Acórdão nº 01327/10.9BEPRT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 2023-11-08

Data de Julgamento08 Novembro 2023
Ano2023
Número Acordão01327/10.9BEPRT
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (2 SECÇÃO)
Processo n.º 1327/10.9BEPRT (Recurso Jurisdicional)
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. RELATÓRIO

“A..., CRL.”, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 13-06-2022, que julgou improcedente a pretensão pela mesma deduzida no presente processo de IMPUGNAÇÃO relacionado com as liquidações de imposto de selo e juros compensatórios de 2006, no montante total de € 340.241,65 bem como as liquidações de imposto de selo e juros compensatórios de 2007, no montante total de € 334.002,06 (Proc. nº 2701/10.6BEPRT entretanto apensado a estes autos), pedindo, em qualquer dos casos, a anulação das liquidações e a restituição das prestações do imposto de selo entretanto pagas, acrescidas dos juros indemnizatórios.

Formulou nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“ (…)

A) O presente recurso tem por objeto a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em 13 de junho de 2022, que decidiu julgar improcedente a impugnação judicial apresentada, pela RECORRENTE, contra os atos de liquidação de Imposto do Selo n.º ...26, no montante de € 299.922,67, e correspondentes liquidações de juros compensatórios, respeitantes ao ano de 2006, no montante global de € 340.241,65, bem como a impugnação apresentada contra os actos tributários de liquidação de Imposto do Selo e de juros compensatórios respeitantes ao ano de 2007, no respetivo montante global de € 344.002,06, subjacentes ao processo de impugnação judicial n.º 2701/10.6BEPRT apenso.

B) Em discussão nesses Autos está a questão de saber se, atento o disposto no artigo 8.º, n.º 2, do Estatuto Fiscal Cooperativo - deveria ter sido aplicada uma taxa de 0,5% sobre o montante de cada letra emitida pela RECORRENTE (como entende a Administração tributária e o Tribunal a quo) ou se o imposto devido corresponde, antes, ao montante de € 1,00 (um euro) por cada letra sacada (como entende a RECORRENTE).

C) Para decidir como decidiu, o Tribunal a quo limitou-se a referir que «[s]obre esta questão pronunciou-se o acórdão do STA de 16.5.2018, proc. Nº 01437/16, cuja tese sufragamos», transcrevendo o teor da parte do Acórdão identificado que respeitava à referida questão.

D) Sucede que a Sentença proferida pelo Tribunal a quo (e o Acórdão em que a mesma se fundou) padecem de erro de julgamento sobre a matéria de direito, violando, como se verá, as disposições conjugadas do artigo 8.º, n.º 2, do Estatuto Fiscal Cooperativo e da Verba 23.1 da Tabela de Imposto do Selo, na redação em vigor à data dos factos.

E) Com efeito, o Estatuto Fiscal Cooperativo, aprovado pela Lei n.º 85/98, de 16 de dezembro, foi criado com o intuito de criar vantagens ou benefícios às cooperativas no exercício da sua atividade, sendo-lhes, aliás, expressamente reconhecido, como um dos respetivos princípios gerais de aplicação, a «discriminação positiva» no específico sentido de o respetivo regime fiscal dever, «em função das prioridades de desenvolvimento económico-social, conceder um tratamento de apoio e incentivo ao sector cooperativo» (cf. respetivo artigo 2.º).

F) No que, em concreto, diz respeito ao Imposto do Selo, ficou previsto, no artigo 8.º, n.º 2, do Estatuto Fiscal Cooperativo, um desagravamento fiscal especial relativo ao imposto devido pela emissão de letras, prevendo-se que, «[p]elas letras e outros títulos de crédito em que intervenham na qualidade de sacador, as cooperativas ficam sujeitas a imposto do selo pela taxa mínima».

G) Nas palavras da própria Administração tributária, «(…) o legislador, ao contemplar tal benefício no EFC, fê-lo com o objectivo/propósito de conceder às cooperativas um desagravamento fiscal nas operações sujeitas a imposto do selo» (cf. pp. 29 e 30 do Relatório de Inspeção).

H) Ora, na data em que a norma de desagravamento fiscal prevista no artigo 8.º, n.º 2, do Estatuto Fiscal Cooperativo foi aprovada, encontrava-se em vigor (i) o Regulamento do Imposto do Selo, aprovado pelo Decreto n.º 12:700, de 20 de novembro de 1926, da 1.ª Repartição Central da Direcção Geral das Contribuições e Impostos e (ii) a Tabela Geral do Imposto do Selo, aprovada pelo Decreto n.º 21:916, de 28 de novembro de 1932, da Direcção Geral das Contribuições e Impostos.

I) Significa isto que, para a concretização do desagravamento fiscal previsto no artigo 8.º, n.º 2, do Estatuto Fiscal Cooperativo, era necessário recorrer à aplicação de normas especificamente previstas nos referidos Regulamento do Imposto do Selo e Tabela Geral do Imposto do Selo aplicáveis à data.

