Acórdão nº 02378/12.4BELRS 0334/18 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 2022-10-26

Ano2022
Número Acordão02378/12.4BELRS 0334/18
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (2 SECÇÃO)
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Relatório
1.1. A A……., S.A. (A…), sociedade identificada nos autos, interpõe recurso da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa na parte em que não considerou dedutíveis os encargos com reformas antecipadas dos trabalhadores do extinto B…., no montante de €4.270.279,47, respeitantes ao exercício de 2007, concluindo da seguinte forma as suas alegações de recurso:
A) O princípio da especialização, expresso no artigo 18.º do Código do IRC, impõe o reconhecimento do custo associado às responsabilidades com reformas antecipadas, transferidas para Fundos de Pensões no exercício do dispêndio efetivo dos montantes assim transferidos para o Fundo de Pensões, ou seja, quando este pague aos reformados antecipadamente os valores das respetivas prestações de reforma antecipada, e não do exercício em que forem efectuadas as dotações para o Fundo;
B) O princípio da indispensabilidade dos custos expresso do art. 23.º do Código do IRC impõe igualmente que as reformas antecipadas por serem substancialmente rendimentos do trabalho dependente, sejam consideradas custos do exercício do seu efectivo pagamento;
C) Assim, o custo associado às responsabilidades com reformas antecipadas, transferidas para Fundos de Pensões é o valor atual das pensões pagas, em cada ano, aos reformados antecipadamente, resultantes, assim, da capitalização das contribuições efetuadas no passado pela empresa e registadas em custos diferidos;
D) O facto de as dotações serem efectuadas de acordo com a disciplina do Banco de Portugal não implica que estas sejam consideradas custo fiscal - e não meramente contabilístico - do exercício em que sejam efectuadas, já que o reconhecimento fiscal desse custo obedece às normas citadas do Código do IRC.
Entende, assim, a ora Recorrente que a correção, referida no Relatório de Inspeção, a título de "encargos com reformas antecipadas do ex-B…..", no montante de € 4.270.279,47, confirmada pelo Ilustre Tribunal a quo, padecem de ilegalidade, devendo, por isso, ser anulada por este Venerando Tribunal, anulando-se, ainda, e consequentemente, tal ato de liquidação adicional de IRC praticado pelas Autoridades Fiscais.
Tudo com as demais consequências legais, nomeadamente a liquidação de juros indemnizatórios, nos termos do art. 43º da Lei Geral Tributária, assim se fazendo a verdadeira e costumada JUSTIÇA!»

1.2. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.3. A excelentíssima Procuradora-Geral Adjunto, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1 do CPTA, emitiu douto parecer que se transcreve:
(….)
II. DOS ERROS DE JULGAMENTO DE DIREITO
invoca, pois, a Recorrente que a sentença colocada sob o superior escrutínio deste Colendo STA efetuou uma errada interpretação e aplicação da lei, mormente dos já mencionados princípios (v. as referidas Conclusões alegatórias).
Mas, o Ministério Público avança, desde já, que sufraga inteiramente a posição doutrinária veiculada na sentença recorrida.
Efetivamente, não está em causa a conformação da liquidação impugnada com os princípios da especialização dos exercícios e da indispensabilidade dos custos, consagrados, respetivamente, nos artigos 18.º e 23.º, ambos do CIRC, disposições alegadamente afrontadas pela sentença recorrida, neste concreto segmento decisório em crise.
Assim, trata-se, primacialmente, da sua compatibilização com outros princípios constitucionais, tão essenciais à ordem jurídica no seu conjunto, como os da justiça e da proporcionalidade.
Ademais, como se refere, certeiramente, na fundamentação jurídica da sentença sob recurso, a Recorrente, como instituição bancária que é, estava vinculada pelos Avisos n.º 6/95 e n.º 12/2001, ambos do Banco de Portugal, designadamente, pelo item 3.º deste último Aviso, nos termos do qual "Os valores registados em «Despesas com custo diferido» e em «Receitas com proveito diferido» devem ser amortizados nos termos das alíneas seguintes: i) Os valores relativos a acréscimos de responsabilidades resultantes de programas de reformas antecipadas, a que se refere a alínea c) do nº 1) por contrapartida de «Resultados extraordinários - Perdas relativas a exercícios anteriores», no prazo máximo de 10 anos a contar da data efetiva da reforma, não podendo, porém, ser ultrapassado o quarto exercício seguinte ao do ano em que presumivelmente a reforma ocorreria; ii) Os saldos relativos a ganhos e perdas atuariais indicados nas alíneas d) e e) do nº 1) do nº 2, por contrapartida de «Resultados extraordinários - Outras perdas (ganhos) extraordinários», no prazo máximo de 10 anos, devendo ser assegurada consistência de critérios".
Acresce que esta vexata quaestio já foi objeto de uma análise esclarecedora, no douto Acórdão do Venerando TCA Sul, de 23/04/2015, tirado no Processo n.º 08149/14, citado e seguido na sentença recorrida.
Ora, a título de fundamentação jurídica, o citado douto aresto sustenta que "(...) Não suscita dúvidas que o princípio da especialização dos exercícios requer que «Ia] imputação de um proveito ou custo a certo exercício obedece a um critério económico (e não a um critério financeiro), ou seja, as operações nele efetuadas afetam o respetivo resultado, independentemente do recebimento ou pagamento do respetivo preço ou outra contrapartida. Contabilizam-se créditos e débitos e não pagamentos ou recebimentos» No caso em exame, não sofre dúvida que a aplicação do plano de amortização das reformas em causa tem em vista a imputação dos custos a cada exercício, de acordo com o princípio da especialização dos exercícios, ajustado em função das necessidades de amortização dos encargos com mencionadas reformas, tal como foi definido no plano de dotação do Fundo de Pensões, donde decorre que a imputação de custo superior ao previsto, viola o referido plano e colide com o próprio princípio da especialização dos exercícios. Motivo porque se afigura improcedente a presente linha de argumentação. Por outras palavras, o que viola o princípio da especialização dos exercícios é a imputação no exercício em causa dos encargos incorridos em 2005, quando os mesmos não são proporcionados à dotação do Fundo de Pensões e ao plano de amortização, subscrito pela impugnante, quando sucedeu na posição do ex-B…., pois que a imputação dos débitos em causa é regulada, no caso, por tal instrumento normativo, assegurando a observância do critério económico.(...)".
Nesta conformidade, in casu mostra-se inverificada a assacada afronta aos princípios e aos preceitos legais enunciados pela Recorrente, pretensamente violados pelo tribunal a quo.
Assim sendo, face à posição por nós assumida supra, forçosa se torna a ilação de que, na ótica do Ministério Público, não merece censura a decisão judicial em crise.
III. CONCLUSÃO
Na improcedência das conclusões das alegações da Recorrente, o Ministério Público emite parecer no sentido de que deverá ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional e, consequentemente, ser confirmada a sentença recorrida.

