Acórdão nº 0146/12.2BESNT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 21-09-2022

Data de Julgamento21 Setembro 2022
Ano2022
Número Acordão0146/12.2BESNT
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (2 SECÇÃO)
Apreciação preliminar da admissibilidade do recurso excepcional de revista interposto no processo n.º 146/12.2BESNT
Recorrente: “ A……………., S.A.”
Recorrida: Autoridade Tributária e Aduaneira

1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade acima identificada, inconformada com o acórdão proferido nos presentes autos pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 28 de Abril de 2022 – que, negando provimento ao recurso por ela interposto, decidiu manter as liquidações adicionais de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas dos anos de 2007, 2008 e 2009, efectuadas após correcções decorrentes da aplicação da taxa de tributação autónoma sobre as despesas confidenciais –, dele interpôs recurso de revista excepcional, ao abrigo do art. 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

1.2 A Recorrente apresentou as alegações de recurso, com conclusões do seguinte teor:

«1. A questão central do presente recurso radica em saber se as despesas confidenciais, realizadas exclusivamente no âmbito da actividade de exploração de jogo, podem ser sujeitas a tributação em sede de IRC, sendo que na análise deste tema o TCAS pronunciou-se incorrectamente sobre três aspectos fundamentais.

2. Em primeiro lugar, desconsiderou totalmente as características e o regime substitutivo associado à criação do Imposto Especial de Jogo, o único imposto à qual a ora Recorrente deve ser sujeita por força do desenvolvimento da actividade de exploração do jogo.

3. A aplicação do Imposto Especial de Jogo apresenta uma natureza exclusiva que impede a sua cumulação com qualquer outra tributação, geral ou local, relativa ao exercício da actividade de exploração do jogo, tal como resulta da norma de delimitação negativa de incidência consagrada no artigo 84.º, n.º 2, da Lei do Jogo.

4. Ao circunscrever a delimitação negativa de incidência apenas aos tributos de origem municipal, o TCAS faz uma interpretação que, por um lado, não tem amparo na letra da lei e que não é compatível com as características do Imposto Especial de Jogo e que, por outro lado, ignora que os artigos 92.º e 93.º da Lei do Jogo apresentam um carácter instrumental face ao artigo 84.º, n.º 2 da Lei do Jogo e que reforçam o objectivo legislativo subjacente a esta norma,

5. Por seu turno, ao afirmar que cumulação da tributação autónoma com o Imposto Especial de Jogo é justificada porque o regime deste imposto não se destina a reger a tributação da despesa, o TCAS desconsidera que o Imposto Especial de Jogo é um verdadeiro monotributo que tem a função de substituir a generalidade dos impostos sobre o rendimento e sobre a despesa potencialmente aplicáveis às entidades que desenvolvem a actividade de exploração do jogo, tal como decorre do artigo 7.º do Código do IRC e do artigo 9.º, n.º 31 do Código do IVA.

6. Em segundo lugar, ao contrário do que resulta do entendimento do TCAS, a tributação autónoma não pode ser configurada como um simples imposto indirecto sobre a despesa que, enquadrado num regime próprio, vise onerar a capacidade contributiva manifestada pela simples realização de um determinado gasto no momento em que este é efectuado.

7. A evolução histórica da tributação autónoma e a sua inserção sistemática no âmbito do IRC é desconsiderada pelo TCAS, ainda que a reforma fiscal de 2014 tenha contribuído para o reforço da integração, material e formal, deste instituto no quadro deste imposto, tal como resulta do aditamento do artigo 23.º-A, n.º 1, alínea a) ao Código do IRC.

8. Com efeito, a tributação autónoma apresenta uma natureza instrumental enquanto mecanismo de controlo e moralização da tributação do rendimento, que visa assegurar que este não é negativamente afectado por comportamentos abusivos dos contribuintes e que a capacidade contributiva das empresas não é artificialmente reduzida.

9. Tendo em conta que o Imposto Especial de Jogo incide sobre as receitas brutas e não sobre os lucros, a tributação da ora recorrente mostra-se completamente alheia ao princípio da capacidade contributiva, pelo que, nem sequer num plano abstracto, a ora recorrente deveria ser sujeita a tributação autónoma.

10. A não sujeição a tributação autónoma é reforçada pela circunstância de ter ficado provado que as despesas foram realizadas com o objectivo de angariar clientes, pelo que estes gastos foram absolutamente indispensáveis para a obtenção de receitas que, posteriormente, foram tributadas em sede de Imposto Especial de Jogo, inexistindo por parte da ora Recorrente qualquer tipo de prática abusiva ou finalidade de elisão fiscal.

11. Em terceiro lugar, o TCAS ignora que, à data dos factos, não existia uma norma de incidência que permitisse a sujeição a tributação autónoma das entidades enquadradas no âmbito do artigo 7.º do Código do IRC, visto que sustenta que a Lei do Orçamento do Estado para 2012 não tem um carácter inovador, tendo-se limitado a agravar as taxas de tributação autónomas às quais estas entidades já estavam potencialmente sujeitas.

12. Não acompanhamos o raciocínio do TCAS, uma vez que a norma invocada pela Autoridade Tributária – o artigo 82.º, n.º 1 do Código do IRC, que corresponde ao actual artigo 88.º, n.º 1 – tem um escopo de aplicação muito limitado que visa abranger, apenas e só, os sujeitos passivos enquadrados no âmbito do regime geral de IRC, isto é, os sujeitos passivos que são efectivamente tributados em sede de IRC pelos lucros obtidos por força das actividades comerciais, industriais ou agrícolas que desenvolvem a título principal.

13. A ora Recorrente não se enquadra – nem se poderia enquadrar – neste regime, uma vez que, não obstante o requisito subjectivo de incidência estar verificado, o requisito de incidência real de IRC não é preenchido, por beneficiar da delimitação negativa prevista no artigo 7.º do Código do IRC.

14. Na verdade, só com a aprovação da Lei do Orçamento do Estado para 2012 e com o consequente aditamento ao número 2 do actual artigo 88.º do Código do IRC, é que as despesas confidenciais ou não documentadas realizadas por sujeitos passivos cuja actividade é tributada em sede de Imposto Especial de Jogo passaram a ser sujeitas, à taxa de 70%, a tributação autónoma.

15. Assim, à data dos factos, não existia uma norma de incidência que contemplasse expressamente a possibilidade de sujeitar a tributação autónoma a ora Recorrente, sendo que sustentar que a tributação autónoma decorria da aplicação do n.º 1 do referido artigo é fazer uma interpretação de uma norma de incidência de forma tão extensiva ao ponto de alargar o seu âmbito de aplicação a entidades que não estão abarcadas nem pela letra nem pelo espírito da previsão legal, pelo que, esta interpretação do TCAS configura uma inequívoca violação do princípio da tipicidade fiscal previsto no artigo 103.º, n.º 2 da CRP, na medida em que subsume a uma norma de incidência subjectiva a situação de um...

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