Acórdão nº 01438/03.7BALSB-C de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 23-02-2023

Data de Julgamento23 Fevereiro 2023
Ano2023
Número Acordão01438/03.7BALSB-C
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (PLENO DA SECÇÃO DO CA)
Acordam em conferência no Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Relatório

1. O “MINISTÉRIO PÚBLICO (MP)”, vem interpor recurso para este Pleno do Acórdão proferido em 22/9/2022 pela Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo (cfr. fls. 1240 e segs. SITAF), que, em autos de execução de Acórdão deste Pleno de 20/1/2011, decidiu:

«A) fixar a indemnização devida aos Exequentes pelo facto de inexecução do acórdão do STA de 20.01.2011 in proc° n° 1438/03-11, fls. 943-958 e subsequente convolação assente em causa legítima de inexecução declarada nos presentes autos de execução por acórdão do STA de 17.01.2013 a fls. 312-315 dos presentes autos, no montante de 473.035,57 euros (quatrocentos e setenta e três mil e trinta e cinco euros e cinquenta e sete cêntimos);

B) determinar que no cumprimento unitário da obrigação indemnizatória devida pelo facto da inexecução do efeito repristinatório (art° 166° CPTA) são devedores solidários o Município da Batalha e o Estado através do Ministério competente segundo a orgânica governativa por reporte competencial referente à emissão da DUP/18.03.1980, nos termos expostos».

2. O Recorrente “MP” rematou as suas alegações com as seguintes conclusões (cfr. fls. 1287 e segs. SITAF):

«I – Recorre o Ministério Público em defesa da legalidade do douto Acórdão com data de 22.09.2022, na parte em que determinou a condenação do Estado através do Ministério competente em função da orgânica governativa com referencia à data da emissão da Declaração de Utilidade Pública (18.03.1980), como devedor solidário, a par do Município da Batalha, no pagamento de uma indemnização na importância de € 473.035,57, de acordo com o disposto no artigo 166º, do CPTA, pela inexecução do efeito repristinatório decorrente da anulação do ato que indeferira o pedido de reversão do prédio pertencente aos exequentes AA e Outros, e que fora objeto de expropriação.

II – Como se procurará demonstrar, e salvo o devido respeito, o douto Acórdão recorrido enferma de nulidade ao estabelecer a condenação do Estado através do Ministério competente, como devedor solidário nos termos indicados, isto sem que o mesmo quae tale tivesse tido intervenção como parte processual, ou seja, sem que tivesse sido citado ou notificado por qualquer forma, e na pessoa do seu legal representante em juízo, o Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal, para intervir no processo, designadamente para contradizer a pretensão formulada em juízo pelos Exequentes.

III – Sucede ainda que, e em função da natureza do processo, o de execução de julgado anulatório, o Estado sempre careceria de legitimidade processual (passiva) para intervir na lide por não ter sido parte no meio processual pré-executivo, no recurso contencioso de anulação, e nem na subsequente execução de julgado do Acórdão do Pleno deste Tribunal, com data de 20.01.2011, que confirmara o Acórdão de 10.09.2009, pelo qual fora anulado o despacho ministerial com data de 11.04.2003, que indeferira o pedido de reversão apresentado pelos Exequentes na data de 14.02.1994.

IV – E não fora também parte no incidente subsequente ao Acórdão proferido na presente instância, na data de 17.01.2013, pelo qual foi declarada a existência de causa legítima de inexecução da decisão anulatória, e determinada a notificação das partes nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 178º, nº 1, do CPTA, com a consequente modificação objetiva da instância.

V – Por outro lado, imputa-se ainda ao douto Acórdão recorrido, um outro vício, o de erro de julgamento de direito, por nele se ter considerado que a responsabilidade pelo cumprimento da obrigação de indemnizar os Exequentes, em função da inexecução do douto Acórdão anulatório, recaía em termos solidários quer sobre o Estado através do Ministério competente, e quer também sobre o Município da Batalha.

VI – É que, a nosso ver, será de considerar o Município da Batalha como o único e exclusivo responsável pela obrigação de indemnizar os Exequentes, por ser o mesmo o responsável pela inexecução da decisão anulatória, isto porque, enquanto entidade expropriante e beneficiário da expropriação, inviabilizou o regresso à posse e propriedade dos Exequentes do prédio que fora objeto de expropriação, ao proceder a uma operação urbanística da qual resultou a transformação do prédio em causa, tanto física como juridicamente, o que tornou impossível a reversão antes mesmo da apresentação do pedido pelos Exequentes.

VII – Ora, e quanto ao primeiro vicio que se imputa ao douto Acórdão recorrido, decorrente da condenação do Estado através do Ministério competente, cremos ser de precisar que muito embora a palavra Estado tenha várias aceções (cfr. Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, 2ª edição, Almedina, p. 211/213), desde uma aceção internacional a uma aceção constitucional, o certo é que em sede de contencioso administrativo a aceção Estado configura uma pessoa coletiva de direito público, de população e território, que se não confunde nem com o Governo e nem com os Ministérios.

