Acórdão nº 0173/23.4BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 2024-04-18

Data de Julgamento18 Abril 2024
Ano2024
Número Acordão0173/23.4BALSB
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (PLENO DA SECÇÃO DO CA)

Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I. Relatório
1. AA, notificado do acórdão da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de 28.09.2023 (acórdão recorrido), que, por inutilidade superveniente da lide, julgou extinta a instância de recurso de revista interposto pela ORDEM DOS ADVOGADOS do acórdão do Tribunal Central Administrativo (“TCA”) Sul, de 13.04.2023, dele vem interpor recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência, ao abrigo do artigo 152.º, n.º 1, alínea b), do CPTA, indicando o acórdão de 3.07.2002, proferido pelo Pleno da mesma Secção de Contencioso Administrativo, no âmbito do Processo n.º 28775, como acórdão fundamento.

2. O presente processo tem origem numa intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias requerida pelo ora recorrente contra a Ordem dos Advogados em que era pedida: a) a intimação desta a praticar novo ato de classificação do exame escrito do requerente de que resultasse uma classificação que o pudesse dar como “Aprovado”; e, cumulativamente, como consequência desta intimação, b) a anulação do ato de classificação do exame escrito do requerente como “Não aprovado” na sua prova de agregação à Ordem dos Advogados, bem como, e consequentemente, dos atos que decidam as impugnações dele apresentadas pelo requerente.
Por sentença de 30.09.2022 foi a intimação julgada improcedente e a entidade requerida absolvida do pedido.
Inconformado, o requerente, aqui recorrente, recorreu para o Tribunal Central Administrativo Sul, que, por acórdão de 13.04.2023, concedeu provimento ao recurso, revogou a sentença recorrida e intimou a Ordem dos Advogados a praticar novo ato administrativo de classificação do exame escrito do requerente, de que resulte a sua classificação como "Aprovado", ao abrigo do disposto no artigo 28.º do Regulamento Nacional de Estágio e do artigo 71.º, n.º 2, do CPTA.
Desta última decisão, a Ordem dos Advogados interpôs recurso de revista, o qual foi admitido por acórdão do STA de 22.06.2023.
Sucede que, por requerimento de 21.07.2023, a então recorrente Ordem dos Advogados, veio informar o Tribunal de que o então recorrido, o requerente da intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias, tinha efetuado nova inscrição como advogado estagiário no curso de estágio seguinte, tinha beneficiado do disposto nos n.ºs 5, 6 e 7 do artigo 12.º do Regulamento Nacional de Estágio, aplicável ex vi n.º 2 do artigo 35.º do mesmo normativo, tinha-se apresentado a provas de agregação em que obtivera o resultado de “Aprovado” em 27.02.2023 e encontrava-se já inscrito na Ordem por despacho proferido em 17.05.2023. Em consequência destes desenvolvimentos, a Ordem dos Advogados alegou a inutilidade superveniente da lide, uma vez que, tendo a intimação sido deduzida e aceite para garantir o direito fundamental de acesso ao exercício da profissão de advogado, o qual teria alegadamente sido ilegitimamente violado por erro manifesto na correção da prova de agregação, este meio processual deixara de ser útil para assegurar aquele direito, do qual o requerente, entretanto, já era titular.
Cumprido o contraditório, seja quanto à questão da inutilidade superveniente, seja quanto à admissibilidade processual do aludido requerimento, o Tribunal veio dar razão à então recorrente Ordem dos Advogados e decidiu extinguir a instância com base no fundamento por ela invocado.

