Acórdão nº 0212/14.0BALSB 0212/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 2024-01-25

Data de Julgamento25 Janeiro 2024
Ano2024
Número Acordão0212/14.0BALSB 0212/14
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (1 SECÇÃO)
AA e BB, casados entre si e com os sinais nos autos, inconformados com a sentença proferida em 08.05.2013 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente a acção de responsabilidade civil extracontratual interposta contra a Câmara Municipal de Amarante e a Junta de Freguesia de Aboadela, dela vêm interpor recurso ao abrigo dos artºs. 102º a 108º LPTA, concluindo como segue:
1. Do elenco dos factos provados não resultou provado qual a data da realização das primeiras obras, tendo ficado apenas provado que da sua execução resultou um novo piso o qual ficou com 25cm acima do nível das soleiras das portas do rés-do-chão.

2. Não ficou provado, igualmente, que tais obras tivessem decorrido ainda antes dos Apelantes serem proprietários do referido imóvel, tendo ficado apenas provado que em 1978 era proprietário do prédio, um tio da Autora. (Ponto Y dos factos provados)

3. Não se sabendo se as obras foram realizadas nesse ano, ou seja, no ano em que a titularidade do prédio pertencia a terceiros e não aos Apelantes, esse facto é inócuo para o fim pretendido.

4. Mesmo que por hipótese académica se considerasse que à data da realização das obras o prédio ainda não pertencia aos Apelantes, nem por isso, estes estavam impedidos de fazer valer os seus direitos (enquanto actuais proprietários plenos) perante terceiros por danos nele provocados, pois ao adquirirem o imóvel não ficaram limitados na sua utilização, nem tão pouco sobre o mesmo foi imposta qualquer restrição, a qual só poderia ocorrer por lei ordinária e quando a constituição o permita (cf. art.º 18º nº 2 da CRP)

5. O artigo 1305º do Código Civil fixa o conteúdo do direito de propriedade, dizendo que “o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com a observância das restrições por elas impostas". O direito de propriedade confere assim ao proprietário, dentro dos limites da lei e de modo pleno e exclusivo, o chamado «jus utendi, fruendi e abutendi». Esses poderes não se limitam senão através de restrições que a lei concreta e taxativamente impõe (artº 1306º do Código Civil)

6. Independentemente de se ter transmitido a propriedade do imóvel o certo é que o acto lesivo da mesma propriedade se mantém, a propriedade está afectada e o titular daquele direito (qualquer que ele seja - anterior ou actual) igualmente está impedido de usufruir em toda a sua plenitude aquele direito fundamental, daí poder exigir, como nos presentes autos, indemnização pelo acto lesivo.

7. Só podem ser tema da prova e da decisão da matéria de facto os factos jurídicos invocados pelas partes nas suas peças processuais, sob pena de violação do princípio do dispositivo e do contraditório (arts 264º e 265º do C.P.Civil), os quais, pela sua importância, têm protecção constitucional (artº 202º nºs 1 e 4, da C.R.P.).

8. Na motivação da decisão, o Mmo Juiz a quo, invocou outros factos que não os que, especificamente, constam do elenco dos “Factos Provados", ou sequer “assentes”, nomeadamente, quando se refere à realização das primeiras obras em 1978 ou 1986 e que nessa altura os Apelantes não eram donos do prédio, ou quando se refere à realização das obras de 2002 a 2005, se o que se discute nos autos são as obras de 2001.

9. Tais factos não foram nem provados, nem alegados por nenhuma das partes processuais, como lhes incumbia, pelo que o Julgador a quo violou o princípio do dispositivo, dado que cabe às partes a iniciativa da “delimitação dos termos do litígio, mediante a enunciação dos fundamentos e da formulação das respectivas pretensões e a eleição dos meios de defesa", não se verificando em concreto qualquer evidência que possibilitasse ao Julgador deixar de fundar a sua decisão nos factos alegados pelas partes.

10. Não se pode concluir, como acabou por concluiu o Julgador a quo, que as obras que deram azo a que a entrada de uma das lojas do prédio ficasse desnivelada em relação à rua, decorreram no período de 1978 ou de 1986, numa altura em que os Apelantes ainda não eram proprietários do prédio, e que as obras de 2005, nenhum prejuízo lhes causaram, quando essas obras nem sequer foram objecto da acção judicial.

11. A sentença é, igualmente, nula por excesso de pronúncia (art.º 668 n.º 1 alínea d), do CPC, ex vi 1.º CPTA), uma vez que o Mmo, Juiz do Tribunal a quo pronunciou-se acerca de factos de que não estava habilitado a conhecer, porque não lhe tinham sido apresentados pelas partes para a sua competente apreciação, encontrando-se aquele obrigado a ocupar-se apenas e tão só das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras.

12. Não tendo sido invocada a prescrição em relação às obras primeiramente realizadas pelas RR., e porque o seu conhecimento não é oficioso, vedado estava ao Mmo. Juiz do Tribunal a quo para sobre ela se pronunciar, como efectivamente se pronunciou.

