Acórdão nº 01637/17.4BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 2022-03-31

Data de Julgamento31 Março 2022
Ano2022
Número Acordão01637/17.4BEBRG
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Norte - (TAF de Braga)
Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

JG., com o NIF (…) e MA., com o NIF (…), ambos residentes na Rua (…), interpuseram recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, proferida em 13/05/2021, que julgou improcedente a impugnação judicial que visou a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra as liquidações adicionais de IRS, referentes aos exercícios fiscais de 2012, 2013 e 2014, no montante de €9.303,78.

Os Recorrentes terminaram as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
“A. As sociedades de simples administração de bens são sociedades puramente instrumentais, sem qualquer fim económico autónomo, no sentido em que não foram criadas para exercerem directamente uma actividade comercial ou industrial: só estaremos perante a simples administração de bens se uma determinada actividade não puder ser concebida como uma actividade económica, de natureza comercial ou industrial.
B. É, por exemplo, o caso dos membros de uma família que, sendo em conjunto proprietários de uma série de imóveis, que habitam ou de que usufruem, constituem uma sociedade para facilitar a organização da gestão dos mesmos, dela ficando como sócios. Ou o de um conjunto de pessoas que, querendo construir ou adquirir um imóvel para sua habitação própria, constituem uma sociedade que, de modo funcionalmente mais adequado, tratará dessa construção ou aquisição.
C. Não se trata de sociedades criadas para exercer um negócio propriamente dito, uma vez que os imóveis não servem de objecto ou substrato negocial, mas como bens mantidos para fruição (no primeiro caso) ou para habitação dos sócios (no segundo).
D. As sociedades de simples administração de bens não são, pois, um fim – o exercício de uma actividade económica com fim lucrativo –, mas simplesmente um meio – a organização de uma actividade ou a promoção de um determinado objectivo que é, na substância, dos sócios.
E. Daí, precisamente, ser-lhes aplicável o regime da transparência fiscal: sendo um mero instrumento e não um fim em si mesmo, a existência da sociedade é, para efeitos da tributação, desconsiderada.
F. Os rendimentos das sociedades enquadradas no regime da transparência não são tributados na sua própria esfera simplesmente porque, em virtude da natureza das sociedades em causa, ou da função que lhes é atribuída pelos sócios, entende o legislador que tais rendimentos são, verdadeiramente, rendimentos daqueles (dos sócios), pelo que lhes são imputados, para tributação na esfera destes (em sede de IRC ou IRS, conforme os casos).
G. Ora, a DA--- nunca esteve numa situação de poder ser considerada uma sociedade de simples administração de bens.
H. O contrato de arrendamento identificado no Anexo 2 do relatório de inspecção enquadra-se na prossecução, por parte da DA---, de uma actividade económica e comercial, de arrendamento de bens imobiliários (com os respectivos proveitos e custos). Uma actividade económica na qual ela se encontra legalmente enquadrada, aplicando-se-lhe um dos códigos de classificação das actividades económicas (68200 – arrendamento de bens imóveis).
I. Essa actividade, da qual a DA--- retira proveitos como em qualquer actividade económica, é uma actividade verdadeiramente autónoma. A DA--- serve, pois, para o exercício directo de uma actividade económica, que tem uma índole comercial indesmentível, não sendo, de todo, uma mera gestora de património dos seus sócios.
J. O problema interpretativo central da AT e da Sentença recorrida é o facto de esta partir do princípio de que uma actividade de gestão e arrendamento de imóveis tem na sua natureza uma certa passividade que aponta no sentido da mera administração de bens. No entanto, o conceito de “simples administração de bens” não se confunde com o de investimento ou actividade “passiva”: o que interessa saber é se a actividade é uma actividade económica em si mesma, autónoma dos sócios.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, por provado, com todas as consequências legais.”
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Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; submete-se o processo à Conferência para julgamento.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelos Recorrentes, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa analisar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao considerar que a sociedade em causa, de que é sócia a aqui Recorrente, está sujeita ao regime da transparência fiscal, por consubstanciar uma sociedade de simples administração de bens.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto
