Acórdão nº 0224/10.2BEMDL de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 2023-11-09

Data de Julgamento09 Novembro 2023
Ano2023
Número Acordão0224/10.2BEMDL
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (1 SECÇÃO)
ACORDAM NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO


I. Relatório

1.UNIVERSIDADE DE ALTO DOURO E TRÁS-OS-MONTES E REITOR DA UNIVERSIDADE DE ALTO DOURO E TRÁS-OS-MONTES – identificados nos autos – recorreram para este Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do artigo 150.º do CPTA, do Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte (TCAN), de 21 de dezembro de 2018, que concedeu provimento ao recurso interposto por AA, da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Mirandela, de 2 de maio de 2013, e julgou procedente a presente ação administrativa, anulando, em consequência, a pena disciplinar de demissão que lhe foi aplicada.

2. Nas suas alegações, os Recorrentes formularam as seguintes conclusões:

«1º) Atentos os factos dados como provados, a solução plausível e consentânea com uma racional e justa aplicação do direito constituído, resulta de um percurso interpretativo diferente do adotado no acórdão recorrido, e impõe uma só conclusão, a ditada pelo acórdão do TAF de Mirandela, que julgou a ação improcedente, por entender que a pena de demissão foi corretamente aplicada dado que as infrações praticadas pela A. inviabilizaram a manutenção da relação funcional, nomeadamente porque aquela desviou dinheiros públicos, e, com intenção de obter para si benefício económico ilícito, faltou aos deveres funcionais e lesou interesse patrimonial que lhe cumpria, em razão das suas funções, administrar, fiscalizar, defender ou realizar – cfr. art.º 18.º n.º1 al. m) e al. o) do Estatuto.

2º) Sendo incontornável que a Administração, na determinação concreta da medida da pena, goza de certa margem de liberdade, movendo-se a coberto de sindicância judicial, o douto Acórdão ora posto em crise considerou que, in casu, “utilizou critérios de graduação inadmissíveis ou atingiu resultado grosseiro ou manifestamente inadequado”, em virtude de o Tribunal a quo não ter apreciado o Relatório da A..., e por pretensa diminuição das garantias de defesa da arguida, o que não se verificou, sublinhe-se;

3º) Pelo contrário, a prova documental e testemunhal coligida no processo disciplinar, que inclui a constante do processo de inquérito que o antecedeu, evidência à saciedade que a arguida, ora A/recorrente, cometeu as infrações disciplinares de que foi acusada.

4º) Assim, ao contrário do fixado pelo TAC Norte, nem a instrutora do processo disciplinar nem o Tribunal a quo atendeu apenas às declarações das testemunhas BB, CC e DD.

5º) A verdade é que a A, ora recorrida, aproveitando-se das suas funções apropriou-se desde 2007 até Abril de 2009, de quantias pertença da Universidade, que reteve e utilizou indevidamente verbas provenientes de atos médicos praticados no Hospital Veterinário, que lhe eram entregues pelos utentes, que sabia não lhe pertencerem, prestando contas das mesmas muito para além da data a que estava obrigada a fazê-lo.

6º) De resto, a arguida/A/recorrida, na sua defesa escrita admitiu também a apropriação indevida de verbas que sabia não lhe pertencer.

7º) Acresce que o direito de audiência e defesa da A, ora recorrida, ficou e foi devidamente salvaguardado ao longo do processo.

8º) Contudo, o Acórdão em mérito, nesta parte, põe em crise a decisão do Tribunal a quo por considerar que não poderia atender (apenas) às declarações das testemunhas BB, CC e DD, “prestadas em sede de inquérito, sem a presença da recorrente ou defensor por si nomeado para assistir”.

9º) Sucede que, como é apodítico, no âmbito do processo de inquérito, quando as identificadas testemunhas prestaram declarações, não havia qualquer suspeita fundada dirigida à recorrente, não se conheciam factos concretos que lhe pudessem ser imputados pelo que, obviamente, não era arguida nem se poderia/deveria possibilitar ou garantir a sua presença, ou de defensor por si nomeado, para assistir às respetivas diligências.

10º) De resto, a aceitar-se tal entendimento, também não poderia ser valorado a confissão que a recorrente fez quando inquirida no mesmo processo de inquérito, ou perante colegas seus, o que, como vimos será de atender, conforme jurisprudência unânime (por todos Ac. STA de 29.01.91, Procº 028125, in www.dgsi.pt).

11º) Além do que, repete-se, a A/recorrente, quando já representada por defensora, confessou ter utilizado indevidamente quantias da UTAD que sabia não lhe pertencer.

12º) Quanto à questão suscitada pelo arquivamento da participação crime Processo nº ... do Tribunal Judicial de ...), importa ter presente que, além da premissa de que processo disciplinar é independente e autónomo do processo criminal, resulta da respetiva prova documental juntos aos autos, que o arquivamento é posterior à elaboração do relatório final e da aplicação da sanção disciplinar.

