Acórdão nº 01296/14.6BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 2023-12-15

Ano2023
Número Acordão01296/14.6BEPRT
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Norte - (TAF do Porto)
EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

«AA», veio interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença de 17.05.2022, do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, Juízo Administrativo Social, que julgou totalmente improcedente a acção administrativa que intentou contra o Município ..., para anulação da deliberação da Câmara Municipal ..., datada de 11.03.2014 pela qual lhe foi aplicada a pena disciplinar de demissão e para reconstituição da sua situação caso não tivesse sido praticado o acto impugnado.

Invocou para tanto, em síntese, que: a deliberação punitiva constitui uma manifesta ofensa do princípio do princípio constitucional da tutela da confiança e do princípio da proporcionalidade, bem como da boa-fé (artigo 10° do Código de Procedimento Administrativo e artigo 268°, n° 1 da Constituição da República Portuguesa), por o Recorrido, na sequência da interposição de uma providência cautelar de suspensão de eficácia de um acto de demissão e da citação expressa de proibição da execução do acto, nos termos do art.º 128º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, não ter informado a Recorrente de que deveria regressar ao serviço ou de que estavam asseguradas as condições para o seu regresso, sancionando-a passados três meses com nova pena de demissão por faltas injustificadas; foi violado o disposto no n°. 1 do art.º 3, e art.º 18 do Estatuto Disciplinar (à data em vigor), o disposto no art.º 128º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, bem como os princípios constitucionais da tutela da confiança, proporcionalidade e boa-fé (artigo 10° do Código de Procedimento Administrativo e artigo 268°, n° 1 da Constituição da República Portuguesa), ocorrendo, assim, claro erro de julgamento de direito.

O Recorrido contra-alegou, pugnando pela rejeição do recurso quanto ao julgamento da matéria de facto e sustentado, em todo o caso, a improcedência do recurso.

O Ministério Público junto deste Tribunal não emitiu parecer.

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Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

1- O objecto da presente apelação decorre de ter improcedido o pedido da Recorrente de anulação da deliberação da Câmara Municipal ..., datada de 11.03.2014 e notificada por carta datada de 14.03.2014 que lhe aplicou a pena disciplinar de DEMISSÃO, bem como os pedidos subsequentes, tendo sido considerado que o acto impugnado não padece de vícios de violação de lei, nomeadamente dos art°s. 3, n.° 1, e 18.° do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores em Funções Públicas (adiante ED), bem como do art. 128.° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e erro nos pressupostos de facto e de direito, designadamente:

G) Que a deliberação proferida pelo Recorrido no âmbito do processo disciplinar n°. ...3 (infração 10.01.2013), não padece de erro nos pressupostos de facto e de direito, embora resulte dos autos que do comportamento da Recorrente não resultou qualquer prejuízo para o serviço, e sem que haja prova dos fundamentos que sustentaram a aplicação da pena, designadamente a falta de respeito no exercício de funções e o exercício livre e consciente por parte daquela de conduta proibida por lei, afectando o prestígio da função, o que configura uma violação do art°. 3, n°1, do ED.
H) Que a deliberação proferida no âmbito do processo disciplinar n.° ...3 (faltas injustificadas), não incorre simultaneamente em erro nos pressupostos de facto e de direito, alegando que, decretada a proibição da execução do acto de demissão de um trabalhador por interposição de providência cautelar de suspensão de eficácia do acto (art.° 128 do CPTA), tem ele o dever imperioso de se apresentar ao serviço, incorrendo em faltas injustificadas se o não fizer, ainda que não tenha sido notificado para esse efeito por parte da entidade requerida/empregadora, o que configura uma errada aplicação do art°. 128 do CPTA.
I) Que a deliberação proferida no âmbito do processo disciplinar n.° ...3 (faltas injustificadas), não viola os princípios da confiança e da boa-fé pela qual a Administração deve pautar a sua conduta (artigo 10° do CPA e artigo 268°, n° 1 da CRP), o que configura uma errada aplicação desses princípios ao caso presente.
J) Por não ter dado como provado que a Recorrente apresentou justificação para a sua ausência ao serviço entre 13.05.2013 e 24.07.2013
K) Por ter considerado que o Recorrido demonstrou e provou a inviabilidade da manutenção da relação laboral, o que configura uma errada aplicação do art°. 18, n°1, do ED.

