Acórdão nº 01382/14.2BEBRG 0528/17 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 10-04-2024

Data de Julgamento10 Abril 2024
Ano2024
Número Acordão01382/14.2BEBRG 0528/17
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (2 SECÇÃO)

ACÓRDÃO

1. RELATÓRIO

1.1. A Impugnante, A..., S.A., doravante Recorrente, notificada da sentença em que, julgando-se parcialmente improcedente a Impugnação Judicial, foi mantida na ordem jurídica a liquidação impugnada na parte relativa à não consideração do custo fiscal para correcção de exercício anterior no valor de € 302.241,18 contabilizado no ano fiscal de 2009 - veio recorrer para este Supremo Tribunal.

1.2. Admitido o recurso, a Recorrente apresentou a respectiva motivação, aí concluindo nos seguintes termos:

«I. Com o devido respeito, e que é muito, entende a apelante que o douto Tribunal a quo se houve em violação da lei por erro sobre os pressupostos em violação do princípio da justiça e da proporcionalidade.

II. A recorrente colocou-se, no exercício de 2006, na situação de “responder” fiscalmente sobre expectativas de rendimento (de proveitos potenciais) de 2.759.723,07 € e não sobre rendimentos efectivos, tendo pago, por ter inscrito na sua contabilidade essa expectativa de rendimento em IRC 747.356,85 €, conforme doc. n.º 10 dos autos.

III. Pagou esse IRC nesse montante, tendo concorrido para o cálculo do montante a quantia de 302.241,18 € (factos provados sob o n.º 8-46 da douta sentença).

IV. Ora, veio a verificar-se que essas expectativas de rendimento não se verificaram na totalidade, tendo remanescido 302.242,18 € que não havia hipótese, por referência à data da apresentação do exercício de 2009, de se transformarem de potenciais em efectivos.

Por isso,

V. A recorrente, tal como inscreveu na sua contabilidade por referência ao exercício de 2006, os factos relevantes que determinaram a tributação por expectativa de rendimentos, no ano de 2009, pela sua definitiva não verificação, inscreveu na sua contabilidade os factos relevantes que necessariamente assumiram a natureza de custos (por oposição ao que tinha sucedido em 2006, que tiveram a natureza de proveitos),

VI. Pelo que a recorrente tinha direito à correcção em sentido inverso (diminuindo o montante das expectativas desses proveitos que se não verificavam à matéria tributável declarada) no ano de 2009, impondo-se esse entendimento como concretização do princípio da justiça.

VII. A impugnante não desconhece que existe o princípio da especialização económica dos exercícios,

VIII. Mas o princípio da especialização económica dos exercícios não pode sobrepor-se ao direito inalienável da impugnante não ser tributada por ganhos/proveitos que não obteve,

IX. E também não pode sobrepor-se ao direito constitucional ínsito no artigo 104., n.º 2 da CRP de que a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real.

X. Inicialmente, a AT insinuou que essa situação decorreria da anulação de serviços prestados mas não facturados, acabando por abandonar tal inusitada quanto descabida insinuação e acantonar-se num indeferimento a coberto do princípio da especialização económica dos exercícios, consagrado nos n.ºs 1 e 2 do artigo 18.º do CIRC.

XI. Desta forma, a AT reconheceu que essas meras expectativas não tinham que ser relevadas, do ponto de vista fiscal, no exercício de 2006, tanto mais que anulou a liquidação adicional de IVA ao ano de 2007, que corporiza o Anexo 2 ao citado doc. n.º 6, e o mesmo entendimento perpassa no ponto 3.2 da Informação n.º ...4 anexa do citado doc. n.º 1.

XII. E de tal reconhecimento resulta inequivocamente que a impugnante pagou imposto que não devia ter pago ou que não lhe era exigível no quadro normativo fiscal, que pagasse.

XIII. A impugnante, no exercício de 2009, considerou a não realização daquelas meras expectativas e levou tal montante de 302.241,18 € a perdas.

XIV. Ora, a AT não sancionou tal montante como uma perda ocorrida em 2009, o que leva ao bizarro raciocínio e conclusão de que a AT age de acordo com “dois pesos e duas medidas”, ou seja, reconheceu o carácter potencial dos proveitos como tal não relevantes do ponto de vista fiscal, tendo assumido, porém, que a perda ocorrida em 2009 não deveria concorrer para o apuramento do lucro tributável deste exercício, não obstante o ganho (potencial) relevado em 2006 ter concorrido para o apuramento do lucro tributável de 2006.

XV. O princípio da especialização económica dos exercícios/periodização do lucro tributável com tradução no SNC e no CIRC, como não podia deixar de ser, expressa o rigor com que a contabilidade e a fiscalidade devem assumir no sentido de que o resultado do período seja a expressão do balanceamento entre a totalidade dos ganhos e das perdas que ao mesmo sejam de imputar, com salvaguarda daqueles que, no termo do período, sejam manifestamente desconhecidos ou imprevisíveis.

XVI. O princípio da especialização não deve ser entendido e aplicado da forma dura e pura como está reflectido na douta sentença, devendo merecer alguma flexibilidade sempre que do respectivo incumprimento não resulte prejuízo para a economia do imposto em relação ao sujeito activo da relação jurídico-tributária, no caso a Fazenda Nacional.