13º) De resto, salvo melhor opinião, impõe-se aqui a importante ponderação constante do acórdão revogado: “É com o fundamento nas provas produzidas no processo disciplinar que iremos apreciar os vícios tal como o A. os configura ( cfr., entre outros, Ac Cfr. Ac. do STA de 19/1/2006, rec. 0733/04, in www.dgsi.pt): falta de fundamentação do pedido de prorrogação de prazo para conclusão da instrução; vicio de violação de lei porque aquele pedido foi concedido por prazo superior ao estipulado legalmente; falta de notificação do deferimento da prorrogação do prazo para conclusão da instrução; violação do disposto no art.º 34.º, n.º 1 do Estatuto, porque a A. esteve suspensa preventivamente durante 96 dias; violação do disposto no art.ºs 39.º e 45.º do Estatuto por falta de diligência imposta pelo carácter urgente do processo disciplinar; e inexistência de violação de qualquer dever funcional.” (sublinhado nosso).

14º) Será também neste âmbito que, salvo melhor opinião, deverá ser equacionada a questão que se prende com o facto de não ter sido considerado o “Relatório de A...”.

15º) Na verdade, como refere o douto Acórdão aqui posto em crise, o relatório da A... destinava-se a “verificar a regularidade ou irregularidades dos processos contabilísticos da UTAD e não propriamente a individualizar responsabilidades criminais ou disciplinares”.

16º) Competia-lhes, pois, procederem à avaliação do sistema de cobranças do Hospital Veterinário, dos procedimentos existentes, detetarem eventuais irregularidades e discrepâncias nas contas, como detetaram, e, eventualmente, o, ou os responsáveis.

17º) Daqui resulta a pertinência do despacho da Senhora Instrutora a solicitar a prorrogação do prazo para concluir a instrução, dado que a auditoria às contas do Hospital Veterinário da UTAD poderia evidenciar novas matérias aptas, por exemplo, a agravar ou diminuir os factos imputados à arguida, outros montantes indevidamente apropriados, etc.

18º) Não tendo sido esse o caso, o discutido relatório não veio acrescentar nada ao processo disciplinar, aos factos que estavam sob censura, razão pela qual o “Relatório Final do Processo Disciplinar nº ...09” não faz qualquer alusão ao mesmo.

19º) Por outro lado, o Tribunal a quo, face a prova constante dos presentes autos, máxime o processo de inquérito e disciplinar, deu como provada a mesma factualidade que, sublinhe-se não foi alterada pelo TCA Norte.

20º) Portanto, dúvidas não restam que a recorrida praticou as infrações disciplinares que lhe eram imputadas, pelo que, salvo o devido respeito, não se aceita que o ato impugnado esteja viciado por “instrução deficiente, erro grosseiro na apreciação da prova ou desprezo de determinados meios de prova, disponíveis e relevantes.”

21º) Repete-se, da ponderação e análise critica da prova documental e testemunhal constante do PA resulta inequivocamente que a recorrida praticou as discutidas infrações disciplinares.

22º) Sendo certo que os pretensos meios de prova que foram desprezados eram e são absolutamente irrelevantes para a matéria que aqui importa.

23º) Assim, dado que a prova coligida nos autos impõe a conclusão segura de que a recorrida praticou os referidos ilícitos disciplinares, e que não se verifica qualquer nulidade da decisão do TAF de Mirandela, salvo o devido e muito respeito, o douto acórdão ora posto em crise não podia concluir como concluiu, anulando o ato objeto de impugnação.

24º) Isto porque dos factos dados como provados, ainda que com a redação dada pelo acórdão em mérito, resulta que a aqui recorrida assumiu, efetivamente, o comportamento censurável e, como tal, censurado.

25º) Quanto muito, e salvo melhor opinião, vingando a tese defendida pelo TCA Norte, impunha-se a baixa do processo com vista a considerar os pretensos meios de prova que, segundo o mesmo, não terão sido atendidos para, em conjunto com os que foram, determinarem uma decisão justa.

26º) Importa referir que o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, pode ser sindicado quando se consubstancie num verdadeiro erro de aplicação do direito (nº 4 do cit. Artº 150º).

27º) Salvo o devido respeito, é o Acórdão aqui posto em crise, e não a decisão do TAF de Mirandela, que desconsiderou e desconsidera os meios de prova, disponíveis e relevantes, sem especificar os fundamentos de facto e de direito para tanto.

28º) Assim atento o exposto, o douto Acórdão em mérito, é nulo nos termos e para os efeitos do preceituado no artº 615º, nº 1, als. b), c) e d), última parte, do CPC, e violou, por erro de interpretação e aplicação o disposto, entre outros, no artº 32º, nº 10, da CRP, artº 607º, nºs 3 e 4 do CPC, ex vi dos artºs 1º e 140º do CPTA.»

3. A Recorrida contra-alegou, pugnado pela improcedência do recurso, mas não formulou conclusões.

4. O recurso de revista foi admitido por Acórdão da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo, proferido em formação de apreciação preliminar, em 10 de maio de 2019, «tendo em conta a existência de decisões diversas, a relevância social da questão...

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