Acórdão nº 02113/08.1BEPRT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 11-01-2023

Data de Julgamento11 Janeiro 2023
Ano2023
Número Acordão02113/08.1BEPRT
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (2 SECÇÃO)
Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório –

1 – S... – SERVIÇOS DE COMUNICAÇÕES, S.A., com os sinais dos autos, vem, ao abrigo do disposto no artigo 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) interpor para este Supremo Tribunal recurso de revista do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 17 de janeiro de 2022, que concedeu parcial provimento ao recurso por si interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgara parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida de liquidação adicional de IRC e respetivos juros compensatórios relativos ao exercício de 2005, alegando que está em causa a apreciação de questões que, pela sua relevância jurídica e social, se revestem de importância fundamental, e porque, em qualquer caso, a admissão do recurso é claramente necessária para uma melhor aplicação do Direito.

A recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

A. Nos termos do n.º 1 do artigo 285.º do CPPT, sob a epígrafe “Recurso de revista”, “[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.”.

B. Em complemento e em concretização do que enunciam as normas acima citadas, dispõe o n.º 2, do mesmo preceito, que “[a] revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual”.

C. A presente revista incide, em termos sumários, sobre a apreciação da seguinte questão jurídico-processual: Deve o Tribunal Central Administrativo admitir a junção de documentos ao processo, no caso em que a junção dos mesmos apenas se torna necessária para a prova de um facto em virtude da decisão proferida em primeira instância?

D. A questão processual aqui presente é simples de compreender, mas complexa de se resolver. Ora, em primeiro lugar deve dizer-se que estamos perante um facto que resulta, em primeira análise, das demonstrações financeiras da Recorrente (reversão de uma amortização), não só apresentadas à AT na inspecção, como públicas e de acesso livre ao público em geral, e dos respectivos mapas de reintegrações e amortizações também disponibilizados à AT na inspecção, documentos que já integravam o Dossier fiscal da Recorrente nos termos exigidos pela legislação fiscal.

E. Chegados ao Tribunal de primeira instância, este voltou atrás com o tratamento jurídico-probatório a dar ao facto, tendo considerado o mesmo como “não provado” para efeitos da sua decisão. E mais, decidiu ainda que a sua prova só poderia ser feita través de um documento específico, que não tinha sido referido em momento algum do processo. A prova deste facto, no momento da prolação da sentença de primeira instância, passa a ser necessária, e teria de ser feita especificamente através de um documento decidido pelo Tribunal.

F. Naturalmente, cumprindo esse inovador ónus que fora imposto pela sentença de primeira instância, a Recorrente veio ao processo juntar os referidos documentos, que não foram admitidos pelo TCA Norte, mantendo o facto como “não provado” para efeitos processuais. A questão agora em revista neste Supremo Tribunal Administrativo tratará da determinação do regime probatório aplicado a este facto, na apreciação feita pelo TCA. Devia este ter admitido a junção de documentos ao processo, no caso em que a junção dos mesmos apenas se torna necessária para a prova de um facto em virtude da decisão proferida em primeira instância?

G. À luz do que vem dito, é inequívoca a relevância jurídica da apreciação em sede de recurso de revista da questão inerente à admissão ou não de documentação para a prova dos factos em segunda instância, nesta circunstância concreta.

H. Desde logo, é de se clarificar o tipo de prova que pode ser admitida para factos contidos em documentos contabilísticos, e, perante o princípio da livre apreciação da prova segundo a convicção do julgador – que vigora no processo tributário em virtude dos artigos 114.º e seguintes do CPPT e artigo 607.º, n.º 5 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicável ex vi do artigo 2.º, al. e) do CPPT –, quais os limites no processo de impugnação à exigência de documentos concretos, como foi feita à Recorrente.

I. Compreendidas as regras gerais e os princípios processuais aplicáveis, atente-se no artigo 423.º, n.º 3 do CPC: “Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento” que consagra ainda uma importante possibilidade de apresentação de documentos “cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.”

J. É precisamente aqui que nos situamos. Esta norma encontra-se consagrada precisamente porque esta situação não é incomum, nomeadamente, situações como a do caso dos autos, em que os tribunais de primeira instância agravam (ou criam) um ónus de apresentação de documentação, ou outro tipo de prova adicional para os impugnantes, sem lhes dar a possibilidade de cumprir esse inovador ónus.

