Acórdão nº 0206/22.1BEBRG de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 2022-12-07

Data de Julgamento07 Dezembro 2022
Ano2022
Número Acordão0206/22.1BEBRG
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (1 SECÇÃO)
ACORDAM NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO


I. Relatório

1. A……. UNIPESSOAL, LDA. - identificado nos autos – recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do artigo 150.º do CPTA, do Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte (TCAN), de 27 de JULHO de 2022, que negou provimento ao recurso havia interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Braga, de 28 de abril de 2022, que julgou improcedente o presente processo cautelar e, em consequência, não decretou as providências requeridas, em especial a providência de «suspensão de eficácia do acto administrativo que aprovou a proibição do trânsito a pesados de mercadorias na Rua de …../…… entre Figueiredo e Prozelo, da autoria do órgão executivo, comunicado à Requerente em 27/12/2021».

2. Nas suas alegações, a Recorrente formulou, quanto ao mérito do recurso, as seguintes conclusões:

«D) A questão no presente recurso prende-se com a aplicação do princípio do favorecimento do processo ou princípio “pro actione” porque deveria ter sido interpretado o requerimento inicial numa perspetiva anti formalista, como sendo de suspensão do acto administrativo, quer de 13/12/2021, quer de 17/12/2021 (atenta a comunicação do Requerido, datada de 27/12/2021), contrariamente ao decido no acórdão recorrido, o que é revelador da necessária intervenção do Supremo Tribunal Administrativo para dissipar dúvidas sobre se foi devidamente identificado o acto administrativo suspendendo para efeitos da respectiva impugnabilidadade.

E) Encontrando-se preenchido o segundo pressuposto enunciado em epígrafe, conclui-se que o recurso de revista deverá ser admitido, uma vez que é necessário para uma melhor aplicação do direito nos termos do artigo 150.º, n.º 1 do CPTA.

F) O Tribunal a quo entendeu perfeitamente o acto que a Requerente quer ver materialmente suspenso, tanto mais que o artº 3º e 4º do requerimento inicial são claros sobre o pedido material em causa e, a final, o pedido refere-se à notificação que foi emanada pelo Município, em 27/12/2021 (doc. 1 do requerimento inicial).

G) De acordo com princípio do favorecimento do processo ou princípio “pro actione” – se dúvidas existissem, o que não se concebe - devia ter sido interpretado o requerimento inicial numa perspetiva anti formalista, como sendo de suspensão do acto administrativo, quer de 13/12/2021, quer de 17/12/2021 (atenta a comunicação do Requerido, datada de 27/12/2021).

H) No caso dos autos, mais ainda se impunha permitir à Requerente pronunciar-se sobre a alegada exceção de impugnabilidade do acto de 13/12/2021, quando era intenção do Senhor Juiz “a quo” conhecer da invocada exceção. Porém, antes dessa conclusão, quiçá precipitada, haveria que atender ao princípio do favorecimento do processo ou princípio “pro actione”, que constitui uma concretização do princípio constitucional do acesso efectivo à justiça administrativa, que aponta para uma interpretação e aplicação das normas processuais no sentido de favorecer o acesso ao tribunal ou de evitar as situações de denegação de justiça, designadamente por excessivo formalismo - cfr. Vieira de Andrade, “A Justiça Administrativa”, 4ª edição, Almedina, págs. 416 e seguintes.

I) Para cumprir tal desiderato era imperioso que o Senhor Juiz “a quo” tivesse proferido despacho, notificando expressamente a Requerente para responder à matéria da exceção suscitada pelo Requerido, o que não aconteceu.

J) Daí que quer a sentença, quer o acórdão recorrida, in extremis, incorreram em nulidade, por falta de notificação específica da Requerente para responder à exceção de inimpugnabilidade.

K) Impunha-se que o douto Acórdão recorrido, na sequência da fundamentação que faz, conhecesse e se pronunciasse então quanto a todos os elementos objeto do recurso, ou, caso entendesse não estar em condições de fazê-lo por não reunir todos os elementos para o efeito, então sempre deveria ter ordenado a baixa do processo ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga por forma a este conhecer daquela questão não conhecida.

L) Tais poderes do Venerando Tribunal de apelação de conhecer de certas questões não conhecidas pelo Tribunal recorrido no âmbito do mesmo acórdão por si proferido resultam, desde logo, do artigo 149.º do CPTA que assim expressamente o determina e o qual aqui se invoca para os devidos e legais efeitos.

M) Ora, não o tendo feito o douto Acórdão recorrido nos termos que aqui se deixam referidos, há manifesta omissão de pronúncia deste quanto àquela questão sobre a qual não se pronunciou nem apreciou; ou seja, o venerando Tribunal Central Administrativo deixou, assim, de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar e que resulta desde logo tal dever, além do mais, do referido artigo 149.º do CPTA.

