Acórdão nº 0156/10.4BEFUN de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 2022-06-09

Data de Julgamento09 Junho 2022
Ano2022
Número Acordão0156/10.4BEFUN
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (1 SECÇÃO)
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I – RELATÓRIO

1. “SDNM – Sociedade de Desenvolvimento do Norte da Madeira, SA” interpôs o presente recurso de revista do Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) em 7/7/2021 (cfr. fls. 1206 e segs. SITAF), o qual, concedendo provimento ao recurso de apelação que “B…………, SA”, enquanto Autora, interpusera do saneador-sentença proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal (TAF/Funchal), em 3/3/2016 (cfr. fls. 951 e segs. SITAF) – absolvera a Ré, ora Recorrente, da instância, por ilegitimidade ativa da Autora -, revogou esta decisão de 1ª instância e ordenou a baixa dos autos com vista ao seu prosseguimento.

2. Terminou as suas alegações com as seguintes conclusões (cfr. fls. 1240 e segs. SITAF):

«I. A Recorrida propôs ação contra a Recorrente, pedindo a condenação desta no pagamento de € 4.344.342,60 a título de juros de mora vencidos até integral pagamento e, caso assim não se entendesse, no pagamento de € 1.448.114,2 correspondentes à parte que lhe cabia no consórcio.
II. Pediu ainda, «sem prescindir» que fosse admitida a intervenção principal provocada das duas outras sociedades consorciadas.
III. A primeira instância indeferiu o pedido de intervenção principal provocada com fundamento que não foi alegado nenhum facto donde decorra a solidariedade.
IV. A Recorrida solicitou esclarecimento do despacho, ao qual o tribunal de primeira instância respondeu mantendo a decisão com fundamento que a solidariedade não se presume.
V. A Recorrida recorreu deste despacho, recurso que não foi admitido; não houve reclamação do despacho de não admissão.
VI. Por saneador-sentença foi julgada verificada a existência de exceção dilatória, com a consequente absolvição da Recorrente da instância; na decisão, o tribunal determinou que a Recorrida não podia demandar a Recorrente desacompanhada das outras consorciadas, por preterição de litisconsórcio necessário ativo.
VII. Ao contrário do que decidiu a segunda instância – que julgou o recurso da Autora procedente – não houve violação de caso julgado formal, porque o despacho proferido – e o esclarecimento subsequente – não se pronunciaram sobre a existência ou não de litisconsórcio; pronunciaram-se sim sobre a necessidade de a Autora alegar os factos que demostrassem a existência desse litisconsórcio, justamente porque a solidariedade não se presume.
VIII. O caso julgado reside apenas na falta de alegação dos factos relativos à solidariedade, pelo que a sentença não contradiz o(s) despacho(s) – a sentença é consequência lógica do despacho.
IX. Já que o despacho determinou que tinham de ser alegados os factos relativos à solidariedade, porque sem eles não é possível aferir ou não da existência de litisconsórcio: se tais factos não foram alegados, o incidente não podia prosseguir.
X. Ao contrário do entendimento da segunda instância, o caso julgado formal é a consolidação no processo da falta de intervenção dos demais consorciados enquanto litisconsortes, e não a possibilidade de a Autora estar sozinha em juízo e obter decisão de mérito que condenasse a Ré no pagamento do valor peticionado.

Assim, deve o acórdão proferido ser revogado e em consequência confirmar-se a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal que absolveu a Recorrente da instância».


3. A Autora/Recorrida não apresentou contra-alegações neste recurso de revista.

4. O presente recurso de revista foi admitido por Acórdão de 9/12/2021 (cfr. fls. 1284 e segs. SITAF) proferido pela formação de apreciação preliminar deste STA, prevista no nº 6 do art. 150º do CPTA, designadamente nos seguintes termos:

