Acórdão nº 0217/20.1BELLE de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 2022-06-08

Data de Julgamento08 Junho 2022
Ano2022
Número Acordão0217/20.1BELLE
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (2 SECÇÃO)
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. RELATÓRIO

A Excelentíssima Representante da Fazenda Pública, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, datada de 10-06-2021, que julgou procedente a pretensão deduzida por “A…….. - Associação Desportiva” no presente processo de IMPUGNAÇÃO relacionado com os actos de liquidação de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e juros compensatórios (JC), no montante total de € 132.938,33 e de € 140.698.54, referentes aos anos 2016 e 2017, respectivamente.

Formulou nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“ (…)

I) Decidiu o Meritíssimo Juiz “a quo” pela procedência dos autos de Impugnação, anulando a referida liquidação por considerar que: “A Impugnante, enquanto Associação de direito privado sem fins lucrativos, ao organizar competições desportivas, de caracter amador, relacionadas com a columbofilia, não se pode, num juízo de verosimilhança, considerar no exercício de uma actividade de prestação de serviços, vocacionada para a obtenção de lucros, bem como tal não se presume nem deriva dos concorrentes que apresentam os pombos a competição nas provas [amadoras e desportivas, saliente-se], por aquela organizadas. Nem, em rigor, se entende como o pagamento de “prémios” num concurso aberto a uma multiplicidade de concorrentes se pode considerar uma actividade de natureza comercial ou empresarial.”;

II) Salvo melhor e douta opinião, não pode a FP concordar com tal conclusão;

III) Socorrendo-nos dos ensinamentos de J.L. Saldanha Sanches segundo os quais “A teoria do rendimento-acréscimo patrimonial abrange, na sua formulação mais ampla, todo e qualquer ganho obtido num certo período de tempo, independentemente da forma pela qual se tenha verificado. (…) O Código acolhe assim, uma concepção mais ampla de rendimento e abandona os requisitos formais que acompanham a tributação cedular”.

IV) Nestes termos, a categoria B de IRS abrange rendimentos provenientes de uma enorme diversidade de prestações de serviços…

V) … que, para efeitos das actividades previstas no art.º 151º do CIRS, inclui os desportistas;

VI) Sendo possível, até, verificar-se um acto isolado com rendimento proveniente de uma única prática desportiva;

VII) A previsão da incidência alargada da categoria B de IRS e as características abundantemente descritas no RIT da proveniência dos rendimentos em causa nos presentes autos, afastam a possibilidade de tributação de tais “prémios” em sede de Imposto de Selo e levam ao seu enquadramento na norma de incidência real prevista no art.º 3º n.º 1 alínea b) do CIRS;

VIII) Com efeito, na Tabela Geral de Imposto de Selo encontram-se taxativamente enumerados os actos, factos e situações jurídicas sujeitos a IS;

IX) A verba 11.2 prevê, entre outros, prémios de quaisquer sorteios ou concursos;

X) O art.º 159º n.º 1 da Lei do Jogo, aprovada pelo DL 422/89 e sucessivas alterações, enuncia os jogos de fortuna ou azar como aqueles cujo resultado assenta exclusiva ou fundamentalmente na sorte;

XI) Os concursos organizados pela Impugnante não correspondem a essa característica por resultarem da prévia preparação e treino dos pombos com vista à obtenção de classificação no designado derby, não da pura sorte dos participantes;

XII) Assim, não se encontram sujeitos à previsão da verba 11.2.2 da TGIS os rendimentos descritos no Relatório da Inspecção Tributária (RIT) que aqui damos por transcrito mas antes à tributação em IRS nos termos ali devidamente fundamentados;

XIII) Ao decidir pela procedência do pedido, incorreu o Mmº Juiz a quo em erro de julgamento, violando a douta sentença recorrida o disposto nos art.ºs 3º n.º 1, b) e o art.º 71º nº 5 ambos do CIRS.

Pelo exposto e com mui douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogada a sentença recorrida e julgado a Impugnação improcedente como é de inteira JUSTIÇA.”

A Recorrida “A……… - Associação Desportiva” não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Cumpre decidir.




2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a matéria apontada nos autos resume-se, em suma, em apreciar a bondade da posição da AT quando aponta que, em função da prestação desportiva dos pombos-correio em competições ou concursos columbófilos, o prémio que os seus criadores possam auferir tem enquadramento na categoria B do IRS nos termos do art. 3º nº 1 al. b) do Código do IRS.


3. FUNDAMENTOS

3.1. DE FACTO

Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:

“…

1. A Impugnante é uma Associação de direito privado sem fins lucrativos que organiza e desenvolve a prática de actividades desportivas e culturais no âmbito da prática da columbofilia – não controvertido;

2. A Impugnante foi sujeita a procedimento inspectivo, aos exercícios dos anos 2016 e 2017, realizado pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Faro ao abrigo da ordem de serviço n.º OI20180001 – cfr. documento n.º 3 junto com a petição inicial;

3. Em 25 de Novembro de 2019, foi elaborado, no âmbito do supra referido procedimento inspectivo, relatório de inspecção tributária (RIT), pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Faro, do qual se extrai, designadamente, o seguinte excerto:

[IMAGEM]

(…)

[IMAGEM]

- cfr. documento n.º 3 junto com a petição inicial;
4. Em 9 de Dezembro de 2019, foi emitida em nome da Impugnante a liquidação de retenções na fonte de IR n.º 2019 641000840, no valor de € 118.683,33, acrescida de juros compensatórios no valor de € 14.255,00, referente ao ano 2016, no valor total a pagar de € 132.938,33 – cfr. documento n.º 1 junto com a petição inicial;
5. Em 9 de Dezembro de 2019, foi emitida em nome da Impugnante a liquidação de retenções na fonte de IR n.º 2019 641000842, no valor de € 130.250,00, acrescida de juros...

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