N) Tal omissão de pronúncia consubstancia uma nulidade do referido douto Acórdão quanto a esta parte aqui descrita, nulidade essa assim prevista e que aqui se invoca nos termos e para os efeitos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, ex vi artigo 666º do CPC, ex vi artigo 140.º, n.º 3 do CPTA.

O) A decisão que resulta do douto Acórdão recorrido constitui, salvo o devido respeito, uma violação do Estado de Direito e, bem assim, uma violação de preceitos constitucionais tais como o princípio da igualdade, da proporcionalidade, da proteção da confiança e segurança jurídicas (artigo 2.º e 13.º da CRP), do princípio da responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas (art. 22.º da CRP), princípio da cooperação e boa-fé processual(art. 8.º do CPTA), princípio da inimpugnabilidade dos actos confirmativos (artº 53.º CPTA), artº 120.º n.º 3 do CPTA, princípio do contraditório (art. 3.º n.º 3 do CPC) e o princípio pro actione (artigo 7.º do CPTA) enquanto corolário normativo e concretização do princípio constitucional do acesso efetivo à justiça, no sentido, além do mais, de evitar situações que representem denegação de justiça, carece de uma análise e tutela por forma a prevenir-se comportamentos ilegais e violadores de princípios constitucionais no âmbito destas matérias por parte das entidades públicas, os quais aqui se invocam para os devidos e legais efeitos e bem assim para fundamentar também a motivação subjacente ao presente recurso.»

3. O Recorrido MUNICÍPIO DE AMARES contra-alegou concluindo genericamente, quanto ao respetivo mérito, que «por manifesta falta de fundamento, o presente recurso terá que ser julgado não provado e improcedente, confirmando-se na sua plenitude a decisão recorrida.»

4. O recurso de revista foi admitido por Acórdão da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo, em formação de apreciação preliminar, de 29 de setembro de 2022, considerando que «as alegações da ora recorrente, estribadas no princípio do pra actione, e reivindicativas de uma melhor aplicação do direito relativamente «à identificação e à natureza do acto suspendendo» e consequências que daí derivam na economia da decisão surgem como contundentes e merecedoras da atenção do «tribunal de revista», porque, nesse aspecto, as decisões das instâncias se mostram juridicamente frágeis. Aliás, que assim é, demonstra — o próprio labor instrutório declarações de parte, audição de testemunhas, inspecção levado a cabo pela 1ª instância, labor a que subjaz, obviamente, o tipo de entendimento aqui defendido pela recorrente, e que, em sede de sentença, claudicou».

5. Notificado para o efeito, o Ministério Público deu parecer «no sentido de ser concedido provimento à revista, revogando-se o acórdão recorrido e determinando-se a baixa dos autos à primeira instância para efeitos de conhecimento do pedido de suspensão de eficácia da deliberação proferida em 17/12/2021» – artigo 146.º/1 do CPTA.

6. Sem vistos, dada a natureza urgente do processo - artigo 36.º/1/f e 2 do CPTA.


II. Matéria de facto

7. As instâncias deram como provados os seguintes factos:

«1. A Requerente é uma sociedade comercial que se dedica à importação, exportação e comércio de desperdícios de papel e cartão, recolha e tratamento de resíduos não perigosos e aluguer de contentores de recolha de resíduos – cf. certidão permanente junta com o requerimento inicial;

2. Está implantada em Amares desde 2015 – facto não controvertido;

3. Em Agosto de 2018, submeteu o projecto de arquitetura à apreciação do Requerido, tendo em vista a ampliação das suas instalações, o que deu origem ao processo que correu termos nos serviços municipais como processo LE-EDI-89/2018 – cf. processo administrativo apenso;

4. No dia 19.09.2018, pelo chefe da DUOP dos serviços municipais, é elaborada informação do seguinte teor:

“(…)

Visto. Concordo, com a informação prestada pelo técnico superior, (…), em 18-09-2018, pelo que, o pedido está em condições de, superiormente, merecer aprovação por parte do Exmo. Órgão Executivo, em sede da reunião que vai ter lugar no dia 24-09-2018, condicionado, porém, ao cumprimento integral dos seguintes aspetos:

- aquando da apresentação dos projetos, exigíveis para o caso em apreço, de engenharia de especialidades, dada a área do pavilhão, deve ser apresentado projeto de segurança contra o risco de incêndios, o qual deve vir acompanhado com o parecer da Autoridade Nacional de Proteção Civil;

- estudo que comporte a minimização do impacto visual provocado pelo material armazenado;

- estudo sobre o recolha dos resíduos provenientes da atividade que está associada a um empreendimento desta natureza;

- acautelar uma possível sobrecarga das infraestruturas existentes;

- no tocante ao respeito pelos princípios do plano diretor do município de Amares, o técnico autor do projeto assume a responsabilidade pelo cumprimento cabal da observância das normas regulamentares constantes do referido plano.
Face ao disposto no n.º 4 do artigo 20.º, do RJUE, o interessado...

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