2. Fundamentação de facto
O Tribunal recorrido fez o seguinte julgamento da matéria de facto (que reproduzimos, face à sua extensão, apenas na parte relevante para a decisão do presente recurso):
«a) Factos provados
Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos com interesse para a decisão:
A) A Impugnante dedica-se ao comércio bancário, concedendo empréstimos a empresas, particulares e setor público administrativo (cf. fls. 345 do PA);
B) A Impugnante foi alvo de ação inspetiva externa ao exercício de 2007 que concluiu por uma correção global ao lucro tributável no montante de € 34 274 222,08 (cf. fls. 339 do PA);
C) Do relatório de inspeção tributária elaborado pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Serviços de Inspeção Tributária em 2010.05.27, constante de fls. 335 a 444 do PA e que aqui se dá como integralmente reproduzido, sancionado por despacho de 2010.05.27, da Chefe de Divisão, em substituição da Diretora de Serviços (DR, 2ª Série, nº 192, de 2008.10.03) transcreve-se:
I.2 - Descrição sucinta das conclusões da ação de inspeção
I.2.1 - Correções à matéria Tributável - IRC
(…)
III.1.1.3 do Relatório.
I.2.1.4 - Encargos não dedutíveis (art.ºs 23.º e 18.º do CIRC) - € 4.270.279,47 – Esta verba corresponde a um custo suportado que não cumpre o princípio da indispensabilidade preconizado no normativo legal em questão – ponto III.1.1.4 do Relatório.
(…)
III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
Foram selecionadas e analisadas as áreas contabilístico-fiscais de acordo com os procedimentos em uso, e com a profundidade considerada adequada nas circunstâncias, tendo-se apurado os factos descritos nos pontos seguintes.
A legislação invocada é a que estava em vigor à data da ocorrência dos factos tributários em análise no presente relatório.
III.1 - Imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas - IRC
III.1.1 - Correções à matéria tributável
(…)
III.1.1.4 - Encargos não dedutíveis (art.ºs 23.º e 18.º do CIRC) - € 4.270.279,47 –
No preenchimento da declaração modelo 22 de IRC alusiva a 2007, inscreveu a A…… o montante de € 42.655.716,34 a título de variações patrimoniais negativas (campo 203 do quadro 07 da declaração modelo 22), o qual incluía € 10.748.654,91 a título de “Reformas antecipadas ex-B...”
Este ajustamento ao lucro tributável operado pela A….. corresponde aos valores pagos pelo Fundo de Pensões aos empregados do ex-B….. que se encontravam na situação de reforma antecipada durante o exercício de 2007, conforme listagem dos valores pagos durante o ano fornecida pelo sujeito passivo (resposta ao pedido de elementos datado de 4 de Junho de 2009 – questão n.º II.1 – a).
Estas responsabilidades com reformas antecipadas assumidas pela A……...

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