Acórdão nº 01834/21.8BELSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 22-09-2022

Data de Julgamento22 Setembro 2022
Ano2022
Número Acordão01834/21.8BELSB
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (1 SECÇÃO)
ACORDAM NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO


I. Relatório

1. A……………………….., S.A. – identificadas nos autos – recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do artigo 150.º do CPTA, do Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul (TCAS), de 5 de maio de 2022, que concedeu provimento parcial ao recurso que interpôs da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo (TAC) de Lisboa, de 21 de janeiro de 2022, que julgou improcedente a ação por si proposta contra o INSTITUTO DE GESTÃO FINANCEIRA E EQUIPAMENTOS DA JUSTIÇA, I. P., na qual requer a anulação das deliberações do R. de exclusão da sua proposta, a revogação da decisão de contratar, a admissão dessa proposta e a condenação da R. na adjudicação à mesma proposta e na outorga do correspondente contrato de prestação de serviços.

2. Nas suas alegações, a Recorrente formulou as seguintes conclusões:

«i. Questões jurídicas e socialmente relevantes de importância fundamental suscitadas no âmbito do presente recurso que também justificam claramente a necessidade de uma melhor aplicação do Direito

A. A Recorrente interpôs o presente recurso por entender que nele se abordam questões que, pela sua importância jurídica e social, revestem importância fundamental e também por que se revela claramente necessária a sua dilucidação para uma melhor aplicação do Direito, servindo também para orientar os tribunais inferiores, as entidades adjudicantes, entidades privadas, em particular concorrentes, tal como profissionais do foro e, em geral, a comunidade jurídica, bem como os cidadãos participantes na contratação pública.
B. Na situação concreta, releva ainda para as classes profissionais de engenheiros e engenheiros técnicos e respetivas ordens profissionais por o tema lhes dizer diretamente respeito, com impacto numa universalidade de contextos profissionais, mas também no quadro da contratação pública.
C. Na modesta opinião da Recorrente, as questões adiante elencadas que se detalharam no Cap. II supra das alegações cujo teor se dá por inteiramente reproduzido, justificam amplamente a interposição do presente recurso, designadamente porque:
a) Reportam-se a questões que foram anteriormente reconhecidas de importância fundamental, assim se evitando situações de resolução desigualitária;
b) Evidenciam a subsistência divergências nas instâncias, revelando-se assim necessária uma melhor aplicação do direito e um resultado interpretativo uniforme. Veja-se que a ação instaurada foi julgada totalmente improcedente em 1ª instância e, no Acórdão Recorrido, foi dado provimento parcial ao pedido de anulação das deliberações, mas negado provimento ao pedido de condenação à prática do ato devido, com fundamentos totalmente diferentes dos considerados na decisão de 1.ª instância;
c) Por outro lado, dizem respeito a situações que, muito provavelmente, se repetirão no futuro, justificando assim uma orientação uniforme e, quando aplicável, uma interpretação corretiva.

ii. NULIDADE DO ACÓRDÃO: CONDENAÇÃO EM OBJETO DIFERENTE E DECISÃO SURPRESA

D. A decisão aqui em crise, na parte que negou provimento ao recurso, contrasta, de forma diametralmente oposta com o pedido que foi formulado. O pedido formulado pela Recorrente visava a condenação da Recorrida à prática do ato de adjudicação e à celebração do contrato concursado. Já o Acórdão recorrido tem subjacente a anulação de todo o processado no concurso com a aprovação de novas peças do procedimento, expurgadas das ilegalidades apontadas.
E. A temática da anulação de todo o processado no concurso com a aprovação de novas peças do procedimento, expurgadas das ilegalidades apontadas, com novo anúncio a que se seguirá toda tramitação concursal legalmente prevista:
a) Não foi sequer abordada pelas partes nos seus articulados em 1ª e 2ª Instância
b) Também não foi sequer equacionada na decisão de 1ª Instância que confirmou as deliberações da Recorrida que agora foram anuladas pelo Tribunal Recorrido;
F. Constituindo, assim, a decisão recorrida uma decisão surpresa, proferida em clara violação do princípio do contraditório previsto no artigo 3°, n.º 3 do CPC, já que foi decidida uma questão nova, não tratada, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre ela se pronunciarem (vide Acórdão do STA de 02/12/2015, no Proc. 0373/14, e o Ac. do STA proferido em 4-2-2016 no processo 205/15 (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (dgsi.pt):
I - Resulta do princípio do contraditório que o juiz não deve decidir qualquer questão, de facto ou de direito, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre ela se pronunciarem, para que se possa assegurar a sua participação efetiva no desenvolvimento do litígio.
II - Quando a questão não tinha sido suscitada até ao momento no processo e a matéria em causa não estava sedimentada na ordem jurídica temos de concluir que a referida omissão de um ato que a lei prescreve, a audição das partes, é suscetível de influir no exame ou na decisão da causa, pelo que constitui nulidade processual secundária. (art. 195º, nº 1 do CPC)”
G. Acresce, a fortiori, se o Tribunal está em vias de proferir uma condenação a determinar a anulação de todo o processado e a correção das peças do procedimento que darão lugar a novo procedimento concursal, por contraposição ao pedido formulado pela Recorrente no sentido de obter a adjudicação da proposta cuja exclusão foi anulada no mesmo Acórdão, estamos evidentemente perante um tema novo, uma questão nova e, adicionalmente, com novos argumentos jurídicos e mesmo de sentido contrário ao propugnado pela Recorrente e que, como se disse, não foram discutidos em 1.ª, nem em 2.ª Instância, mas apenas abordadas pelo Tribunal Recorrido no Acórdão Recorrido.
H. Considera-se, assim, dever ser concedido provimento à invocada nulidade, devendo os autos baixar ao TCAS para notificação das partes com direito ao exercício do contraditório, e subsequente prolação de nova decisão.