Na sentença prolatada em primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto:
“Com relevância para a decisão a proferir, consideram-se provados os seguintes factos:
1) A Sociedade “DA---, Lda.” foi constituída em 2008 – Cf. relatório final de inspeção tributária (RIT), de fls. 16 a 23 do P.A.; também o documento 4, junto com a petição inicial;
2) Na data da sua constituição, a Sociedade referida no ponto antecedente tinha como objeto a compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, dar de arrendamento e administrar todos os bens imóveis, próprios ou alheios, rústicos ou urbanos, e todas as atividades conexas, afins e complementares com as actividades referidas – Cf. certidão permanente de pessoa coletiva, de fls. 137 a 142 do SITAF;
3) A Sociedade “DA---” tem, desde abril de 2008, como sócios, AM., MS. e a Impugnante Mulher – Cf. RIT de fls. 16 a 23 do P.A.; documento 4, junto com a petição inicial; também a certidão permanente de pessoa coletiva, de fls. 137 a 142 do SITAF;
4) AM., MS. e a Impugnante Mulher detêm, respetivamente, 25%, 25% e 50% do capital social da Sociedade referida no ponto antecedente – Cf. RIT de fls. 16 a 23 do P.A.; documento 4, junto com a petição inicial; também a certidão permanente de pessoa coletiva, de fls. 137 a 142 do SITAF;
5) AM. é irmão da Impugnante Mulher – Cf. RIT de fls. 16 a 23 do P.A.; também o documento 4, junto com a petição inicial; Facto não controvertido;
6) MS. é filha de AM. e sobrinha da Impugnante Mulher – Cf. RIT de fls. 16 a 23 do P.A.; também o documento 4, junto com a petição inicial; Facto não controvertido;
7) A Sociedade “DA---” é proprietária do prédio, sito em, na freguesia de, descrito na Conservatória do Registo Predial da (...), sob o n.º , e inscrito na matriz urbana sob o artigo (...).º daquela freguesia – Cf. alvará municipal, de fls. 24 do P.A.; também o documento, de fls. 26 a 27 do P.A.;
8) Em 01-03-2010, a Sociedade “DA---” representada por AM., e a Sociedade “HI---, Lda.”, representada por MS., subscreveram documento escrito, intitulado «Contrato de Arrendamento para Fins Não Habitacionais», tendo por objeto o prédio a que se alude no ponto antecedente – Cf. documento, de fls. 26 a 27 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
9) Do documento referido no ponto anterior, consta, entre o mais, o seguinte:
«[…] CLÁUSULA SEGUNDA
Pelo presente contrato a Primeira Contraente dá de arrendamento a Segunda Contraente, que, por sua vez, aceita tomar de arrendamento o prédio urbano identificado na cláusula anterior.
CLÁUSULA TERCEIRA
O objecto arrendado destina-se ao exercício e prossecução do objecto da Segunda Contraente, nomeadamente a actividades de apoio social para pessoas idosas com alojamento, refeições e outros serviços de apoio aos utentes e às famílias.
CLÁUSULA QUARTA
O arrendamento é feito pelo período de 10 (dez) anos, iniciando-se neste primeiro dia de Março do corrente ano dois mil e dez, podendo eventualmente haver renovação por períodos de 3 (três) anos, tudo de acordo com o estipulado no artigo 123, nº 1 e demais normas aplicáveis do NRAU.
CLÁUSULA QUINTA
A renda anual a pagar pelo arrendatário é de € 84.000.00 (oitenta e quatro mil euros), a liquidar mensalmente em duodécimos de € 7.000,00 (sete mil euros), a primeira contraente, podendo ser actualizável no inicio dos anos seguintes em conformidade com os coeficientes legais […]». – Cf. documento, de fls. 26 a 27 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
10) Entre 25-02-2008 e 28-03-2012, a Sociedade “DA---” tinha como objeto as atividades de apoio social para pessoas idosas com alojamento, refeições e outros serviços de apoio aos utentes e famílias – Cf. certidão permanente de pessoa coletiva, de fls. 137 a 142 do SITAF;
11) A partir de 28-03-2012, a Sociedade “DA---” passou a ter como objeto a compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, dar de arrendamento e administrar todos os bens imóveis, próprios ou alheios, rústicos ou urbanos, e todas as actividades conexas, afins e complementares com as actividades referidas – Cf. certidão permanente de pessoa coletiva, de fls. 137 a 142 do SITAF;
12) Em 2012, a Sociedade “DA---” apurou rendimentos globais no valor de € 84.700,00, dos quais € 84.000,00 correspondem ao montante das rendas pagas pela Sociedade “HI---, Lda., por referência ao documento a que se alude no ponto “8)– Cf. RIT, de fls. 16 a 23 do P.A.; Facto não controvertido;
13) Em 2013, a Sociedade “DA---” apurou rendimentos globais no valor de € 84.149,83, dos quais € 84.000,00 correspondem ao montante das rendas pagas pela Sociedade “HI---, Lda., por referência ao documento a que se alude no ponto “8)– Cf. RIT, de fls. 16 a 23 do P.A.; Facto não controvertido;
14) Em 2014, a Sociedade “DA---” apurou rendimentos globais no...

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