VIII – Em sede de contencioso administrativo a designação Estado, reporta-se a uma pessoa coletiva pública, que dispõe de personalidade judiciária e é representado em juízo pelo Ministério Público, de acordo com o disposto nos artigos 3º, nº 1, alínea a), e 5º, nº 1, alínea a), ambos do Estatuto do Ministério Público (na versão aprovada pela Lei nº 47/86, de 15 de Outubro, e em vigor na data da declaração de justa causa de inexecução do acórdão anulatório), o que significa que a imposição pelo douto Acórdão recorrido da obrigação de pagamento de uma indemnização solidária em favor dos Exequentes pelo Estado, ainda que por reporte ao Ministério competente com referência à data da emissão da Declaração de Utilidade Pública, impunha que o mesmo tivesse tido intervenção no processo como parte processual, representado pelo Ministério Público, enquanto seu representante, o que não sucedeu, pelo que a sua condenação nesses termos constitui uma nulidade.

IX – A decisão de atribuir a responsabilidade solidária do Estado pelo pagamento da indemnização em favor dos Exequentes, com o que se não concorda, pressupõe a consideração do quadro factual dado por assente no probatório do douto Acórdão recorrido, muito em particular dos factos referenciados nas alíneas C, D, E, F e G, de que a seguir se sumariam os seguintes para melhor enquadramento do subsequente vicio que se coloca à douta consideração do tribunal ad quem.

É assim que temos que:

(D) da operação urbanística de loteamento efetuada pelo Município da Batalha na parcela 14 resultaram no sector B os lotes 5, 6, 7 e 8, e no sector C os lotes 4 e 5, que foram vendidos por escritura pública de 05.04.1990, e os lotes do sector C, vendidos por escrituras de 19.02.1992 e 21.08.1992, vendas essas efetuadas para o mercado privado de construção, para habitação e comércio.

(E) na data de 14.02.1994 os ora Exequentes requereram a reversão do prédio expropriado.

X – Ora, será de considerar que foi o Município da Batalha que inviabilizou a reversão pedida pelos Exequentes, isto porque deu um fim diverso ao prédio expropriado relativamente ao que presidira à Declaração de Utilidade Pública, ao proceder à implementação de uma operação urbanística e à venda para o mercado privado de vários lotes, o que foi concretizado pelas escrituras públicas outorgadas nas datas de 05.04.1990, 19.02.1992 e 21.08.1992, ou seja, no momento em que os Exequentes requereram a reversão do prédio expropriado, a 14.02.1994, ela já era então impossível, por impossibilidade objetiva, porque o prédio que fora expropriado inexistia física e juridicamente.

XI – Ou seja, o que inviabilizou a reversão da expropriação não foi o despacho com data de 22.10.1995, da autoria do Ministro do Planeamento e da Administração do Território, pelo qual foi arquivado o pedido de reversão, e nem também o posterior despacho com data de 11.04.2003, da autoria do Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, que indeferiu aquele pedido e que foi posteriormente anulado em sede contenciosa pelo Acórdão do STA, com data de 27.10.2004, com fundamento no efetivo desvio do fim público que presidira à expropriação.

XII – A indemnização arbitrada por inexecução legítima do julgado anulatório, como é o caso, não tem a natureza de uma indemnização por danos causados por uma atuação ilegal da Administração, que tem o seu assento em sede de responsabilidade civil por facto ilícito, à luz do disposto na Lei nº 67/2007, de 31 de dezembro, mas antes num outro tipo conceptual.

XIII – É que, e como refere o Conselheiro António São Pedro [A execução das sentenças dos tribunais administrativos e fiscais na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (algumas questões práticas), Ebook Direito Administrativo, Edição CEJ, Agosto de 2014, p. 31], estamos aqui perante uma obrigação de indemnizar que resulta de uma causa legítima da inexecução da sentença, isto porque o dever de prestar correspondente à execução do julgado anulatório não é mais possível em função de uma razão de ordem pública, a causa legítima da inexecução.

XIV – Está em causa um tipo de responsabilidade para a qual se não exige culpa, porque é de considerar legítima a impossibilidade de cumprir com a obrigação natural, mas, em todo o caso é de exigir um nexo de causalidade. Neste tipo de responsabilidade a obrigação do Município da Batalha, que consistia na obrigação de restituir o prédio extinguiu-se, com o que ficou desonerado de o entregar, mas sujeito de outra obrigação, a de indemnizar os Exequentes.

XV – Como refere Diogo Freitas do Amaral (A Execução das Sentenças dos Tribunais Administrativos, 2ª edição, Almedina, p. 246), importa não confundir a indemnização por prejuízos causados pelo ato administrativo ilegal,...

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