K. Resulta clara e inequívoca a importância fundamental da análise desta questão em sede de revista, mormente em face da sua inquestionável relevância jurídica. Trata-se de uma ponderação entre os princípios basilares do processo tributário, como o inquisitório e o dispositivo, bem como uma verdadeira análise da função dos tribunais de primeira e de segunda instância, enquadrada nas normas processuais civis aplicáveis, subsidiariamente, à realidade processual tributária.

L. É incontornável que esta é uma questão de complexidade jurídica superior ao comum em razão da dificuldade das operações exegéticas que cumpra efetuar, no contexto de um enquadramento normativo particularmente complexo e em que há, em concreto, a necessidade de compatibilizar diferentes regimes e princípios potencialmente aplicáveis e se exija ao intérprete e ao julgador complexas operações de natureza lógica e jurídica indispensáveis à resolução das questões suscitadas.

M. Diga-se ainda que, na confluência com a jurisprudência citada, esta é uma questão que extravasa absolutamente os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio, como qualquer questão com esta relevância em termos processuais. Uma vez mais, trata-se de um tema de grande utilidade jurídica da revista já que, certamente, terá uma capacidade de expansão da controvérsia a todos os contribuintes que litigam na jurisdição Administrativa e Fiscal de modo tal que ultrapassa os limites da situação singular e não representa mera relevância teórica ou exercício intelectual, mas antes absoluta relevância prática.

N. Pelo carácter fracturante da interpretação colhida no acórdão objecto de revista, a análise desta questão impõe-se como uma irrenunciável exigência de clarificação, sendo esta, importa dizê-lo, a primeira vez que o STA é chamado a pronunciar-se, nesta sede, sobre tal questão. Também por isso, sempre será de admitir e apreciar a revista pedida.

O. É que a decisão sob revista, a manter-se, é equivalente a uma total restrição da possibilidade de os contribuintes apresentarem prova expressamente requerida pelo tribunal. Ou seja, uma violação grave das regras de prova consagradas em processo civil, aplicáveis ao processo tributário ex vi do artigo 2.º, alínea e) do CPPT.

P. Veja-se, de resto, o exemplo da variada jurisprudência que decide em sentido absolutamente contrário ao que está em causa nos autos, mesmo do Tribunal Central Administrativo Norte.

Q. Pelo peso jurídico da questão, pelo carácter inovador já evidenciado e por haver, salvo melhor opinião, um claro desacerto na interpretação assumida pelo Tribunal a quo quanto à matéria em análise, entendemos que quanto à questão da prova destes factos se exige a admissão da revista “…para uma melhor aplicação do direito…”, impondo-se, assim, a intervenção uniformizadora do STA.

R. Neste contexto, a jurisprudência dos tribunais superiores assinala: “A revista excepcional oferece a vantagem de se obter a uniformização interpretativa mais cedo, com maior economia de meios e com mais eficiência e igualdade na aplicação aos casos individuais do que resultaria do hipotético e futuro recurso para uniformização de jurisprudência” – cfr. acórdão do STA, proferido a 5 de Junho de 2008, no processo 447/08 (disponível em www.dgsi.pt).

S. Também por este motivo, por exigência de congruência do sistema e de tutela das posições de segurança e de garantia, se impõe a revista, para melhor aplicação do direito.

T. A possibilidade de accionar o recurso excepcional de revista depende, ainda, nos termos do n.º 2 do artigo 285.º do CPPT, da verificação de um requisito complementar: a revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou violação de lei processual.

U. O TCA Norte admite que: “em sede de recurso jurisdicional, podem as partes juntar documentos às alegações, nos casos excepcionais a que se refere o citado artº 524°, ou no caso de a junção apenas se tornar necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância - artºs 743°, n° 3, 706°, n°1, ex vi 749°, do CPC.” (cfr. Acórdão do TCA Norte, proferido em 12 de Outubro de 2012 no proc. n.º 00611/12.1BEBRG)

V. Termos em que, o Acórdão Recorrido carece, pois, objectivamente, de REVISTA. Termos em que deve o mesmo ser admitido à revista deste douto Tribunal. Vejamos agora do mérito do presente recurso.

W. Os factos relevantes são a compra de dois activos, denominados de licenças para exploração do sistema IMT 2000/UMTS n.º ICP-04UMTS e ICP-03/UMTS. Estes activos são fundamentais na actividade da Recorrente...

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