Acórdão nº 0147/23.5BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 25-01-2024

Data de Julgamento25 Janeiro 2024
Ano2024
Número Acordão0147/23.5BALSB
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (PLENO DA SECÇÃO DO CA)
Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I. Relatório
1. BB, AA, CC, DD, EE e FF, com os sinais nos autos, notificados do acórdão proferido em conferência por esta Secção em 19.10.2023, que decidiu indeferir a requerida suspensão da eficácia da Resolução n.º 55/2021 da Assembleia da República (“Concessão de honras de Panteão Nacional a GG”), vêm dele interpor recurso, tendo no final das suas alegações formulado as seguintes conclusões:
«1ª - O Acórdão recorrido, em “summaria cognitio”, julgou não verificado o "fumus boni juris” um dos requisitos dos quais o artigo 120º do CPTA faz depender a concessão da providência requerida e, considerando prejudicado o conhecimento das demais, indeferiu a suspensão de eficácia da trasladação dos restos mortais do Bisavô dos Recorrentes para o Panteão Nacional.

2ª - Este juízo encerra erro de julgamento na medida em que, ao contrário do decidido, os Recorrentes têm legitimidade para exercer o direito de fazer respeitar a vontade do falecido homenageado, melhor interpretada e feita cumprir pela geração dos Netos, também já falecidos, que, enquanto mais próximos portadores da memória do grande Escritor e mais directos intérpretes da sua vontade, acreditando nela, decidiram e fizeram conjuntamente trasladar os restos mortais de seu Avô para o cemitério de Santa Cruz do Douro. Sem oposição conhecida de qualquer herdeiro/descendente contemporâneo de tal decisão!

3ª - Essa vontade de GG, interpretada e respeitada pelos familiares da geração mais próxima dele que, conjuntamente, a fizeram cumprir é também, hoje, a vontade dos Requerentes que, em nome deles e em seu próprio nome, reclamam o respeito "...pela personalidade moral de quem morreu, no exercício de uma legitimidade que não é de quem morre mas de quem lhe sucedeu.” - sic. Acórdão citado - com tutela nos artigos 70º e 71º do CC, que o Acórdão recorrido também violou.

4ª - É nessa vontade, sucessivamente consolidada e incontestada ao longo de décadas, que reside a legitimidade dos Recorrentes, enquanto herdeiros, lato sensu, da personalidade moral do falecido, para se oporem, eficazmente, à trasladação - cfr. Acórdão do STJ de 11 de Dezembro de 2003, proferido no recurso n° 3B2523. Sob pena de violação dos artigos 70º, 71º do CC e 16º, nº 2, 17º, 18º, 20º, nº 5, 24º e 25º, da CRP.

5ª - A incindibilidade dessa herança moral e o direito de todos e cada um dos seus herdeiros à oposição à trasladação exige a unanimidade na tomada de decisão, assumindo, por isso, singular relevância quer a oposição, em 1989, de alguns Familiares (Netos e Viúva de um Neto), que bastou para impedir a trasladação dos restos mortais de GG para o Panteão, quer a decisão unânime dos Familiares - não há oposição conhecida de qualquer um deles! - de os trasladar, no mesmo ano, do Cemitério de Alto de São João para o de Santa Cruz do Douro, onde repousa, em paz, há mais de 34 anos!.

6ª - Unanimidade que encontra eco na natureza incindível quer da herança moral dos direitos de personalidade do seu falecido Bisavô, como acima defendido, quer dos seus restos mortais, pertenças de todos os descendentes, que são os únicos titulares do direito a deles disporem, em conjunto, como resulta da norma do artigo 2091º do CC. Norma que o Tribunal recorrido considerou inaplicável no caso e que, por isso, também violou.

7ª - Os restos mortais do Bisavô dos Requerentes não pertencem à Assembleia da República nem à Fundação ...: eles materializam, na contingente realidade das coisas terrenas, um acervo indivisível, enquanto tal transmissível e pertencente a todos os descendentes, e, nessa qualidade, com legitimidade, também incindível para decidir sobre o seu destino.

8ª - A regra de qualquer herdeiro ou descendente contemplada no artigo 3º do Decreto-Lei n° 411/98, de 30 de Dezembro reporta-se apenas, no contexto do diploma em causa, que regula o direito mortuário, à legitimidade para formalizar o pedido inaugural do processo com vista à autorização para a trasladação. Que pode ser apresentado por qualquer herdeiro.

9ª - Regra articulável e conciliável com a regra da unanimidade, única forma de evitar "eventuais conflitos pessoais entre os diversos herdeiros, numa clara e censurável instrumentalização dos restos mortais alvo de disputa, contrariando os princípios da certeza e segurança que devem presidir à prática de qualquer acto jurídico, assim como o respeito à memória das pessoas já falecidas e, em última instância, do interesse público em actos desta natureza." - sic. Recomendação do Provedor de Justiça. Conflitos, instrumentalização e, sobretudo, respeito à memória de pessoa falecida que a regra da maioria é incapaz de evitar e suprir.

