Acórdão nº 0170/13.8BECBR de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 06-03-2024

Data de Julgamento06 Março 2024
Ano2024
Número Acordão0170/13.8BECBR
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (2 SECÇÃO)
Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


I – RELATÓRIO

I.1 Alegações

A FAZENDA PÚBLICA vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, que julgou procedente a impugnação judicial apresentada por A..., Lda. visando as liquidações adicionais de IRC relativas ao exercício de 2011 e juros compensatórios no valor total de € 61.726,45.
Apresenta as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões a fls. 188 a 202 do SITAF:
1. O Mmo. Juiz do Tribunal a quo julgou procedente a impugnação das liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) do exercício de 2011 e respectivos juros de mora, no valor total de € 61.726,45 (sessenta e um mil setecentos e vinte e seis euros e quarenta e cinco cêntimos), após acerto de contas, nos autos acima identificados, por ter entendido que o procedimento inserto no art.º 139.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), se destina a que o contribuinte possa fazer prova do preço real e efetivo de venda de um determinado imóvel, afastando-o das demais regras referentes à consideração dos valores dos imóveis que constituem a regra geral e que é a do valor de mercado, devendo ter sido discutido e decidido nesse procedimento, qual o valor efetivo de venda e não o valor de mercado do imóvel.
2. Defendendo que houve uma distorção invalidante do critério que deve presidir ao citado procedimento, critério esse que tenta aproximar e a ajudar a determina a efetiva receita das empresas e, consequentemente, apurar com a verdade possível o lucro que venha a ser sujeito a tributação.
3. Concluindo que ocorreu uma errónea escolha do critério legal de decisão no mencionado procedimento, substituindo-o pela da ponderação dos elementos factuais e de prova disponíveis.
4. Com todo o respeito pela douta decisão a quo e reconhecendo a profunda análise efectuada pelo Mmo. Juiz, entende esta Representação da Fazenda existir erro na aplicação do direito, quanto considera que o procedimento inserto no art.º 139.º do CIRC, se destina, sem mais, a fazer prova do preço real e efectivo da venda de determinado imóvel, não tomando em conta as especificidades do negócio e o valor de mercado, ou pelo menos o valor patrimonial atribuído ao mesmo e concluindo que a AT fez uma errónea escolha do critério legal.
5. Pois o preço real e efectivo, não pode em situações específicas, como a dos presentes autos, bastar-se com o documentalmente demonstrado, sob pena de ficarmos por uma interpretação literal da norma, como esta Representação já defendeu em sede da contestação apresentada e cujos argumentos não foram, com todo o respeito, levados em conta na douta sentença.
6. Se o critério é o valor efectivo da venda, este não se pode traduzir, sempre e necessariamente em preço documentalmente provado, sob pena de se favorecer a elisão fiscal, privilegiando a forma sobre a substância, conforme defendeu, aliás, o Sr. Procurador da República no douto parecer que integra os autos.
7. É que entender o procedimento previsto no art.º 139.º do CIRC, como um mero procedimento de prova de preço, é ficar por uma interpretação literal do preceito legal que não é admissível, pois, por absurdo, bastaria apresentar uma escritura de um euro, com um mútuo de um euro, provado documentalmente, para a Administração Tributária se ver forçada a aceitar tal valor.
8. Na interpretação jurídica há que ter em conta, para além da letra da lei, os elementos histórico, sistemático e teleológico, conforme dispõe o art.º 9.º, n.º 1 do Código Civil.
9. Tendo a condução do procedimento sido a mais correcta, tendo em conta tais elementos.
10.Com efeito, não se pode ignorar o elemento sistemático da interpretação jurídica, havendo necessidade de levar em conta o disposto no art.º 64.º do Código do IRC, norma inserida no regime dos preços de transferência e o disposto no imediatamente anterior art.º 63.º, que sob a epígrafe “ Preços de transferência” define no seu n.º 4 o conceito de relações especiais entre entidades, tratando-se claramente de normas anti-abuso.
11.O art.º 64.º, n.º 1 do CIRC consagra o princípio do preço de plena concorrência, dispondo “Os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre imóveis devem adoptar para efeito de determinação do lucro tributável nos termos do presente Código, valores normais de mercado que não podem ser inferiores aos valores patrimoniais tributários que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver liquidação do imposto.”(sublinhado nosso).
12.Referindo PAULA ROSADO PEREIRA, “O Novo Regime dos Preços de Transferência” in Fiscalidade-Revista de Direito e Gestão Fiscal, acerca do referido princípio:” O preço entre entidades relacionadas deve ser aquele que seria praticado em operações semelhantes que fossem realizadas no âmbito de um mercado concorrencial, ou seja deve ser o preço que seria convencionado entre entidades independentes, em operações comparáveis e em circunstâncias semelhantes.”
