Acórdão nº 02290/07.9BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 03-03-2022

Data de Julgamento03 Março 2022
Ano2022
Número Acordão02290/07.9BEPRT
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Norte
Acordam em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
1.1. A Recorrente (Fazenda Pública), notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em que foi julgada totalmente procedente a impugnação judicial do despacho de indeferimento da reclamação graciosa instaurada contra a liquidação adicional referente ao IVA do ano de 2004, no montante de €2 515.60 a que acrescem juros compensatórios, inconformada vem dela interpor o presente recurso jurisdicional.

Alegou, formulando as seguintes conclusões:
«A. Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou procedente a impugnação judicial intentada por “O.., Lda”, com o NIPC (…), contra a liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), referente ao ano de 2004, no valor de € 2 515,60.
B. Com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o decidido, porquanto entende que a decisão proferida enferma de erro de julgamento, de facto e de direito, nomeadamente, por retirar conclusões de facto que não resultam dos factos dados como provados,
C. e ainda, pela consideração da operação em causa nos autos como passível de direito à dedução de imposto, quando, a mesma, não encontra subsunção no referido normativo que atribui esse direito, conforme se vai explanar.
D. No que respeita ao imposto considerado dedutível prescreve o disposto no artigo 20º n.º 1 al. a) do Código do IVA (CIVA) o seguinte:
“1 - Só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes:
a) Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas;”.
E. O IVA é um imposto geral sobre o consumo constituindo a base do sistema português de tributação do consumo, em que se tributam as transmissões de bens, a prestação de serviços, as importações e a aquisição intracomunitária de bens. É portanto, um imposto que incide sobre a despesa.
F. Por sua vez, o mecanismo de dedução do IVA consiste na faculdade que o sujeito passivo tem de poder deduzir ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efetuou, o tributo que lhe foi faturado nas suas aquisições de bens ou serviços, por outros sujeitos passivos de IVA.
G. Contudo, casos há em que mesmo que o referido imposto tenha incidido sobre bens ou serviços necessários para o exercício da sua atividade, o sujeito passivo só o pode deduzir, se tais bens ou serviços não forem excluídos nos termos do disposto no artigo 21º do CIVA.
H. Ou seja, ainda que esses bens ou serviços sejam necessários para o exercício da atividade do sujeito passivo, em observância, pois, do disposto no artigo 20º do CIVA, determina a alínea d) do n.º 1 do artigo 21º do mesmo diploma, que se deve excluir do direito à dedução o imposto contido nas despesas, nomeadamente, de receção.
I. O fundamento que terá levado o legislador a excluir do direito à dedução as situações contempladas no artigo 21º do CIVA, julgamos encontrar-se no facto de muitas das ali previstas respeitarem a IVA suportado nos “inputs” em relação às quais se configura difícil ou mesmo impossível controlar da sua bondade.
J. Pretendendo-se por via dessa exclusão, obstar à dedução do imposto suportado com bens ou serviços facilmente desviáveis para consumos particulares, constituindo a referida norma, uma norma especial anti-abuso em sede de IVA.
K. Ou seja, o legislador, mesmo admitindo que os bens ou serviços identificados no artigo 21º do CIVA possam destinar-se a fins empresariais, por reconhecer ser particularmente difícil o controlo da utilização dos referidos bens ou serviços e com o intuito de evitar a possibilidade de elevado nível de fraude, estipulou na referenciada norma legal um conjunto de bens ou serviços excluídos do direito à dedução, independentemente da sua utilização. (veja-se neste sentido, o Acórdão do TCAS de 04/06/2015, Processo n.º 06391/13 e o Acórdão do TCAS de 10/07/2014, Processo n.º 7558/14).
L. Ora, é neste contexto e com o referido propósito que surge a exclusão do direito à dedução do IVA prevista no artigo 21º n.º 1 al. d) do CIVA, em discussão nos presentes autos.
M. Isto porque, consideramos, ser condição bastante para a exclusão do direito à dedução, a subsunção da operação aqui em causa no disposto no normativo supracitado, sendo inegável que o objeto do contrato celebrado pela Impugnante com a sociedade “E.., S.A.”, conferia àquela, designadamente, para além do direito a publicidade, o direito a utilizar 8 lugares na Tribuna VIP, o direito a serviço de catering, a 2 lugares de estacionamento no “Parque VIP”.
N. Entrando claramente no conceito de despesas de receção previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 21º do CIVA.
O. É certo que situações existem, reguladas pelo legislador, em relação às quais a exclusão do direito à dedução se não verifica e que encontram enquadramento no disposto no n.º 2 do mesmo artigo 21º do CIVA.
P. Situações que, conforme resulta dos autos, não constituem o caso presente e em análise.
Q. Ora, a sentença em discussão, e salvo o devido respeito por diferente opinião, insiste na relação direta existente entre a despesa realizada (celebração do contrato) e o objeto social da Impugnante para lhe conferir o direito à dedução previsto no artigo 20º do CIVA, olvidando o disposto no artigo 21º do mesmo diploma.
R. No entanto, não consideramos ser esse, o cerne da questão.
S. E mesmo essa relação direta entre a despesa realizada e a atividade da Impugnante nos oferece sérias dúvidas, isto porque, não resulta provado dos autos ao contrário do que se parece fazer crer, que o gerente daquela tenha efetivamente estabelecido contactos com os representantes dos jogadores, dos clubes de futebol e angariado clientes.
T. Na verdade, em lugar algum é ali referido e dado como provado, sobre que tipo de contactos profissionais foram realmente efetuados por aquele, quais os clientes angariados, razão pela qual, consideramos, que a douta sentença retirou conclusões de facto que não resultam dos factos dados como provados.
U. Todavia, mesmo a aceitar-se essa relação direta, a verdade é que, e insistimos, a partir do momento em que a operação em causa cai no disposto no artigo 21º n.º 1 al. d) do CIVA, como defendemos, e fora dos casos excecionais regulados no n.º 2 do mesmo normativo, o qual, não se subsume ao caso dos autos como vimos, fica desde logo excluído o direito á dedução de IVA por parte da Impugnante.
V. Exclusão que resulta de normativo legal, precisamente por estarem em causa despesas, facilmente confundíveis com consumos particulares, alheios à atividade empresarial.
W. Nestes termos, entende a Fazenda Pública que, ao decidir-se como se decidiu, sempre com o devido respeito pelo labor do Tribunal a quo, é nossa convicção que a sentença incorreu em erro de julgamento, de facto e de direito, nomeadamente, por retirar conclusões de facto que não resultam dos factos dados como provados, e por aplicar erradamente ao caso concreto, normativo que confere o direito à dedução, quando, é nossa convicção, que o mesmo se subsume a dispositivo diferente, o qual, exclui esse direito.
Termos em que,
deve ser dado provimento ao presente recurso revogando-se a douta decisão recorrida, com as legais consequências.
Com o que se fará, como sempre, JUSTIÇA!»