3. O então recorrido, não se conformando com esta decisão e entendendo que a mesma se encontra em «direta contradição» com o acórdão proferido pelo Pleno desta secção em 3.07.2002, no âmbito do Processo n.º 28775, interpôs o presente recurso para uniformização de jurisprudência, tendo no final das suas alegações formulado as seguintes conclusões:
«A. O presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência tem por objeto o Acórdão proferido a 28 de Setembro de 2023, pelo Supremo Tribunal Administrativo no Proc. 1947/22.9BELSB (o "Acórdão recorrido"), que julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.
B. O Recorrente considera que este Aresto padece de um manifesto erro de julgamento e está em direta contradição com o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 3 de Julho de 2002, no âmbito do processo n.° 028775 (o "Acórdão fundamento").
C. O Acórdão recorrido foi proferido no âmbito de um Recurso de Revista relativo a um Aresto proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul no âmbito de uma intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias deduzida pelo Recorrente contra a Ordem dos Advogados em Julho de 2022.
D. Naquela intimação, o Recorrente veio, materialmente, impugnar o ato administrativo que - violando, de forma inaceitável, a liberdade de escolha de profissão, na vertente de liberdade de acesso a uma profissão (art. 47.°, 1 da Constituição da República Portuguesa) - classificou a sua prova de agregação à Ordem dos Advogados com a classificação "Não Aprovado".
E. Em 13 de Abril de 2023, o Tribunal Central Administrativo Sul proferiu um Acórdão que julgou (quase) integralmente procedente o pedido do Recorrente e determinou a intimação da Recorrida «a praticar novo ato administrativo de classificação do exame escrito do A., ora Recorrente (aqui Recorrido), de que resulte a sua classificação de "Aprovado", ao abrigo do disposto no art. 28.° do RNE e art. 71.°, n.° 2 do CPTA (...)».
F. Todavia, em Maio de 2023, a Recorrida interpôs Recurso de Revista com fundamento: (a) numa alegada nulidade do Acórdão recorrido por omissão e excesso de pronúncia; e (b) numa suposta incorreção do sentido decisório do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul.
G. Posteriormente, em Junho de 2023, o Supremo Tribunal Administrativo admitiu o Recurso de Revista, entendendo que “é de toda a conveniência que este Supremo Tribunal (...) se debruce [sobre as questões debatidas no processo em que estão em causa os limites da avaliação técnico-profissional], para uma melhor dilucidação das mesmas.”
H. Contudo, já depois da admissão do Recurso de Revista, a Recorrida apresentou um requerimento junto do Supremo Tribunal Administrativo, alegando que a lide se havia tornado supervenientemente inútil, porquanto o Recorrente já estava inscrito como Advogado (por se ter submetido a nova prova de agregação, na qual foi aprovado).
I. O Recorrente pronunciou-se sobre este pedido, demonstrando, entre o mais, que: (a) o processo ainda tem um efeito útil, porquanto há um verdadeiro e demonstrado interesse prático na prolação de uma decisão de mérito, nomeadamente no que diz respeito à determinação da data da inscrição do Recorrido como Advogado e às consequências daí decorrentes; (b) a ausência de uma decisão final de mérito neste processo violaria o princípio da economia processual; e (c) a extinção da instância com os fundamentos invocados violaria o princípio da tutela jurisdicional efetiva, podendo, quando muito, a presente ação ser convolada numa ação administrativa de processo comum de condenação à prática de ato devido.
J. No que se refere, em concreto, à utilidade da lide, o Recorrente notou que procedência da presente ação terá como consequência necessária que a sua inscrição como Advogado venha a retroagir até à data em que este teria sido inscrito caso a Recorrente não tivesse praticado o ato de modo ilegal.
K. A data de produção de efeitos da agregação do Recorrente é o principal efeito útil que se retirará da presente intimação, nos precisos termos em que está formulada, tendo um impacto prático de particular relevância, materializada, entre outros aspetos,
a. num efeito "moral" ou de "honra" - a ilicitude perpetrada pela Recorrida na correção do exame do Recorrente causou muito relevantes danos na honra no Recorrente, e a correção - ainda que quasi-simbólica - da data de inscrição serviria como um início da reparação que é devida ao Recorrente pela Recorrida;
b. num efeito de antiguidade: tal como em diversas outras profissões, a antiguidade profissional tem efeitos práticos relevantes, estando, no presente momento, a antiguidade do Recorrente ilicitamente posta em causa, em mais de 1 ano; e
c. num efeito relativo ao regime de previdência social: o Recorrente só pôde começar a pagar contribuições para a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores a partir de 2023; o resultado da presente intimação permitiria ao Recorrente beneficiar de mais um ano de contribuições, o que poderá ser particularmente relevante num futuro cálculo de pensões.
L. O Acórdão recorrido reconheceu expressamente que, para além da remoção do ato que impossibilitou a sua agregação, o Recorrente tem outros «direitos ou interesses que emergem da reposição da legalidade através da eliminação do ato da ordem jurídica», mas determinou que esses direitos e interesses não impedem a extinção da instância, uma vez que podem ser satisfeitos através de outro meio processual próprio, ainda que de forma (muito) mais demorada e onerosa.
M. O thema decidendum neste Recurso de Uniformização de Jurisprudência é, portanto, o de saber se se poderá decretar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide num processo que tem demonstrada, provada e julgada utilidade - questão a que o Acórdão recorrido deu uma resposta positiva.
N. Sucede que o Acórdão proferido pelo Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo em 3 de Julho de 2002, no âmbito do processo n.° 028775 (o "Acórdão fundamento"), tratou da mesma questão fundamental de direito de forma contrária (e na opinião do Recorrente, absolutamente correta).
O. Neste outro Acórdão estava em causa a discussão relativa ao ato de nacionalização de uma sociedade comercial, ato esse que acabou por ser revertido já depois de deduzida a ação judicial pelos então recorrentes.
P. Perante esta quadro, o Supremo Tribunal...

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