Acórdão nº 02201/16.0BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 2022-02-11

Ano2022
Número Acordão02201/16.0BEBRG
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Norte - (TAF do Porto)
Acordam, em conferência, no Tribunal Central Administrativo Norte – Secção do Contencioso Administrativo:

I
RELATÓRIO

1 . "V., SA", com sede na Av. (…), inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do TAF do Porto, datada de 31 de Maio de 2021, que julgou improcedente a acção administrativa instaurada contra “INSTITUTO de FINANCIAMENTO da AGRICULTURA e PESCAS, IP – IFAP, IP”, por inverificação das diversas invalidades suscitadas e onde peticionava o seguinte:
"a) Decretar-se que não se verificam preenchidos os fundamentos de facto e de Direito alegados na decisão final do Réu e, consequentemente, que a Autora não incumpriu a legislação aplicável ao Programa "PROMAR", e, por isso, a operação é elegível e a comparticipação financeira do valor de € 123.192,05 não deve ser devolvida;
b) Declarar-se a decisão final proferida pelo Réu nula e de nenhum efeito, por manifesta impossibilidade de revogação desse mesmo acto administrativo produzido anteriormente e consolidado na ordem jurídica, assim como por usurpação de poder do órgão decisor;
c) Sentenciar-se que o acto administrativo se encontra ainda eivado dos vícios de forma, por omissão da formalidade da falta de fundamentação, e vício de violação de lei, geradores da respectiva anulabilidade, declarando-se afectado por tais invalidades;
d) Mais deverá considerar-se reprinstinado o acto primário emitido pelo Réu, válido, e assim vinculativo para Autora e Réu, ou, assim não sendo, deverá condenar-se o Réu a emitir o acto administrativo devido, que satisfaça a pretensão da Autora, considerando-se elegível a operação e a consequente atribuição do co-financiamento do valor de € 123.192,05".
*
Nas suas alegações, a recorrente formulou as seguintes conclusões (renumerando-se as mesmas a partir da 56.º por esta numeração se encontrar repetida):
"1 – Vem o presente recurso interposto da sentença proferida nestes autos que julga a presente ação administrativa totalmente improcedente e, em consequência, absolve a entidade demandada dos pedidos formulados pela autora.
2 - Nos presentes autos de ação administrativa, colocam-se ao conhecimento do tribunal as seguintes questões:
c) Ilegalidade da decisão proferida pelo IFAP, no sentido de resolver o contrato de financiamento firmado com a autora;
d) Condenação do réu a, por via de repristinação do ato primário ou prática de novo ato administrativo, considerar elegível a atribuição do financiamento de € 123.192,05.
3 - A fundamentação da pretensão da recorrente assenta de facto nos seguintes aspetos:
i - Ilegalidade da revogação da prévia de decisão que aprovou a candidatura, que tem ínsito o respetivo enquadramento no programa PROMAR, e respetivo Eixo prioritário;
ii - Errada interpretação e aplicação do Direito, no que respeita ao enquadramento do projeto e do promotor, bem como pela irrelevância do facto de o espaço em que o projeto foi executado se encontrar cedido na sua exploração a entidade terceira;
iii- Falta de fundamentação;
iiii- Violação do direito de audiência prévia e usurpação de poder.
4 - Na interpretação do ato administrativo deve ter-se em conta as circunstâncias em que foi proferido e o seu fim legal, atendendo-se primacialmente aos termos da declaração do órgão administrativo, elemento textual, ao tipo legal de ato, aos seus antecedentes procedimentais e às demais circunstâncias em que foi emitido, elemento histórico, aos motivos que levaram o órgão a atuar e ao fim ou interesse que procurou alcançar, elemento racional e às praxes administrativas, sem prejuízo da eventual consideração de elementos posteriores à prática do ato, desde que suscetíveis de revelar o sentido com que o ato foi adotado pela Administração.
5 - Resulta dos factos provados a autora apresentou uma candidatura ao abrigo do PROMAR, programa que, ao nível europeu, obedecia ao disposto no Regulamento (CE) n.º 1198/2006, de Conselho, de 27.07.2006, relativo ao Fundo Europeu das Pescas, diploma que foi revogado pelo Regulamento (UE) n.º 508/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15.05.2014. Este Regulamento n.º 1198/2006 tinha como finalidade a definição do quadro do apoio comunitário a favor do desenvolvimento sustentável do sector das pescas, das zonas de pesca e da pesca interior, sendo certo que os objetivos concretamente visados eram expostos no art.º 4.º do diploma.
6 - No art.º 44.º deste mesmo Regulamento encontram-se elencadas as medidas elegíveis.
7 – Um dos objetivos visados pelo PROMAR consiste em assegurar o desenvolvimento sustentado das zonas costeiras cf. alínea d) do n.º 2 do art.º 2.º do DL n.º 81/2008.
8 - Além disso, o diploma em análise também fixa as condições gerais de acesso dos promotores, bem como as condições gerais de admissibilidade dos projetos (cf. artigos 4.º e 5.º), e ainda elenca - artº 6º - o conjunto de despesas que são consideradas como não elegíveis.