13. Reportando-nos aos factos provados, verificamos que nada consta relativamente à data da realização das primeiras obras, pelo que, mais uma vez o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo extravasou o seu poder, conhecendo o que não podia, e fundamentando a sentença no que processualmente não existe.

14. Os Apelantes consideram incorrectamente julgados vários pontos da matéria de facto, designadamente os artºs 4º, 5º, 8º, 9º, 12º, 14º a 18º e 22º, 37º e 45º da base instrutória e que se mostram relevantes para a decisão da causa.

15. O Meritíssimo Juiz da 1ª instância considerou conclusiva a matéria vertida no artigo 4º e deu como não provada a factualidade vertida no artigo 5º, contudo o termo prejudicar (referido no artigo 4.º), salvo o devido respeito, encerra em si mesmo (e para o homem médio/comum) uma generalizada significação de linguagem corrente, isto é, esse termo expressa um significado médio em consequência da experiência comum sobre os conteúdos referidos com a sua utilização.

16. Acaso o Mmo Juiz do Tribunal a quo considerasse o termo “prejudicar” conclusivo podia e devia convidar os AA., ora apelantes, nos termos do preceituado no artº 508 do CPC, a concretizar em que medida se consideravam prejudicados, tornando assim mais clara a exposição factual que considerasse ambígua, inexacta ou genérica feita no articulado inicialmente produzido.

17. Uma atenta, cuidada e ponderada análise aos depoimentos prestados em sede de julgamento, impõe que tais factos (artigos 4.º e 5.º) sejam dados como provados, ao invés do decidido, como se passa a demonstrar:

18. O Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo considerou como não provado a dificuldade de acesso directo às divisões do rés-do-chão, bem como, a entrada - por diversas vezes - das águas pluviais nos referidos compartimentos, o que provocou danos os quais haviam sido reclamados pelos AA., tendo para tal e no essencial, fundamentado essa resposta de não provado no facto de “não ter sido prestado nenhum depoimento que em concreto tivesse presenciado e relatado a entrada de água no período após a colocação de paralelepípedo até ao actual pavimento, assim como não existe qualquer depoimento ou documento em que os Autores reclamem sobre este assunto."

19. Diversamente do decidido veja-se a propósito a reclamação constante de fls. 20 dos autos onde claramente se informa que: “... em 27.08.2001 ocorreu uma trovoada, cujas águas inundaram totalmente o rés-do-chão do prédio em causa.”

• “Esta situação causou danos na adega e demais vasilhame, bem como também na estrutura do prédio

• “Aproximando-se a época das chuvas, é provável que esta situação se venha a repetir com os consequentes danos, cujos custos serão imputados a essa autarquia

20. O que é corroborado pelas fotografias de fls. 545 e 546 e pelas testemunhas dos autores, a irmã da autora CC (depoimento gravado no programa, Cícero Plus, entre as "00h35,20" e as 01h15,33 do CD) e o filho DD (depoimento gravado no programa Cícero Plus, entre as 01h16,14 e as 02h12,06 do CD) - audiência realizada a 28.05.2012-.

21. Dos depoimentos prestados em audiência, resulta que estas testemunhas, mormente a testemunha DD, não só presenciou a inundação, os seus efeitos, e que ajudou na tarefa de limpeza, pelo que foram absolutamente inequívocas e peremptórias a confirmar os factos alegados pelos AA e constantes dos quesitos 4.º e 5.º

22. Constata-se assim que os concretos meios probatórios, a carta de fls. 20, as fotografias de fls. 545 e 546 e os depoimentos referidos constante da gravação realizada no processo, impunham decisão diversa daquela que foi dada aos quesitos 4.º e 5.º da Base Instrutória, pelo que, em consequência e de acordo com o disposto nos artigos 679º-A e 712º nº 1 alínea a) do C.P.C. devem ser alteradas as respostas dadas aos quesitos 4.º e 5.º da Base Instrutória para a seguinte: PROVADOS.

23. No que se refere à matéria dos quesitos 8º e 9º o Meritíssimo Juiz da 1.ª Instância deu a seguinte resposta a tais quesitos: Não provados "... Em face da prova produzida, não é possível concluir qual o valor métrico em concreto, por ausência de elementos de facto para o efeito..."

24. Para prova destes factos os A A. requereram, por diversas vezes, veja-se a título de exemplo os requerimentos datados de 17.06.2008, os de fls. 556, 557, 607 e 608 para que a R. CMA juntasse aos autos o levantamento topográfico inicial (que possuía com as metragens anteriores a qualquer uma das intervenções que efectuou), a qual sempre se escusou, o que praticamente inviabilizou, ou pelo menos tirou grande efeito prático à perícia realizada

25. Tal recusa pode e deve determinar a inversão do ónus da prova, porquanto tal recusa impossibilitou a prova cabal do facto a provar, a cargo dos AA., por não ser possível consegui-la com outros meios de prova, uma vez que no entendimento do Mmº Juiz do Tribunal a quo os demais elementos não bastaram para tanto.

26. Sem...

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