10ª - Como se afirma no Acórdão nº 00007/21.4BEVIS, “É certo que a alínea d) do nº 1 do artigo 3º [do Decreto-Lei n° 411/98, de 30 de Dezembro] refere que qualquer herdeiro pode requerer a prática dos atos aí regulados, mas tal não pode ser desligado do facto de os Autores e os contra-interessados possuírem todos a qualidade de herdeiros, por serem seus filhos, netos e bisnetos (cfr. artigo 2133º do Código Civil).
Deste modo, todos - Requerentes e contra-interessados - possuem igual legitimidade para a prática dos actos aí elencados, sendo todos eles em conjunto titulares desses direitos.
Deste modo, numa análise meramente perfunctória própria dos processos cautelares, está em causa um direito que deve ser exercido por todos, não podendo um deles sobrepor a sua vontade sobre os demais, nos termos em que resulta do artigo 2091º do Código Civil. Assim sendo, mesmo que reunidas as demais condições para o efeito, existindo oposição dos contra-interessados na exumação e trasladação dos restos mortais de..., não é provável que os Requerentes possam obter na ação principal a condenação à prática do ato que pretendem, porque para tanto afigura-se ser exigível o acordo de todos os herdeiros.” - sic.

11ª - A exigência de unanimidade pretende obstar à possibilidade de trasladações, juridicamente inaceitável, consoante a vontade das maiorias que futuramente e a todo o tempo se possam vir a formar. De resto, a dita Recomendação do Provedor de Justiça na qual se funda o Acórdão recorrido - que dá prioridade à promoção de iniciativa que vise obter o consenso que evite a trasladação - também afirma o reconhecimento de que "uma trasladação (no nosso caso, a terceira!!!) mesmo que legalmente consentida, deve ser sempre um ato a praticar no limite da necessidade, não tanto pelos motivos de salubridade, que sempre ficaria salvaguardada, mas também pelo respeito que devem merecer os restos mortais, sujeitos à mínima intervenção possível, e à penosidade que sempre poderá acarretar tal operação para familiares e amigos dos defuntos.” - sic.

12ª - A preterição da consulta dos Recorrentes sobre a iniciativa da trasladação era imperativa [sic], porque ingere diretamente na decisão enquanto seu pressuposto essencial e necessário, decisão que não pode ser tomada sem a concordância de todos os Bisnetos de GG, sob pena de nulidade, por ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental. […]

13ª - Consequentemente, deve ser revogado o Acórdão recorrido por violação de lei, designadamente dos artigos 70º e 71º, nºs 1 e 2 e 2091º do Código Civil, 6º, nº 2, 17º, 18º, 20º, nº 5 e 25º, n° 1 da Constituição da República Portuguesa e 161º, nº 2,alíneas d) e l), do CPA.
Uma vez revogado deve ser substituído por outro que julgue verificado, ainda que em summaria cognitio, o requisito fumus boni juris. E, nada obstando, conheça e julgue também verificados os dois outros requisitos dos quais o artigo 120º do CPTA faz depender a concessão da providência requerida:
A) O periculum in mora decorrente da iminência da execução da trasladação: a remoção da urna contendo os restos mortais de GG - que não pertencem à Assembleia da República nem à Fundação ..., mas a todos os herdeiros e, nessa medida, submetidos à disciplina sucessória do artigo 2091º do CC - a remoção da urna contendo os restos mortais de GG esteve já agendada para o passado dia 27 de Setembro de 2023. A consumar-se (o que só não aconteceu devido à manutenção precária do efeito suspensivo da instauração da providência cautelar e à não apresentação de Resolução Fundamentada), consumar-se-á também a lesão irreversível do direito dos Requerentes, quer i) enquanto legítimos defensores do direito do homenageado seu Bisavô e da geração anterior de Netos, todos já falecidos, que conjuntamente promoveu a trasladação dos seus restos mortais de Lisboa para Santa Cruz do Douro, quer ii) enquanto grupo de Familiares que a tal se vêm opondo em representação e na defesa da vontade daqueles e da sua própria vontade; e
B) A proporcionalidade entre os interesses contrapostos: é evidente que a suspensão da trasladação não tem qualquer potencialidade lesiva nem aptidão danosa para o interesse público, quer para a AR quer até para a própria Fundação e Bisnetos que apoiem a trasladação. Por outro lado, o prejuízo decorrente do diferimento da trasladação para momento ulterior é ostensivamente insignificante face ao que haveria de produzir-se com a consumação da trasladação. Não só os restos mortais se encontram depositados há mais de 34 anos em Santa Cruz do Douro, como também a trasladação, a consumar-se, será irreversível, sob pena de cobrir de ridículo e de vergonha quem, após o seu depósito no Panteão promovesse e acompanhasse nova trasladação (a quarta!) de volta a Santa Cruz do Douro, em imperdoável afronta da dignidade e do respeito devidos à memória de GG. […]

14ª - Reafirma-se que não está nem nunca esteve em causa a concessão de honras de Panteão a GG nem o respeito devido a todos quantos ali merecidamente jazem pelo exemplo, distinção e dignidade da sua vida e pela genialidade e projeção da sua obra!!!
Apenas se pretende e pede a substituição da...

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