Acórdão nº 0219/05.8BEPRT 01835/13 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 2024-04-04

Data de Julgamento04 Abril 2024
Ano2024
Número Acordão0219/05.8BEPRT 01835/13
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (1 SECÇÃO)
A... SA, com os sinais nos autos, inconformada com os acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte de 27.09.2019 (3039/sitaf) e 31.01.2020 (3127/sitaf) - este último parte integrante do anterior de 27.09.2019 (617º /2 CPC ex vi 140º/1 CPTA) - que julgaram improcedente o pedido de dispensa total e reduziram em 50% o montante devido a titulo de remanescente da taxa de justiça, dando, assim, parcial provimento ao recurso interposto do despacho de 11.07.2018 (3015/sitaf) do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.
Conclui como segue, uma vez alargado o âmbito da revista ao abrigo do disposto no artº 617º/3 CPC, ex vi 140º/1 CPTA (fls. 3157/sitaf):

DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO DE REVISTA

A. Perante as questões a apreciar no presente recurso, é evidente, como se demonstrou nos parágrafos 28 a 62 das alegações, que se encontram verificados os pressupostos do n.° 1 do artigo 150.° do CPTA.

B. Com efeito, e em primeiro lugar, no presente caso coloca-se a questão de saber se o remanescente da taxa de justiça - componente de uma taxa que apenas foi criada, no que toca à jurisdição administrativa, em 2012 - poderá aplicar-se a processos iniciados antes da sua implementação e em que termos.

C. Ora, devido ao elevado número de processos pendentes na jurisdição administrativa, com data de início anterior a 2012 (sobretudo em acções de responsabilidade civil da Administração), é evidente que as questões colocadas transcendem o caso concreto, e a resposta às mesmas, por parte do mais alto órgão da jurisdição administrativa, será claramente relevante para orientar e guiar as decisões que venham a ser adoptadas pelos tribunais administrativos e pelos tribunais centrais administrativos.

D. Em segundo lugar, as questões decidendas revestem, por si só, manifesta relevância jurídica e também social.

E. Com efeito, as questões a apreciar revestem-se de uma importância fundamental, visto que se prendem com a única taxa cobrada pelo Estado aos particulares para se ressarcir pela administração da justiça, podendo a mesma ter um impacto relevante na forma como os cidadãos escolhem aceder à justiça, podendo inclusivamente impactar com o direito constitucionalmente garantido a uma tutela jurisdicional efectiva.

F. Deste modo, clarificar as questões supra referidas, torna-se essencial, de um ponto de vista jurídico e social, quanto mais não seja para se formar caso julgado no Supremo Tribunal Administrativo, e assim garantir alguma previsibilidade e segurança para os particulares no que toca (i) à aplicação da lei (que regula esta matéria) no tempo, (ii) à aplicação da dispensa e redução do valor a pagar, conforme previsto no n.° 7 do artigo 6.° do RCP e, em última instância (íii) aos valores que os cidadãos poderão ter que pagar a final, após trânsito em julgado das decisões judiciais.

G. Em terceiro e último lugar, a admissão do presente recurso é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

H. É que, no que toca à taxa de justiça referente à Primeira e à Segunda Instâncias, o Tribunal a quo aplicou (erroneamente) o n.° 7 do artigo 6.° e as Tabelas l-A e l-B do RCP, na redacção conferida pela Lei 7/2012, quando na verdade, por força das normas transitórias previstas nos n.ºs 2 e 3 do artigo 8.° da Lei 7/2012, aquelas disposições pura e simplesmente não seriam aplicáveis.

I. Termos em que, por se encontrarem verificados os pressupostos previstos no n.° 1 do artigo 150.° do CPTA, deve ser admitido o presente recurso de revista.

DA (ERRÓNEA) NÃO APLICAÇÃO DAS NORMAS TRANSITÓRIAS PREVISTAS NA LEI 7/2012

J. Nos presentes autos, o Tribunal a quo aplicou a redacção actual do RCP, especificamente os n.ºs 1, 2 e 7 do artigo 6.º e a Tabela I, para a determinar o valor a pagar pela Recorrente relativamente ao remanescente da taxa de justiça.

K. Sem prejuízo, como se demonstrou supra nos parágrafos 99 a 138 das alegações, a verdade é que a redação do RCP dada pela Lei 7/2012 não é pura e simplesmente aplicável à taxa de justiça devida pela Recorrente em relação à Primeira e Segunda Instâncias

L. Com efeito, resulta dos nºs 2 e 3 do artigo 8.º da Lei 7/2012 que todos os montantes cuja constituição de obrigação de pagamento ocorra antes da entrada em vigor da Lei n.º 7/2012 (i.e. antes de 29 de março de 2012) não são calculados nos termos do RCP com a redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 7/2012, mas sim de acordo com regime aplicável ao pagamento da taxa de justiça que se encontrava em vigor na data da constituição da obrigação.

M. Ora, como se demonstrou, o momento da constituição da obrigação de pagamento da taxa de justiça ocorre com o impulso processual da parte (cfr. n.° 1 do artigo 6.° do RCP).