9 – Interessa-nos aqui apreciar a interpretação e aplicação do disposto no artº 12º do citado DL. Nº 81/2008 que estabelece o regime relativo à resolução e modificação do contrato;
10 - Na formulação da sua pretensão a recorrente começa por salientar que a decisão administrativa constitui uma revogação ilegal da decisão que aprovou a candidatura, considerando-a enquadrada no Eixo do PROMAR em apreço. Além disso, frisa que o projeto foi também escrutinado aquando da análise dos pedidos de pagamento, no âmbito dos quais nunca se questionou a elegibilidade das despesas, bem como sempre colaborou com o que lhe foi solicitado no âmbito do controlo de qualidade realizado antes dos pagamentos.
11 – Por conseguinte, a decisão administrativa que aprovou a candidatura é constitutiva de direitos da recorrente. Aliás, não fosse a aprovação da candidatura a recorrente não teria procedido á execução do respetivo projeto.
12 - Subscrevendo-se aqui o que consta a este respeito na sentença recorrida “Com efeito, o IFAP está certo quando diz que o ato de aprovação leva à celebração de um contrato de financiamento, e que a execução deste contrato é depois controlada; e só com a verificação do cumprimento das obrigações contratualmente assumidos pelo beneficiário este terá direito ao apoio, ou à sua consolidação (nos casos em que já o recebeu).”
“O problema é que essa não é a questão que se coloca nos autos, no que à parte do enquadramento do projeto no Eixo em causa diz respeito. Neste particular, a decisão administrativa versa sobre o enquadramento do próprio projeto, e não somente sobre o cumprimento das obrigações contratuais. Ou seja, vem agora dizer-se que o projeto, afinal, não se enquadra no Eixo em questão; só que essa aferição tem de ser feita aquando da aprovação da candidatura/projeto, sendo certo que, se a mesma não respeitar ao Eixo indicado, não pode sequer ser aprovada.
Basicamente, falamos aqui da aprovação da candidatura, que é prévia à execução do
contrato, e não desta última. E daí que o argumento se nos apresente como falacioso, por misturar problemas que não se confundem.”
Na verdade, o ato de aprovação da candidatura tem de ser considerado como ato constitutivo de direitos; não do direito a receber os fundos (porque tal depende da celebração do contrato e, dependendo do programa em causa, da sua execução, podendo haver adiantamentos, pagamentos parciais, mas pelo menos do direito a celebrar o contrato; ou seja, a decisão de aprovação, constitui na esfera jurídica do interessado o direito a que a mesma se enquadre no programa em causa, e respetivo Eixo e medida.”
13 – Discorda-se, contudo, da decisão recorrida na medida em que admite como válida a decisão de revogação que designa com “revogação anulatória implícita”, por confronto na interpretação e aplicação do Direito Europeu sobre o Direito nacional.
14 – Desde logo, porque a referida revogação não se encontra fundamentada e não se verificam os pressupostos legais para o efeito, designadamente nenhuma ilegalidade se verifica na aprovação da candidatura/projeto, que permita sequer uma interpretação de supremacia legislativa.
15 - Ainda que se pretenda aplicar a legislação europeia em supremacia à lei nacional é forçoso existir fundamentação de facto, o que no caso sob apreciação não se verifica.
16 – Ainda que estivéssemos perante um erro na aprovação da candidatura/projeto, o que não se admite, por este respeitar todos os parâmetros legais, não basta socorrer-se da legislação europeia para justificar o injustificável.
17 – O alegado prazo de 4 anos a que se alude na sentença recorrida, que o IFAP dispunha para a revogação da decisão de aprovação do financiamento encontrasse ultrapassado.
18 – Sendo certo que, o que está em causa já não é apenas a revogação da aprovação do financiamento, mas da própria execução do projeto. Pois, não podemos olvidar que, por força da aprovação do projeto, a recorrente executou-o.
19 – Por conseguinte, a recorrente discorda frontalmente da fundamentação encontrada na sentença recorrida para sustentar a revogação da decisão administrativa sob apreciação nesta ação.
20 - Pela aplicação do art.º 141.º, n.º 1, do CPA de 1991, estamos perante uma revogação anulatória ilegal;
21- E, não é possível fazer-se aplicar uma disposição comunitária ou europeia que verse em específico sobre a matéria, com prejuízo para o regime do CPA, sem se se verifique fundamentação adequada para o efeito.
22 - Aliás, a fundamentação do ato administrativo constitui exigência que se encontra plasmada no nº 3 do artº 268º Constituição da República Portuguesa e que não é suscetível de qualquer sobreposição legislativa europeia.
23 - A fundamentação de toda e qualquer decisão administrativa, fundamentação maior ou menor conforme o caso concreto, simples ou complexa consoante o caso concreto, implica sempre, naturalmente, um discurso justificativo assente em raciocínios fundamentadores e explicativos, o que...

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