1.2. A Recorrida (O.., Lda.), notificada da apresentação do presente recurso, concluiu as suas contra-alegações do seguinte modo:

«I. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de 1ª Instância, a qual julgou procedente a impugnação deduzida pela impugnante.
II. No essencial, considerou a sentença recorrida que ficou demonstrada a ligação direta e imediata entre o contrato celebrado pela impugnante, os benefícios dele decorrentes, e a atividade desenvolvida pela empresa, sujeito passivo de Iva.
III. Com efeito, a impugnante tem como objeto a assessoria, gestão e representação de jogadores de futebol e treinadores e outras modalidades desportivas, clubes e sociedades desportivas; assessoria, gestão e organização de eventos desportivos e de acções de publicidade e marketing – cfr. ponto 1 da matéria de facto dada como provada.
IV. Sendo que a despesa que não foi aceite e deu origem à presente liquidação, é relacionada com um contrato de aquisição de serviços à sociedade “E.., S.A.”, que se encontra devidamente caracterizado nos pontos 4 a 6 da matéria de facto dada como provada.
V. A Fazenda Pública recorreu, continuando a sustentar que a impugnante não pode exercer o direito à dedução daquele montante de IVA suportado, por entender que o mesmo respeita a despesas de representação enquadráveis na alínea d) do nº 1 do artº 21º do CIVA.
VI. Ora, o alargado conjunto de direitos adquiridos pelo contrato em causa representa um forte envolvimento da impugnante com o futebol, pois permite à impugnante o acesso ao estádio do (...) e possibilita-lhe a inserção do seu logotipo num leque alargado de anúncios e painéis, além de outros benefícios acessórios ou diminutos.
VII. Em IVA, a regra geral é a existência do direito à dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços, desde que tais aquisições se mostrem necessárias para as transmissões de bens e prestações de serviços realizadas a jusante, conforme resulta do previsto no artº 20º do Código do IVA.
VIII. É certo que o IVA suportado na aquisição de determinados bens e serviços nem sempre é dedutível, ainda que aqueles bens e serviços sejam utilizados na realização de operações que conferem direito à dedução.
IX. Desde logo, o legislador coloca reservas à dedução do IVA contido em despesas que pela sua própria natureza sejam suscetíveis de utilização empresarial ou particular, como sejam, por exemplo, as despesas de viagens. Com efeito, neste tipo...

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