Acórdão nº 02179/22.1BELSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 25-01-2024

Data de Julgamento25 Janeiro 2024
Ano2024
Número Acordão02179/22.1BELSB
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (1 SECÇÃO)
ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO

1. RELATÓRIO:
A..., S.A, devidamente identificada nos autos, intentou junto do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa – Juízo de Contratos Públicos (TAC) acção administrativa pré-contratual contra o MINISTÉRIO DA DEFESA NACIONAL – FORÇA AÉREA – GABINETE COORDENADOR DE MISSÃO NO ÂMBITO DOS INCÊNDIOS RURAIS, doravante MDN, indicando como contra–interessada B... MISSION CRITICAL SERVICES PORTUGAL, UNIPESSOAL, LDA., pedindo:
a) A suspensão de todos os atos procedimentais relativos à celebração do contrato;
Bem como,
b) A condenação da Ré na anulação do ato administrativo de adjudicação, em virtude da omissão de pedido de solicitação de esclarecimentos sobre o preço anormalmente baixo da proposta da Adjudicatária;
c) A anulação do ato de adjudicação do contrato, em virtude de a Adjudicatária ter violado o disposto na alínea d) do nº 2 do artigo 146º do CCP, caso a Adjudicatária e Contrainteressada B... não logre provar que à data de apresentação da proposta estava certificada para efetuar todos os serviços a que se propôs;
d) Seja ainda o ato de adjudicação anulado com fundamento em prestação de falsas declarações, nos termos da alínea m) do nº 2 do artigo 146 CCP, na hipótese de a adjudicatária não lograr demonstrar que à data de apresentação da proposta, da declaração de vinculação ao Caderno de Encargos e do DEUCP não se encontrava certificada e habilitada a prestar os serviços com os quais se comprometeu e que declarou poder efetuar sem depender de terceiro;
e) Em todo o caso, e em consequência dos pedidos supra, requer-se a reordenação da classificação dos candidatos, devendo a ora Autora figurar como Adjudicatária, em lugar da Contrainteressada B....”
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O TAC por decisão datada de 07 de Novembro de 2022, julgou totalmente improcedente a presente acção e, em consequência, absolveu o R. dos pedidos.
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Inconformada, a A. interpôs recurso jurisdicional apelando para o TCA Sul tendo este, por acórdão proferido a 29.06.2023, atribuído efeito devolutivo ao presente recurso, e, negado provimento ao recurso e confirmado a sentença recorrida.
No acórdão de sustentação das nulidades, proferido em 13.09.2023, reitera-se a atribuição do efeito devolutivo ao recurso.
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É desta decisão que a A. inconformada, vêm interpor a presente revista, apresentando para o efeito as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
«1. O presente recurso de revista apresenta complexidade jurídica na medida em convoca regras e princípios de direito da contratação pública consagrados a nível supranacional, bem como a sua articulação com as regras e princípios consagrados no ordenamento português;
2. A Recorrente suscita, de forma sumária as seguintes questões perante o Douto Supremo Tribunal Administrativo:
a. Se um concorrente, no momento de apresentação de proposta, em sede de concurso público internacional com publicação no JOUE, tem que cumprir com requisitos técnicos mínimos, de habilitação legal ao exercício de uma atividade, ao cumprimento do contrato, ainda que o momento procedimental de comprovação desses requisitos seja em sede de habilitação?
b. Será irrelevante, do ponto de vista jurídico, a declaração de que um concorrente possui capacidade técnica e certificação legal para execução do contrato, bem como a declaração de vinculação ao Caderno de Encargos e ao seu cumprimento, do qual constam obrigações contratuais que carecem de validação técnica por parte de entidades certificadoras terceiras, quando tais afirmações são falsas nesse momento do procedimento?
c. Para efeitos de Direito da Contratação Pública é indiferente a prestação de falsas declarações por parte de um concorrente desde que comprove que em momento posterior demonstre que já reúne capacitação técnica para cumprimento do contrato?
3. Estas questões revestem a maior importância social porquanto significam uma maior clarificação sobre um procedimento que, acima de tudo, se quer justo, transparente e no qual é promovida a concorrência leal entre operadores privados com as consequentes vantagens;
4. Acresce que o tema da contratação pública é atualmente alvo de escrutínio por parte da sociedade civil, tanto a nível de gastos financeiros, como a nível de execução contratual, como ainda a nível de transparência do procedimento de contratação para escolha do adjudicatário;
5. A tese propugnada pelas instâncias que se pronunciaram ignora a ratio das regras de direito comunitário, apontando para uma solução que fere o sentimento jurídico da comunidade e, até, o bom senso mediante o uso de argumentação formal como o momento de apresentação de determinado documento, pelo que se impõe uma clarificação relativamente a uma questão que convoca a articulação regras e princípios nacionais comunitários e que pode ser abstratamente aplicável a um largos espectro de casos semelhantes, sendo assim de elevada relevância jurídica;