J) Ora, o artigo 101 da referida Tabela Geral do Imposto do Selo dispunha, à data (na redação dada pelo artigo 55.º, n.º 2, da Lei n.º 87-B/98 de 31 de dezembro), contemporânea da aprovação do Estatuto Fiscal Cooperativo, o seguinte:

[IMAGEM]

K) Resulta, assim, do exposto que o legislador estabeleceu, no artigo 101.º da Tabela Geral do Imposto do Selo, um sistema de diferenciação de taxas (nomenclatura utilizada pelo próprio legislador) que foram traduzidos em montantes concretos, aplicáveis por escalões consoante o valor das letras sacadas.

L) Com efeito, o legislador estabeleceu um quadro com colunas a indicar o valor das letras, as taxas e as formas de pagamento. Da análise deste preceito resulta que a coluna das taxas refletia a aplicação de uma determinada percentagem ao valor máximo do escalão, bem como que o legislador quis traduzir tal percentagem em valores concretos até ao escalão das letras emitidas até ao montante de 3 033 750$.

M) Em suma, o legislador criou um sistema de tributação com taxas progressivas aplicáveis até ao montante de 3 033 750$ e, a partir deste montante de 3 033 750$, a taxa passou a ser proporcional (de 4%).

N) Portanto, não há dúvida de que, apesar de se referir a taxas, o legislador expressamente colocou nessa coluna montantes concretos que corresponderiam à aplicação de uma taxa progressiva (a título de exemplo, o montante de 183$00 aplicável ao primeiro escalão correspondia à aplicação da percentagem de 0,004%).

O) Da interpretação conjugada dos preceitos atrás citados resulta perfeitamente demonstrada que a intenção do legislador, quando estabeleceu o regime especial de Imposto do Selo aplicável às cooperativas na emissão de letras, foi, simplesmente, a de cobrar um valor mínimo por cada letra sacada por cooperativas.

P) É certo que com a Lei n.º 150/99, de 11 de setembro, foi aprovada a alteração das taxas aplicáveis à emissão genérica de letras, passando a ficar previsto no n.º 23.1, o seguinte:
«23.1 - Letras - sobre o respectivo valor, com o mínimo de 200$……….0,5%».

Q) Porém, de tal alteração apenas resulta que o legislador se limitou a eliminar a progressividade da taxa aplicável à emissão de letras, mantendo, no entanto, a previsão do valor mínimo de imposto a cobrar (que, à data, correspondia a 00$00).

R) Com efeito, «[a]pós a prorrogação da data da entrada em vigor do Código do Imposto do Selo e respectiva Tabela, aprovados pela Lei n.º 150/99, de 11 de Setembro, suscitaram-se várias dúvidas sobre a sua aplicação», pelo que, «[e]studado o assunto, foi, por despacho de 29/06/2000, de Sua Excelência o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, sancionado o seguinte entendimento (…)» vertido na Circular 15, de 05/07/2000, da Direção de Serviços dos Impostos do Selo e das Transmissões do Património: «O mesmo acontece quanto ao imposto devido nos termos dos pontos 23.1 e 23.2 da actual Tabela Geral, correspondente ao capital emprestado e representado pelos respectivos títulos. Trata-se, igualmente, da manutenção do regime existente, com a única diferença de que a taxa das letras passou a ser uniforme, enquanto, anteriormente, a taxa era diferenciada por escalões, passando a ser proporcional a partir de determinado montante».

S) Em face de tudo o exposto, impõe-se, assim, concluir que, com a aprovação da nova Tabela Geral do Imposto do Selo, o legislador não pretendeu proceder à revogação, nem sequer à alteração, do desagravamento fiscal previsto no artigo 8.º, n.º 2, do Estatuto Fiscal Cooperativo.

T) Assim sendo, a única conclusão possível para a questão de direito colocada parece ser a de que, à data dos factos (nos exercícios de 2006 e de 2007), o Imposto de Selo devido pela emissão de letras de câmbio por cooperativas se deveria quantificar no montante mínimo previsto de € 1,00 (um euro) por cada letra de câmbio sacada.

U) A RECORRENTE não desconhece que, no Acórdão invocado na Sentença recorrida, o Supremo Tribunal Administrativo considerou, em suma, que, embora, à data dos factos, o n.º 2 do artigo 8.º do Estatuto Fiscal Cooperativo não se encontrasse revogado (mantendo-se, assim, em vigor a norma de desagravamento fiscal em sede de Imposto do Selo), não se podia ignorar a interpretação literal da norma prevista na Tabela Geral do Imposto do Selo que se encontrava em vigor em 2006 e em 2007 (i.e., a norma que constava da Verba 23.3, segundo a qual pela emissão de letras se deveria aplicar uma única taxa, uniforme, de 0,5%,...

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