação pública de competências normativas substitutivas do legislador na densificação normativa da cláusula legal configuraria um sério atentado ao Princípio da Separação de Poderes (cf. artigo 11.º, n.º 1, CRP).
7.4. A alínea g), do n.º 2, do artigo 70.º, do CCP, é, igualmente, ostensivamente inconstitucional, com os seguintes fundamentos:
7.4.1. a falta de densificação legislativa dos “atos, acordos, práticas ou informações suscetíveis de falsear as regras de concorrência” passíveis de configurar uma causa de exclusão ofende o princípio do Estado de Direito Democrático (cf. art.º 2.º, da CRP) e as respetivas garantias relativas à segurança jurídica, certeza, confiança e previsibilidade dos cidadãos, bem como o princípio da tutela jurisdicional efetiva e o direito a um processo equitativo (cf. artigo 20.º, n.º 4, e 268.º, n.º 4, da CRP);
7.4.2. constitui uma restrição claramente inconstitucional das liberdades de gestão e de iniciativa privada e da propriedade privada (cf. artigos 61.º, n.º 1, e 62.º, n.º 1, da CRP) por violação da reserva de lei e do princípio da precedência de lei (cf. artigos 18.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea b)), pela respetiva indeterminação e eventual irrazoabilidade, em preterição do princípio da proibição do excesso (cf. art. 18.º, n.º 2, 2.ª parte, da CRP).
Ademais,
8. são, inexoravelmente, inconstitucionais as interpretações normativas extraídas da alínea g), do n.º 2, do artigo 70.º, do CCP, segundo as quais:
8.1. o júri não tem o dever de informar os Concorrentes sobre quais os “atos, acordos, práticas ou informações suscetíveis de falsear as regras de concorrência” que lhes são imputados para fundamentar as respetivas propostas de exclusão do procedimento, por preterição do dever de fundamentação dos atos administrativos (cf. artigos 152.º, n.º 1, alínea c), do CPA...

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