Acórdão nº 0219/11.9BECBR 0723/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 10-04-2024

Data de Julgamento10 Abril 2024
Ano2024
Número Acordão0219/11.9BECBR 0723/14
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (2 SECÇÃO)
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. AA, NIF ...36, residente na Rua ..., ...60-...50 ..., interpôs recurso jurisdicional da douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que julgou improcedente a impugnação judicial da liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (“IRC”) do exercício de 2005 e dos respetivos juros compensatórios, a que atribuiu o valor global de € 14.304,38.

O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.

Notificado da admissão, o Recorrente apresentou alegações e formulou as seguintes conclusões:

«(…)

1. Verificando-se uma errada indicação das possibilidades de reacção à actuação administrativa – meios de defesa – acoplada à falta de notificação para dedução de pedido de revisão, não pode proceder a excepção da inimpugnabilidade nem sequer sustentar-se de que tal irregularidade se encontra sanada.

2. Se o pedido de revisão se configura como um meio de reacção e, no mais, como condição de impugnação judicial nos termos do artigo 86.º da LGT, a omissão da sua referência na indicação dos meios de defesa e a falta de notificação do responsável subsidiário para esse procedimento traduz-se numa errada indicação dos meios de defesa.

3. Se o recorrente, não notificado, como responsável subsidiário, para apresentar pedido de revisão segue o caminho indicado pela AT quanto aos meios de defesa, não podia o Tribunal deixar de assentar a sua decisão nos termos e para os efeitos referidos no artigo 37.º, n.º 4, do CPPT, no reconhecimento de errada indicação dos meios de reacção ao dispor do ora recorrente.

4. Na hipótese normativa da realização da avaliação indirecta por impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável do imposto, o acto administrativo decidente deverá − rectius, terá de − especificar, em todo o caso, qual o concreto circunstancialismo fáctico que, sendo susceptível de um enquadramento nas diversas categorias de pressupostos que estão definidos no art.º 88º da LGT, acaba por permitir a formação de um juízo, conformado segundo os princípios de causalidade adequada que sejam solicitados pela natureza própria dos concretos factos que estão em causa, quanto à impossibilidade da comprovação directa e exacta da matéria colectável, bem como, de resto, explicitar o porquê de decorrer da verificação de determinadas anomalias a impossibilidade de comprovação directa dos rendimentos sujeitos a tributação, porquanto, em rigor, as diferentes alíneas do artigo 88.º da LGT não operam automaticamente, id est, independentemente da formulação de um tal juízo.

5. Todo o discurso administrativo relativo aos “critérios de cálculo dos valores corrigidos com recurso aos métodos indirectos” é de tal forma técnico e complexo que um destinatário normal, ou mesmo um destinatário relativamente qualificado, não consegue acompanhar as operações aí [não] “explicitadas”.

6. Dizer-se que se aplica a mediana porque é a mediana não aporta ao discurso justificador o mínimo de cognoscibilidade relativamente à actuação administrativa.

7. Encontrando-se a AT a utilizar um critério não expressamente previsto, a fundamentação teria que incluir a explicitação das razões pelas quais se mobiliza aquele em concreto e não outro, dentro dos mesmos rácios.

8. Ainda quanto a este problema, se não há qualquer ponderação dos motivos que determinam a colocação do sujeito passivo devedor originário numa “posição intermédia”, não há qualquer razão compreensível – para além da mera subjectividade, que o dever de fundamentação visa controlar – para excluir a consideração dos valores mínimos e máximos da amostra, ou seja para preferir a “mediana” à “média”, sendo que esta é precisamente a medida que funciona como ponto de equilíbrio de um conjunto de dados, sendo o seu cálculo efectuado a partir de todos os valores de uma população.

9. É incontornável, cremos, que o mesmo roça a total ininteligibilidade, seja quanto à sua origem, seja quanto aos valores tidos em conta.

10. A fundamentação consubstancia-se num discurso funcional externado pela administração, expresso, formal, explícito, contextual, com capacidade para dar a um destinatário normal, colocado na situação concreta do destinatário do acto as razões subjacentes aos actos praticados.

11. Esse desiderato não pode considerar-se cumprido quando a fundamentação assenta num discurso não justificado e imperceptível não apenas para o cidadão normal, mas para muitos acima desse patamar, com elevada formação académica e profissional.

12. É facilmente perceptível que a generalidade da população portuguesa não percebe minimamente que rácio é esse, de onde é que resultam as percentagens, como é que se faz o apuramento das mesmas...

13. A improcedência do alegado não deixará de acarretar, em consequência da injunção constitucional tipificada no artigo 268.º, n.º 3, a aplicação de norma eivada de inconstitucionalidade, qual seja a do artigo 77.º, n.º 1 e 4, da LGT, interpretada no sentido de que, no caso da avaliação indirecta do rendimento, a fundamentação pode consubstanciar-se num discurso de cariz técnico e inacessível (imperceptível) a um destinatário normal.

14. O critério utilizado carece de uma fundamentação específica que revele as razões pelas quais se valorou esse mesmo critério de quantificação e se demonstre a sua aptidão funcional para o resultado legalmente visado, sob pena de se cair na ridícula posição dogmática de apenas se exigir fundamentação (ainda que remissiva) para os critérios previstos na lei e não já para critérios que a lei não prevê, pelo menos expressamente, como se encontra postergado pelo mais basilar exercício de interpretação enunciativa.

15. A admitir-se que a possibilidade de recurso a um critério não constante do elenco normativo do artigo 90.º, n.º 1, da LGT, não pode aceitar-se, como o fez o Tribunal recorrido, que a AF possa recorrer a qualquer outro critério objectivo, “à escolha”, sem ter que demonstrar a sua aptidão e idoneidade para o resultado pressuposto na lei e que é a determinação do rendimento que o sujeito passivo presumivelmente obteve...

16. Quer isto significar que, nos casos em que a AF pretenda socorrer-se de qualquer critério praeter legem ou “fora-da-lei”, no sentido de não previsto expressamente, terá forçosamente que demonstrar, que o mesmo é válido e apto para os fins da avaliação.

17. Na verdade, se quanto aos critérios elencados expressamente, esse juízo é feito a priori pelo legislador quanto aos factores que considerou idóneos para a determinação presumida do rendimento tributável, e por isso os previu na norma, já quanto aos critérios não expressamente previstos, a AF não pode deixar de justificar, como pressuposto para a sua mobilização, que o critério que utiliza é igualmente apto e idóneo à produção do resultado pretendido pelo legislador, sendo que este resultado não é tout court, o da fixação do rendimento, ou de um qualquer rendimento, outrossim o estabelecimento do rendimento que o contribuinte presumivelmente obteve.

18. Por outro lado, no que diz respeito aos critérios de quantificação, fosse em abstracto, fosse em concreto, o discurso administrativo é completamente omisso quanto à indicação dos preceitos legais habilitadores da quantificação concretamente operada, não sendo possível a um destinatário normal – medianamente capaz e, por isso, desprovido de formação jurídica especializadas – localizar e compreender os fundamentos da actuação administrativa, tanto mais que os mesmos resultam de uma interpretação – que não é pacífica – de uma norma (art. 90.º, n.º 1, da LGT) que tão-pouco se referenciou.

19. Partindo-se de um determinado rácio para quantificar os rendimentos e resultando desse rácio um conjunto de indicadores cuja mobilização se afigura possível em abstracto, não é admissível que seja o mero voluntarismo subjectivista do funcionário a determinar o porquê da aplicação de um indicador e não de...

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