iii. DA ADMISSÃO DA PROPOSTA E DO DEVER DE ADJUDICAÇÃO – ACTO VINCULADO

I. É um facto incontroverso que as deliberações tomadas, pela Recorrida, de exclusão da proposta da Recorrente, de não adjudicação e de revogação da decisão de contratar foram anuladas pelo Acórdão recorrido que, nessa parte, não é objeto do presente recurso, nem foi objeto de recurso pela Recorrida, tanto quanto se apurou até ao momento. Pelo que, nessa parte, o Acórdão Recorrido transitou em julgado.
J. Temos, assim, por lógico e forçoso que a consequência do Acórdão que anulou a deliberação de exclusão da proposta, de não adjudicação e de revogação da decisão de contratar, é a necessária admissão da proposta da Recorrente, o que quer dizer que a obrigação da Recorrida é de adjudicar, por via do disposto no n.º 1 do art. 73.º e nº 1 do art. 76.º do CPP. Na verdade, perante a existência de uma única proposta válida, impunha-se a sua adjudicação à Recorrente, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 76.º do CCP. A este respeito, veja-se, a título de exemplo, o Acórdão do TCAN de 31-01-2020 no processo n.º 00231/19.0BEMDL.
(http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/ad83572a4f402a148025850c005d7681?OpenDocument ).
K. Assim, o legislador optou por consagrar no artigo 76.º, n.º 1, do CCP, um dever de adjudicação que apenas é ressalvado nas situações previstas no artigo 79.º, n.º 1, do CCP, sendo certo que não existe, no caso dos autos e por referência a tal normativo, qualquer causa de não adjudicação, tanto que a decisão de não adjudicação foi anulada no Acórdão recorrido.
L. Estamos, assim, perante uma única solução legal possível a de que o contrato deveria ter sido adjudicado à Recorrente, pelo que em tal caso o Tribunal deve determinar, à luz do disposto no artigo 71º nº 1 e n.º do CPTA, como conteúdo do ato a praticar, precisamente, a adjudicação do contrato à Recorrente (a tal respeito, entre outros, vide o acórdão do TCA Sul de 19/10/2017, Proc. nº 2473/14.5BESNT, in, www.dgsi.pt), existindo, concomitantemente, um dever de adjudicar, mas também um direito à adjudicação. Vide a este respeito, o acórdão deste TCA Norte de 28/06/2019, 0744/18.0BECBR. O Acórdão do STA de 3-12-2015, no processo 913/2015, fixa uma orientação jurisprudencial inequívoca neste sentido indicado (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (dgsi.pt). Veja-se também o Acórdão do STA de 8-9-2016 no processo 568/16 cuja parte relevante do sumário nos permitimos transcrever:
I - Tendo sido invalidado o acto de exclusão da proposta a qual teve como fundamento uma única causa, afastado tal fundamento, a Administração apenas pode tomar a decisão contrária – a da admissão da proposta (cfr. arts. 70º, nºs 1 e 2, 122º, nºs 1 e 2, 124º, 146º, nºs 1, 2 e 3 e 148º, nº 1, todos do CCP).
II - E admitida a proposta, ficando a Recorrente graduada em primeiro lugar, uma vez que o critério estabelecido no concurso é o do mais baixo preço (sendo o por ela apresentado o mais baixo), o acto de adjudicação constitui-se como um acto legalmente devido, já que a decisão de adjudicação é um dever do órgão competente para contratar (cfr. arts. 36º e 76º do CCP), salvo as excepções previstas no art. 79º do CCP, que aqui não estão em causa.
III - Considerando que os actos a praticar pela entidade adjudicante corresponderão ao pedido condenatório, que foi julgado inteiramente procedente, está a Administração concretamente vinculada a praticar os actos referidos com o conteúdo pretendido, estão reunidos todos os pressupostos necessários para a condenação nos precisos termos do pedido, sem necessidade de formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa (art. 95º, nº 3 do CPTA).
IV - Seria, pois, de condenar a Administração a adjudicar os serviços, sem prejuízo do disposto no art. 77º, nº 2 do CCP, e a celebrar o contrato respectivo.
M....

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