XVII. Este o sentido da jurisprudência do STA, conforme, entre outras, as decisões constantes de:

Acórdão de 05.02.2003, Proc. n.º 01648/02

Acórdão de 25.01.2006, Proc. n.º 0830/05

Acórdão de 02.04.2008, Proc. n.º 0807/07

Acórdão de 25.06.2008, Proc. n.º 0291/08

Acórdão de 09.05.2012, Proc. n.º 0269/12

Acórdão de 08.08.2012, Proc. n.º 0806/12

Acórdão de 21.11.2012, Proc. n.º 0809/12

a jurisprudência referenciada aponta sempre no sentido de que não põe em causa o princípio da especialização económica dos exercícios, a imputação a um exercício, de custos ou ganhos referentes a outros exercícios, desde que não resulte de omissões voluntárias e intencionais com vista a operar transferência de resultados entre exercícios, devendo o mesmo tendencialmente conformar-se e ser interpretado de acordo com o princípio da justiça, com previsão no art. 55º da LGT.

XVIII. O alcance das decisões jurisprudenciais apenas tem como sentido que, tendo o sujeito passivo incorrido em erros na aplicação do princípio da especialização, não serão de efectuar quaisquer correcções (pela Administração Fiscal) no apuramento do lucro tributável, sempre que dos referidos erros ele seja o único prejudicado.

XIX. Ora, foi precisamente o que aconteceu no caso em apreço, tendo da antecipação de ganhos, ainda por cima potenciais, saído como beneficiária tão somente a Fazenda Nacional, uma vez que tal determinou em 2006 o pagamento de imposto (aliás, muito superior, como é facto notório, ao devido).

XX. A impugnante não usufruiu quaisquer vantagens económicas ao contabilizar as referidas meras expectativas daquele valor de 302.241,18 €, em 2006, como proveitos potenciais,

XXI. Pois, de tal contabilização daquele valor de 302.241,18 €, resultou tão só pagamento efectivo de imposto, mas que não teve na matriz qualquer proveito.

XXII. Na realidade, o Acórdão 0291/2008, de 25.06.2008, da 2ª Secção do STA, defende objectivamente que:

i. “Há, nesta situação, dois deveres a ponderar, ambos com cobertura legal: um é o de repor a verdade sobre a determinação da matéria colectável dos exercícios referidos, dando execução ao princípio da especialização, reposição essa que a administração fiscal deve efectuar mesmo que não lhe traga qualquer vantagem; outro é o de evitar que a actividade administrativa se traduza na criação de uma situação de injustiça”.

para logo afirmar:

b. “Entre esses dois valores, designadamente nos casos em que a administração fiscal não teve qualquer prejuízo com o erro praticado pelo contribuinte, deve optar-se por não efectuar a correcção, limitando aquele dever de correcção por força do princípio da justiça”.

concluindo no sentido de que:

c. “Consequentemente, serão de considerar anuláveis, por vício de violação da lei, actos de correcção da matéria tributável que conduzam a situações injustas deste tipo”.

XXIII. Não se trata de situação em que a antecipação de ganhos beneficiasse o sujeito passivo, pois não se verifica

• A utilização do reporte de prejuízos fiscais que doutra forma se esgotaria;

• A utilização de deduções à colecta, nomeadamente crédito de imposto por dupla tributação internacional, benefícios fiscais, etc., que face à insuficiência da colecta se perderiam.

XXIV. O incumprimento em termos de SNC, penalizado de acordo com o previsto no art. 121º do RGIT, em nada interfere no sentido da jurisprudência, toda ela direccionada para o apuramento do lucro tributável.

XXV. Aliás, a própria doutrina administrativa, conforme Ofício Circulado n.º ...3, de 23.11, também é expressão do sentido da melhor jurisprudência, ao determinar que compete aos Serviços de Fiscalização no âmbito de acção inspectiva o controlo da matéria colectável do contribuinte, devendo os mesmos, sem prejuízo da penalidade ao caso aplicável, fazer as correcções adequadas ao resultado líquido do exercício a que os custos ou proveitos digam respeito, quando, nos termos do art. 18º do CIRC, não sejam consideradas componentes negativas ou positivas do lucro tributável do exercício da sua contabilização.

XXVI. Assim sendo, como é o caso, apenas são de efectuar correcções à matéria colectável no âmbito do princípio da periodização do lucro tributável quando do respectivo incumprimento resulte prejuízo para a Fazenda Nacional.

XXVII. Sendo este o sentido da jurisprudência do STA, com a particularidade de, havendo correcções, precisamente pelo facto do incumprimento determinar prejuízo para a Fazenda Nacional, dever a autoridade tributária proceder aos ajustamentos correlativos aos períodos de tributação a que os gastos ou ganhos digam respeito.

XXVIII. Resulta, assim, que se impõe, de acordo com os comandos legais ínsitos no artigo 266.º, n.º 2 da CRP e 50.º e 55.º da LGT, considerar como perda ocorrida em 2009 a mera expectativa do montante de 302.241,18 €, contabilizada como proveito em 2006 e do qual se pagou o respectivo imposto.

XXIX....

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