Acórdão nº 01638/08.3BEPRT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 18-01-2023

Data de Julgamento18 Janeiro 2023
Ano2023
Número Acordão01638/08.3BEPRT
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
Processo n.º 1638/08.3BEPRT (Recurso para Uniformização de Jurisprudência)



Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. RELATÓRIO

“S..., Lda.”, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor, nos termos do art. 284º do CPPT, Recurso para Uniformização de Jurisprudência com referência ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 13-07-2022, que decidiu não admitir o recurso de Revista do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 17-02-2022, que negou provimento ao recurso interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra liquidação de contribuições para a Segurança Social relativas ao ano de 2001, no valor de €714.816,58, referentes a ajudas de custo pagas aos seus trabalhadores, com base em oposição de acórdãos, por alegada contradição sobre a mesma questão fundamental de direito com o Acórdão do STA, de 24-09-2003, Proc. nº 0564/02, disponível em www.dgsi.pt, já transitado em julgado.


Formulou nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“ (…)

A) A Requerente veio deduzir contra o Instituto da Segurança Social, I.P., Impugnação Judicial contra a liquidação, feita por esta, de contribuições da Segurança Social relativas a pagamentos feitos aos seus trabalhadores deslocados no estrangeiro ao longo do ano de 2001, no montante de €714.816,58.

B) Na liquidação não está em causa uma situação de autoliquidação de contribuições feita por parte da Requerente mas sim uma liquidação oficiosa de contribuições efetuada por iniciativa do Instituto da Segurança Social, I.P. no seguimento de uma ação de inspecção e em suprimento da suposta obrigação do contribuinte, nos termos do artigo 33.º do Decreto-lei nº 8-B/2002, de 15 de janeiro.

C) Toda a doutrina e a jurisprudência do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal Administrativo tem defendido que as contribuições para a Segurança Social devem ser consideradas como impostos, ou, pelo menos, como equiparadas a impostos. (cfr., entre outros, os Acórdãos da 2ª Secção do S.T.A. de 26/02/2014, 23/05/2007 e 16/06/1999).

D) Assim, a liquidação em causa, referente ao período de janeiro a dezembro de 2001, no montante de €714.816,58, é um ato administrativo de liquidação de tributo, sujeito ao regime de notificação dos atos tributários, nos termos dos artigos 36.º, nº 1 do C.P.P.T. e 77.º nº 6 da L.G.T. pelo que, ao direito de liquidar tais contribuições, é aplicável o regime de caducidade do direito à liquidação, previsto no artigo 45º da Lei Geral Tributária, que define o prazo de quatro anos para a notificação ao contribuinte dessa liquidação, pois o regime específico das quotizações e contribuições à Segurança Social não fixa um prazo geral de caducidade desse direito.

E) O ato de liquidação que determinou o quantum da obrigação tributária, ou seja, que a Requerente era devedora à Segurança Social do montante de €714.816,58, foi o Relatório Final de Inspeção elaborado pelo Recorrido em 18/12/2007 e notificado à Requerente em 28/12/2007.

F) A Segurança Social, I.P. não notificou a Requerente da ordem de serviço ou despacho no início da ação de inspeção externa, ou seja, do início do Processo de Averiguações (PA) nº 46/2005.

G) Tendo a Requerente recebido a notificação da existência desse PA nº 46/2005, que anexava os mapas de apuramento com as supostas remunerações não declaradas, apenas em 26/11/2007, não existindo assim qualquer facto integrante de causa suspensiva do prazo de caducidade, nos termos previstos no artigo 46º, nº 1, da Lei Geral Tributária.

H) Pelo que se encontra efetivamente caducado o direito de liquidação das contribuições para a Segurança Social, I.P. referentes aos meses de janeiro a dezembro de 2001, face à notificação da mesma efetuada à Requerente apenas em dezembro de 2007, ou seja, muito depois do prazo legal de quatro anos previsto para o efeito, pois, sendo este um imposto de obrigação única, o termo inicial de contagem do prazo de caducidade corresponde ao dia 15 do mês seguinte àquele a que as contribuições dizem respeito (cfr. art.º 10, nº 2 do Decreto-lei nº 199/99, de 8 de junho e art.º 6 do Decreto Regulamentar nº 26/99, de 27 de outubro).

I) E não obsta a esta conclusão o facto de a Requerente não ter alegado e pedido a caducidade do direito à liquidação em causa na petição inicial do Processo de Impugnação Judicial, mas só o ter feito nas Alegações de Recurso para o TCA Norte, pois estamos perante matéria de conhecimento oficioso pelo Tribunal, em qualquer altura do processo, em face do disposto no nº 1º do artigo 333.º do Código Civil.