«(…) 6. Como vimos o TAF/FUN, por despacho de 08.10.2010 [cfr. fis. 507/508] não admitiu o incidente de intervenção principal e, ulteriormente, em sede de saneador veio, por decisão de 03.03.2016, a julgar procedente a exceção de ilegitimidade ativa da A., porquanto o que «aqui se trata é do poder de dirigir a pretensão em juízo, na falta de procuração especial, como reconhece a A. Por isso requereu a intervenção principal dos restantes membros do consórcio. Tendo a mesma sido indeferida, caberia a reação judicial adequada a esse indeferimento. ... Não se cuida aqui de questionar se a responsabilidade pela execução da obra é solidária (responsabilidade passiva). Ou se foi convencionado no contrato que os pagamentos seriam feitos à B………… que, por sua vez, seria responsável por repartir os valores recebidos pelos restantes (a B………… funciona aqui como representante, como a sociedade que trata das relações com terceiros, nada mais se tendo estipulado nos contratos). ... Questiona-se sim da sua possibilidade de estar nos autos, relativamente a questão que diz respeito a todos os membros do consórcio, sem que os demais estejam presentes e sem que a A. esteja munida de procuração especial para estar em juízo. ... E quanto a esta questão, já se chegou à conclusão que a A. não tem legitimidade para demandar em juízo a Ré, desacompanhada das outras consorciadas, sendo de julgar procedente a arguida exceção de ilegitimidade ativa por verificação de litisconsórcio necessário ativo com consequente absolvição da instância».

7. O TCA/S, em apreciação do objeto recursivo que lhe foi dirigido, revogou, por maioria, o entendimento firmado pelo TAF/FUN, considerando que este ao afirmar «que a A. não carecia de estar “acompanhada” pelas restantes membros do consórcio que chamou à causa, por via do indeferimento deste pedido, … estava vedado decidir que a A. carecia de estar em juízo “acompanhada” daqueles membros, restando-lhe apenas, em obediência ao caso julgado formal, julgar a A. parte legítima...», pelo que «a decisão recorrida violou o art. 620.º, n.º 1 do CPC e, portanto, não pode manter-se».

8. Mostra-se inequívoco que a questão decidenda e que supra se elencou, pese embora marcadamente de natureza processual/adjetiva, goza de relevância jurídica fundamental, porquanto para além de diversa ter sido a resposta dada pelas instâncias e apenas por maioria em sede do Tribunal a quo, indiciadora de alguma complexidade, a mesma assume carácter paradigmático e exemplar, já que nela se verifica capacidade de expansão da controvérsia, visto suscetível de se projetar ou de ser transponível para fora do âmbito dos autos e para outras situações futuras indeterminadas em que se coloquem questões de constituição de caso julgado e/ou da relevância dos seus efeitos na e para a tramitação e o julgamento de matéria de exceção como a em crise, apresentando, assim, interesse/relevância para a comunidade jurídica.
9. Temos, por outro lado, que ponderadas as críticas acometidas à solução acolhida no acórdão recorrido o juízo nele firmado não se apresenta, prima facie, como totalmente imune à dúvida, impondo-se que o mesmo seja alvo da devida reponderação por este Supremo, por carecido de aprofundamento e da sua devida dilucidação, de modo a, assim, serem dissipadas as dúvidas que o juízo aporta (…)».

5. O Ministério Público junto deste STA, conquanto para tanto notificado, nos termos do art. 146º nº 1 do CPTA (cfr. fls. 1292 SITAF), não se pronunciou.

6. Após vistos, o processo vem submetido à Conferência, cumprindo apreciar e decidir.

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II - DAS QUESTÕES A DECIDIR

7. Conforme resulta das conclusões das alegações da Recorrente e do Acórdão que admitiu o presente recurso de revista, constitui seu objeto decidir se o Acórdão do TCAN recorrido decidiu bem ao revogar a decisão de 1ª instância – que julgara a Autora parte ilegítima e, consequentemente, absolvera a Ré da instância – com fundamento em que esta decisão não podia manter-se por ser violadora de caso julgado formal, sobre essa questão, anteriormente firmado nos autos.
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III - FUNDAMENTAÇÃO

III. A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

8. O Ac.TCAS recorrido considerou provados os seguintes factos, com relevo para a decisão...

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