Acórdão nº 02232/22.1BEPRT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 14-03-2024

Data de Julgamento14 Março 2024
Ano2024
Número Acordão02232/22.1BEPRT
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (1 SECÇÃO)

ACORDAM NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO


I. Relatório

1. A..., LDA - identificada nos autos – recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do artigo 150.º do CPTA, do Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte (TCAN), de 30 de novembro de 2023, que concedeu provimento ao recurso interposto pela B..., S.A. da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) do Porto, de ... de 2023, e, em consequência, julgou totalmente improcedente o presente processo cautelar de regulação provisória de situação / arbitramento de reparação provisória.

2. Nas suas alegações, a Recorrente formulou, quanto ao mérito do recurso, as seguintes conclusões:

«(...)

XV) O douto acórdão recorrido revogou a sentença proferida pelo TAF Porto, por considerar que no caso vertente não foi produzida prova que a curto prazo a requerente estivesse forçada a apresentar-se à insolvência, por não ter créditos suficientes para fazer face às despesas, e não conseguir pagar aos seus funcionários, nem fazer fase às despesas inerentes ao funcionamento da sua atividade, até porque a requerente possui outros bens ou rendimentos, designadamente, rendas de um imóvel da sua propriedade e os ganhos da abertura de um outro estabelecimento na Rua ..., no Porto, que lhe permitem suportar os custos.

XVI) Alicerçou, assim, a revogação da sentença do TAF Porto e consequentemente pela recusa de adopção da providência cautelar que vinha decretada, por não se ter provado a situação de grave carência económica da A..., Lda. (requerente), considerando que a situação económica desta terá de ser aferida na sua globalidade, com todos os rendimentos auferidos e não apenas cuidando da afetação da exploração do negócio que aquela empresa vinha desenvolvendo na Praça ....

XVII) O Tribunal a quo no caso vertente considerou que, não se tendo comprovado a situação de grave carência económica da requerente e que fosse de prever que o prolongamento dessa situação pudesse acarretar consequências graves e dificilmente reparáveis (periculum in mora), em face da natureza cumulativa dos requisitos de adoção da presente providência, não verifica o requisito do periculum in mora, pelo que teria de improceder a presente providência cautelar, considerando-se inútil a análise dos demais requisitos– cfr. artigo 133.º do CPTA.

XVIII) Pelos mesmos fundamentos invocados para a admissão do presente recurso, nomeadamente quanto ao lapso clamoroso, manifesto e notório de apreciação ou de julgamento dos preceitos citados, assim como na apreciação e requisitos da providência em causa, previstos no art.º 133º, 112º e 120.º, todos do CPTA, ofendendo, mesmo, a jurisprudência aprovada recentemente por maioria pelo Pleno do Contencioso Administrativo do STA, atrás citado, impõe-se a revogação da decisão recorrida porquanto considerou demonstrado o 1.º requisito previsto na alínea a) do n.º 2 do artigo 133.º do CPTA.”

XIX) Ainda que a aqui recorrente não tenha feito prova da sua situação de pré-insolvência, ou que esteja numa situação de grave carência económica, ainda assim, não deveria ter sido revogada a sentença proferida pelo TAF do Porto, ou em última análise deveria ter sido esta substituída por outra que conferisse uma tutela jurisdicional efectiva (garantia/protecção) de reparação dos danos e prejuízos que a aqui recorrente, sofreu, está a sofrer e vai continuar a sofrer enquanto decorrerem as obras levadas a efeitos pela recorrida junto da Praça ..., cidade do Porto, na proximidade do estabelecimento comercial explorado pela recorrente.

XX) Pois, do elenco dos factos perfunctoriamente julgados provados e não provados, somos forçados a concluir que se encontram preenchidos os requisitos que a nossa doutrina e jurisprudência vêm comumente exigido para fundamentar o decretamento de protecção cautelar, seja antecipatória, seja conservatória, a saber:

- o receio da lesão (o perigo de inutilidade da sentença na acção principal);

- a aparência do direito (a probabilidade de procedência da acção principal) e,

- a proporcionalidade da decisão (ponderação de todos os interesses em presença) (vide, entre muitos pag. 330 de A Justiça Administrativa (Lições) do Prof. José Carlos Vieira de Andrade, 19ª edição, Almedina).

XXI) O nosso legislador pretendeu estabelecer uma “clausula aberta” no que toca à adopção de medidas cautelares, de forma a abranger todo o tipo de pretensões substantivas que os particulares podem acionar a título principal.