N. Assim, em relação à Primeira Instância, uma vez que o impulso processual da Recorrente se deu através da proposição da acção administrativa comum em janeiro de 2005, é evidente que o montante devido a título de taxa de justiça deveria ser calculado nos termos dos artigos 13.º e 73.º-B, bem como a Tabela I, do CCJ, não ultrapassando esta EUR 2.136.00.

O. Em relação à Segunda Instância, uma vez que o impulso processual da Recorrente se deu através da submissão das contra-alegações de recurso de apelação, a 8 de outubro de 2010, é evidente que o montante devido a título de taxa de justiça deveria ser calculado nos termos do n.º 2 do artigo 6.º e da Tabela l-B do RCP, mas na redacção dada pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril.

P. Ora, nesta redacção do RCP, não se previa o pagamento do remanescente da taxa de justiça, apenas dispondo a Tabela l-B que nos recursos, especificamente nos processos de valor superior a EUR 600.000,01, seria pago uma taxa de justiça que variaria entre as 10 e as 20 UCs (EUR 1.020.00 e os EUR 2.040,00).

Q. Neste sentido e pelo exposto, torna-se evidente que, em relação à Primeira Instância, o Tribunal a quo procedeu a uma errada aplicação do n.º 7 do artigo 6.° e da Tabela l-A do RCP, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 7/2012, em violação do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 8.º da Lei n.º 7/2012; termos em que, por se basear numa errónea aplicação daquelas disposições, deve ser revogado o Acórdão Recorrido, devendo a Recorrente ser declarada isenta do pagamento do remanescente da taxa de justiça em relação à Primeira Instância (por não ser aquele aplicável),

R. De igual modo e pelo exposto, torna-se evidente que, em relação à Segunda Instância, o Tribunal a quo procedeu, igualmente, a uma errada aplicação do n.º 7 do artigo 6.º e da Tabela l-B do RCP, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 7/2012, em violação do disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 8.° da Lei n.º 7/2012; termos em que, por se basear numa errónea aplicação daquelas disposições, deve ser revogado o Acórdão Recorrido, devendo a Recorrente ser declarada isenta do pagamento do remanescente da taxa de justiça, em relação à Segunda Instância (por não ser aquele aplicável).

DA INCONSTITUCIONALIDADE POR VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA SEGURANÇA JURÍDICA, DA PROTEÇÃO DA CONFIANÇA, DA IGUALDADE, DA PROPORCIONALIDADE, DA PROIBIÇÃO DO EXCESSO E DO ACESSO AOS TRIBUNAIS

S. O Tribunal a quo, no seu Acórdão de 31 de Janeiro de 2020, confirmou e adoptou um critério normativo inconstitucional que decorre da interpretação do n.º 7 do artigo 7° do RCP no sentido de não ser de dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça quando à irrepreensível conduta processual das partes e a uma complexidade da causa que não se afasta do que é comum em processos do mesmo género, se associa um aumento do valor de taxa de justiça a suportar, por alteração legislativa, a que as partes ficaram sujeitas por uma delonga do processo que não lhes é imputável.

T. A verificação cumulativa destes três factores evidencia a adopção de um critério normativo que afronta de forma intolerável, arbitrária e opressiva - nas palavras do Tribunal a quo - os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança, ínsitos no princípio de Estado de Direito Democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição,

U. Ao mesmo tempo, o montante da taxa de justiça aplicado pelo Tribunal a quo não é "proporcional” aos meios judiciais utilizados para a resolução do caso.

V. O referido critério normativo redunda, assim, na interpretação desconforme com a Constituição do n.º 7 do artigo 6.º do RCP e ofende os seguintes parâmetros constitucionais:

i. Princípio da segurança jurídica e da protecção da confiança, ínsito no princípio de Estado de Direito Democrático consagrado no artigo 2.º da CRP;

ii. Princípio da igualdade, decorrente do artigo 13.º da CRP;

iii. Princípio da proporcionalidade e da proibição do excesso, contidos no artigo 18.º, n.º 2 da CRP;

iv. Direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da CRP.

DA INCONSTITUCIONALIDADE POR APLICAÇÃO RETROACTIVA DO RCP NA REDAÇÃO DADA PELA LEI 7/2012

W. Caso se entenda que o artigo 6.° e as Tabelas l-A e l-B do RCP, na redacção dada pela Lei 7/2012, seriam aplicáveis aos impulsos processuais da Recorrente na Primeira e Segunda Instâncias - o que não se admite e apenas à cautela se equaciona sempre resultaria, esse entendimento, na adopção de um critério normativo inconstitucional, por violação dos princípios da protecção da confiança, da segurança jurídica e da proporcionalidade, ínsitos no princípio do Estado de Direito Democrático.

X. Com efeito, como se demonstrou supra, apesar de as taxas não se não se encontram abrangidas pelo artigo 103.º da Constituição, que consagra o princípio da proibição da

A. retroactividade da lei fiscal, continuam a estar sujeitas aos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança.

Y. Ora, quando a Recorrente apresentou a sua petição inicial e as contra-alegações de recurso de apelação, ao abrigo do regime jurídico então vigente, esta apenas teria que pagar, no máximo, o montante de EUR 4.176,00 a título de taxas de justiça...

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