13.E o elemento teleológico tem de ser tomado em conta, tanto mais que dispõe art.º 9.º, n.º 3 do Código Civil: “Na fixação do alcance e sentido da lei o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”
14.Ora, com todo o respeito, não faz sentido que o legislador consagre um princípio e no artigo que permite elidir a presunção dele decorrente, permita que seja afastado, com uma simples prova de preço, pois o princípio perderia qualquer interesse prático, uma vez que o preço real, se inferior ao preço de plena concorrência, prevaleceria sempre e, consequentemente, estaríamos perante uma norma legal perfeitamente inútil.
15.Uma interpretação literal do art.º 139.º, n.º 1 do CIRC, é contraditória com o disposto em outros números do mesmo artigo: o número 2 que permite que a prova do preço seja efectuada com recurso a coeficientes de avaliação de imóveis, pois neste caso tal implicaria alcançar valores que não correspondem ao preço praticado e face à remissão do n.º 5, para o procedimento de revisão das correcções por métodos indirectos.
16.A perita da Administração tributária conduziu o procedimento, com total imparcialidade, no sentido de verificar se os elementos de prova produzidos pela impugnante correspondiam ao preço praticado pelas partes em condições de plena concorrência e fê-lo correctamente, porque face à interpretação que a AT defende, é precisamente isso que o legislador pretendia ao criar o procedimento.
17.E face aos elementos de prova, não colocando em causa que a ora impugnante autorizou a derrogação do sigilo bancário e demonstrou a venda pelo preço declarado, não poderia ter chegado a outra conclusão pois, não foram de forma inequívoca justificadas as condições anormais de mercado em que foi realizada a transmissão, de que resultou a fixação de preço inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel transmitido.
18.Ou seja, para a interpretação que pugnamos por correcta, salvo melhor opinião, há que ponderar os elementos factuais e de prova disponíveis, sem que tal enviese o objectivo, a ratio legis do preceito normativo em causa.
19.Há uma evidente relação especial entre a alienante do imóvel e o adquirente, pois este é gerente daquela e outorgou na escritura na qualidade de representante legal da alienante e adquirente do imóvel, referindo expressamente o art.º 63.º, n.º 4 do CIRC que “Considera-se que existem relações especiais entre duas entidades nas situações em que uma tem o poder de exercer directa ou indirectamente, uma influência nas decisões de gestão da outra o que se considera verificado, designadamente entre:…C) Uma entidade e os membros dos seus órgão sociais, ou de quaisquer órgãos de administração, direcção, gerência ou fiscalização, e respectivos cônjuges, ascendentes e descendentes “.
20.Ora, existindo esta evidente relação especial e sendo o valor constante da escritura, que a Administração Fiscal não coloca em causa, substancialmente inferior ao Valor Patrimonial Tributário fixado com base em critérios objectivos, nos termos do CIMI e que o próprio perito da impugnante reconheceu em sede do procedimento não enfermar de qualquer vício, tanto mais que não requereu a realização de segunda avaliação, tal permite concluir, como foi concluído no Despacho n.º 5/2012, que só essa relação especial permitiu que tivesse sido estipulado como preço de venda o valor do empréstimo bancário de € 270.000,00, não incorrendo a decisão tomada em qualquer erro.
21.Tanto é assim, que o montante máximo garantido pela hipoteca que garante o mútuo concedido é de € 386.100,00 e em 03/10/2011 foi de novo o imóvel hipotecado para garantir o montante de € 40.000,00 e já em 18/05/2004 o imóvel havia sido hipotecado para garantir o montante de € 313.000,00.
22.Não constituindo esta referência à hipoteca de 2004, no Despacho 5/2012, fundamentação a posteriori, tendo apenas a função de realçar as conclusões alcançadas.
23.Sendo que, quer em sede do procedimento previsto no art.º 139.º do CIRC, quer na presente impugnação a impugnante não forneceu qualquer elemento que demonstrasse que o preço pago pelo imóvel corresponde ao que seria, efectivamente, praticado em condições de livre concorrência.
24.Face ao exposto, entende ter esta Representação da Fazenda Pública, existir erro de julgamento na interpretação levada a cabo, na douta sentença a quo, do art.º 139.º do CIRC.

I.2 - Contra-alegações
Não foram proferidas contra alegações no âmbito da instância.

I.3 - Parecer do Ministério Público
Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, veio o Ministério Público emitir parecer com o seguinte conteúdo:
“A Fazenda Pública veio recorrer da douta sentença do...

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