J) Assim, o preceituado nessa disposição legal, significa que está vedado ao Tribunal conhecer oficiosamente da caducidade convencional, mas já não da caducidade legal e quando a caducidade esteja estabelecida por norma imperativa, é evidente não estar na disponibilidade das partes, como sucede no caso da liquidação de tributos, que está prevista na legislação fiscal, são normas de direito público, sendo certo que, por natureza, as normas de direito público estão excluídas da disponibilidade das partes.

K) De facto, estamos perante um ato de liquidação de tributos, como atrás foi dito, sendo certo que, em sede de direito tributário, a caducidade do direito à liquidação pode e deve ser conhecida oficiosamente pelo Tribunal, mesmo que a Requerente não tenha invocado ou peticionado a mesma na petição inicial, (Cfr. entendimento perfilhado pelo Conselheiro Jorge Lopes de Sousa in Código de Procedimento e Processo Tributário anotado, vol. III, págs. 207 e 485, e seguido no Acórdão da 2ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo de 24/09/2003, no Processo nº 0564/02, disponível in www.dgsi.pt).

L) Assim, salvo o devido respeito e melhor opinião, o não conhecimento da caducidade constitui uma violação legal, dado que não conhecer da questão da caducidade do direito à liquidação das contribuições para a Segurança Social por parte desta fazendo uma incorreta interpretação das normas imperativas, nomeadamente do artigo 333.º nº1 do Código Civil.

M) Situação que importa agora legalmente corrigir e que se coloca à consideração dos Venerandos Conselheiros para efeitos de Uniformização de Jurisprudência, pois nada impede que tal caducidade possa ser decidida em sede de Recurso, pelas razões jurídicas atrás defendidas.

N) Temos assim que a liquidação em causa nos autos deveria ter sido notificada ao contribuinte Requerente no prazo de caducidade de quatro anos previsto para o efeito, o que não aconteceu, como já foi provado, pelo que caducou o respetivo direito de liquidação das contribuições para a Segurança Social referentes aos meses de janeiro a dezembro de 2001, caducidade que deveria ter sido apreciada.

O) Deste modo, seguindo de perto este raciocínio, parece que a natureza da caducidade, na relação estabelecida entre a Requerente e a Segurança Social, I.P. não permite a disponibilidade destas quando à natureza jurídica da caducidade, por se afigurar qualificada como uma norma imperativa ou não meramente dispositiva.

P) Assim, na hipótese de estar em causa matéria excluída da disponibilidade das partes, a caducidade é apreciada oficiosamente pelo tribunal e pode ser alegada em qualquer fase do processo; já diversamente se entende que estando em causa matéria não excluída da disponibilidade das partes é aplicável à caducidade o disposto no artigo 303º do CC, isto é, a caducidade tem de ser invocada pela parte a quem aproveita e não pode ser suprida, oficiosamente, pelo tribunal.

Q) A necessidade de segurança ou certeza jurídica é prevalecente também nos valores protegidos pela caducidade do direito à liquidação dos tributos, impondo-se, também, por isso, o conhecimento oficioso da aludida caducidade.

R) No presente caso em discussão, e porque só deverá ser esta a conclusão a que se pode chegar, quando estamos perante um ato de liquidação de tributos, como atrás foi dito, sendo certo que, em sede de direito tributário, a caducidade do direito à liquidação pode e deve ser conhecida oficiosamente pelo Tribunal, por uma questão de certeza e segurança jurídicas.

S) Deste modo, o Acórdão Recorrido entende que a caducidade do direito à liquidação, mesmo que a Requerente não tenha invocado ou peticionado a mesma na petição inicial, como foi o caso, não é de conhecimento oficioso.

T) Já o Acórdão Fundamento, tem precisamente posição diametralmente oposta, firmando posição (posição esta seguida de perto pela Requerente) de que no domínio tributário a necessidade de segurança ou certeza jurídica é o fundamento comum de ambos os institutos e, por isso, se se entendeu ao impor-se o conhecimento oficioso da prescrição, que esse valor deve prevalecer sobre o interesse patrimonial da credor tributário, a mesma ponderação da valores conduzirá também à prevalência desses mesmos interesses de segurança e certeza, que também se visam proteger com a caducidade do direito de liquidação, sobre o mesmo interesse patrimonial.

U) A natureza jurídica da figura da caducidade nos termos do direito tributário e, da análise jurídica efetuada, só pode ser a de considerar que a caducidade da liquidação de contribuições à Segurança Social é de conhecimento oficioso, pois expressamente prevista em Lei.

V) Destarte, decidindo esta questão de Direito, acolhendo os argumentos do Acórdão Fundamento, se poderá garantir a segurança jurídica de institutos jurídicos estáveis na sociedade e na Ordem Jurídica, não se invertendo entendimentos que consideramos estarem devidamente clarificados, tais como a figura da caducidade.

W) Não se ignora que há figuras e instrumentos jurídicos presentes na nossa ordem jurídica, especialmente no âmbito do Direito Civil, que o atual Direito Público, designadamente, o Direito Administrativo, acolheu e que destes...

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