XXII) Tal como sucede em processo civil, o primeiro e o mais importante dos critérios de que depende a atribuição de providências cautelares é o periculum in mora, que o CPTA entende existir, segundo dispõe o artigo 120º, nº 1, quando “haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal”.

XXIII) Deve ser recusado o entendimento da insubsistência de prejuízos de difícil reparação quando é possível a avaliação pecuniária dos danos, em favor do entendimento de que o prejuízo do requerente deve ser considerado irreparável sempre que os factos concretos por ele alegados permitam perspectivar a criação de uma situação de impossibilidade da reintegração especifica da sua esfera jurídica, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente.

XXIV) A sumariedade, que, em termos gerais, caracteriza os processos cautelares, deve valer também para a apreciação do periculum in mora. Com efeito, o nº 1 do artigo 120º utiliza a expressão “fundado receio”, o que significa que também o juízo sobre a existência do perigo da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação não tem de ser um juízo de certeza, mas apenas um juízo de probabilidade, que poderá ser maior ou menor, consoante as circunstâncias especificas de cada caso.

XXV) Agora a propósito do critério da aparência de bom direito (fumus boni iuris) a atribuição das providências cautelares depende de um juízo ainda que perfunctório, por parte do juiz, sobre a aparência da procedência da pretensão que o requerente faz valer no processo declarativo. O juiz deve, portanto avaliar o grau de probabilidade de êxito do requerente no processo declarativo.

XXVI) Essa avaliação deve, naturalmente, conservar-se dentro dos estritos limites que são próprios da tutela cautelar, para não comprometer nem antecipar o juízo de fundo que caberá formular no processo principal. O tribunal deve tomar em linha de conta o comportamento, judicial e extrajudicial, que o requerido tenha, entretanto, assumido, na medida em que tal comportamento também possa, pelo seu lado, fornecer indícios da adopção de uma atitude de desrespeito pela legalidade.

XXVII) Também a atribuição das providências cautelares não depende apenas do preenchimento da previsão do nº 1 do artigo 120º, e, portanto, do preenchimento cumulativo dos requisitos do periculum in mora e do fumus boni iuris. Com efeito, o artigo 120º, nº 2, estabelece que, mesmo que se preencha a previsão do nº 1, as providências ainda podem ser recusadas “quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências.

XXVIII) Tal é uma concretização do princípio da proporcionalidade, que embora implique uma compressão do princípio do dispositivo, na medida em que desvincula o juiz do principio do pedido, é determinada pelo propósito de permitir ao juiz encontrar a solução mais adequada à justa composição dos interesses envolvidos.

XXIX) No caso concreto a requerida, aqui recorrida, não alegou ou invocou sequer a existência de qualquer interesse público que pudesse ser seriamente afectado pela adopção da providência cautelar pretendida, que merecesse alguma protecção. Daí que a contrario mostra-se este requisito (limite) inverificado.

XXX) O artigo 133.º do CPTA não impede que os interessados que não se encontrem em situação de carência económica requeiram e obtenham a adoção das providências cautelares antecipatórias que se mostrem adequadas a assegurar a utilidade da sentença proferida ou a proferir na ação principal, desde que verificados os requisitos gerais estabelecidos no artigo 120.º do mesmo código.

XXXI) A Requerente, ora Recorrente, não tem que fazer prova de que se encontra em situação de grave carência económica para obter a antecipação, a título provisório, de parte da indemnização pelo sofrimento (RRCEE) a que têm direito.

XXXII) As providências cautelares desempenham uma função instrumental em relação ao juízo de fundo proferido na ação principal, pois visam assegurar a sua utilidade substancial, através da neutralização do spatium deliberandi constituído pela duração do processo. As providências cautelares são, por isso mesmo, um elemento essencial de garantia da efetividade da tutela jurisdicional, como aliás decorre do disposto no n.º 4 do artigo 268.º da CRP e, ainda mais expressivamente, do n.º 1 do artigo 2.º do CPTA. É isso que justifica, nomeadamente, o carácter aberto da enumeração constante do n.º 2 do artigo 112.º do CPTA, que permite, nos termos do n.º 1 do mesmo artigo, que os interessados possam «solicitar a adoção da providência ou das providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, que se mostram adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir nesse processo», leia-se, de quaisquer providências.

XXXIII) Na medida em que se mostre adequado a assegurar a utilidade da sentença proferida ou a proferir na ação principal, qualquer parte legítima pode requerer e obter, a título de regulação provisória da sua situação jurídica, o pagamento antecipado de uma...

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