6. O contrato levado a concurso e objeto dos presentes autos respeita à operação de aeronaves do Estado para combate a incêndios rurais, apresentando o mesmo elevada complexidade técnica, sendo, em grande medida, composto por prestações que carecem de certificação por parte de entidade terceira;
7. Pelo que, dada a importância do objeto do contrato, e a semelhança com outros contratos mais técnicos, e que requerem certificação aos operadores para sua execução das prestações contratuais, urge apresentar uma derradeira resposta às questões suscitadas pela Recorrente, podendo tal significar menos litigiosidade quanto a esta matéria e, por conseguinte, a plena satisfação de interesses públicos do Estado (no presente caso da máxima importância) sem quaisquer atrasos ou delongas causadas por qualquer processo judicial;
8. A questão colocada pela Recorrente suscita-se em virtude de, tanto o Tribunal de 1ª instância como o Tribunal Central Administrativo Sul terem perfilhado o entendimento de que tratando-se o certificado de operação de aeronaves de um determinado modelo, neste caso AS 350 B3, de um documento exigido em sede de habilitação é irrelevante que a Contrainteressada tenha falsamente afirmado em sede de DEUCP que possui capacidade técnica para executar o contrato sem auxilio de qualquer outra entidade, e que, se tenha vinculado a um Caderno de Encargos, vinculação essa necessária à apreciação da proposta e sua não exclusão, que estabelece um conjunto de obrigações contratuais que dependem da existência de uma certificação técnica emitida por entidade terceira;
9. No âmbito do Direito da Contratação Pública, através da Diretiva 2014/24/EU o DEUCP é entendido como uma comprovação preliminar;
10. O concurso objeto dos presentes autos, exigia a vinculação ao Caderno de Encargos através de entrega da declaração Anexo I ao programa de concurso.
11. Sendo a ratio do DEUCP e da declaração de vinculação ao Caderno de Encargos a de comprovação preliminar, antes da apreciação de qualquer proposta, é imperativa a resposta com verdade independentemente do que venha eventualmente a ser solicitado em sede de habilitação;
12. Uma interpretação diferente traduz-se na afirmação da fase de habilitação, não como um momento de comprovação de idoneidade técnica, pessoal, ou jurídica, mas antes um verdadeiro momento constitutivo dessa mesma idoneidade, o que, por sua vez, significa a criação de um risco de incumprimento dos requisitos de habilitação e na avaliação de uma proposta inútil, caso se venha a verificar caducidade de adjudicação por parte de concorrente que incumpriu com a entrega dos documentos de habilitação.
13. Uma leitura formalista da legislação europeia e nacional no sentido da irrelevância de quaisquer declarações prestadas em sede de DEUCP, de vinculação ao Caderno de Encargos em fase de apresentação de proposta desde que em sede de habilitação se venha a verificar que as declarações se tornaram supervenientemente verdadeiras é incitar e promover uma cultura de irresponsabilidade por parte dos concorrentes para que se apresentem a concurso sem quaisquer habilitações técnicas para entretanto as arranjarem;
14. Esta tese é totalmente contrária ao que tem vindo a ser defendido tanto pela doutrina como pela jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo;
15. A Contrainteressada obteve, efetivamente, uma vantagem ilegítima com a prestação de falsas declarações (ao vincular-se ao cumprimento de um contrato para o qual não tem habilitações e referir no DEUCP que não depende de ninguém para o cumprir) pois jamais teria podido chegar à fase de habilitação e afirmar que, a essa data, já dispunha das certificações necessária à execução do contrato se não tivesse faltado à verdade;
16. Isto porque à data de apresentação da proposta a Contrainteressada não possuía as certificações necessárias ao legal exercício da atividade que se estava a obrigar a exercer, motivo pelo qual, ao responder com verdade estaria a provocar a sua exclusão.
17. Em lugar paralelo, o artigo 72.º nº 3 alínea a) não permite que sejam entregues a posteriori documentos a comprovar factos e qualidades com data anterior à da proposta, razão pela qual não pode em sede de habilitação comprovar-se uma qualidade ou habilitação que se afirmou possuir em fase de apresentação de propostas, proposta essa que teria sido excluída sem entrega de declaração de vinculação ao Caderno de Encargos.
18. O que bem se compreende, pois, tal fere o princípio da igualdade e leal concorrência;
19. Assim cabe perguntar qual o papel do DEUCP e declaração de Anexo I se são tidas como irrelevantes tanto pelo Tribunal de 1ª instância como pelo Tribunal Central Administrativo Sul.
20. Deste modo, suscita-se uma questão fundamental e de relevo social e jurídico de total desprezo da fase de exame preliminar dos concorrentes, imposta pela legislação europeia, pela legislação nacional e pela lógica do próprio sistema jurídico...

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