2- No âmbito do processo disciplinar n°. ...3 (infração 10/01/2013), em nenhum momento a Recorrente aceitou que tivesse desobedecido a uma ordem emitida ou desrespeitado o exercício de funções.

3- Dos factos alegados na acusação e considerados provados no referido processo, não se descortina qualquer desrespeito pelo exercício de funções, nem o exercício livre e consciente por parte daquela de conduta proibida por lei, afectando o prestígio da função, e que fundamentou a aplicação da pena disciplinar.

4- Resulta provado que do comportamento da Recorrente não resultou qualquer prejuízo para o serviço, tanto mais que o respectivo dinheiro do fundo de maneio foi efectivamente levantado pela A. e entregue à Presidente da CPCJ, embora com alguns minutos de atraso, pelo que não se está perante um ilícito disciplinar, conforme defendem Paulo Veiga e Moura e Cátia Arrimar (vide Comentários à Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas, 1° volume/Artigos 1° a 240°, Coimbra Editora, pág. 541.).

5- Assim, a sentença em crise ao decidir em sentido contrário, violou o disposto no n°. 1 do art°. 3 do ED.

6- Quanto ao processo disciplinar n.° ...3 (faltas injustificadas), a questão colocada é, nuclearmente, a de saber se, decretada a proibição da execução do acto de demissão de um trabalhador por interposição de providência cautelar de suspensão de eficácia do acto, tem ele o dever imperioso de se apresentar ao serviço, incorrendo em faltas injustificadas se o não fizer, ainda que não tenha sido notificado para esse efeito por parte da entidade requerida/empregadora.

7- E, complementarmente, na afirmativa, se tais faltas integram justa causa para o despedimento.

8- Contrariamente ao referido na sentença em crise, com a citação do duplicado do pedido de suspensão o acto de demissão não ficou suspenso, ainda que provisoriamente, pois tal só veio a suceder quando por douta sentença proferida em Outubro de 2013 foi deferido o pedido de suspensão.

9- Conforme referem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, em anotação ao art. 128°, “Na comparação entre o artigo 128°. e o anterior artigo 80°. da LPTA, a primeira diferença que salta à vista prende-se com a epígrafe. Com efeito, a epígrafe do art°. 80°. falava, a este propósito, numa «suspensão provisória» (da eficácia do acto administrativo, supõe-se). Mas a verdade é que a letra do artigo não parecia ter em vista um verdadeiro fenómeno de suspensão provisória da eficácia do acto administrativo, antes se limitando – em termos que, no essencial se mantêm, apenas com nova epígrafe, neste artigo 128º. – a proibir a Administração de iniciar ou prosseguir a execução do acto durante a pendência do processo de suspensão até ao trânsito em julgado de decisão a proferir nesse processo.”

10- O regime previsto no art°. 128 do CPTA traduz-se numa imposição à entidade requerida, e apenas a essa, de uma obrigação de proibição de execução do acto de demissão, o que resulta, inegavelmente, no dever de reintegração do trabalhador demitido.

11- Por sua vez, tem o trabalhador o direito a ser readmitido depois de operada a proibição decretada no art°. 128°. do CPTA.

12- Porém, uma vez que a relação jurídica substancial se mantém instável e o direito controvertido continua por definir, na pendência da providência o trabalhador tem uma simples faculdade, de exercício não obrigatório, de se apresentar na entidade requerida.

13- A restauração provisória do vínculo jurídico de emprego público, extinto com a aplicação da pena de demissão, não decorre do simples exercício do dever de abstenção do Recorrido após citação do pedido de suspensão de eficácia do acto, mas da reintegração efectiva do trabalhador na entidade requerida, que dependerá do exercício ou não do direito de reintegração por parte do trabalhador.

14- Pelo que a sua (mesmo que total) passividade com vista à reintegração, nunca poderia consubstanciar uma situação de faltas injustificadas.

15- Pelo que a decisão em crise fez uma errada interpretação do art°. 128°. do CPTA, ao considerar que a citação do Recorrido conduziu a uma suspensão automática do acto e, nessa sequência, à restauração imediata do vínculo de emprego público.

16- Na hipótese de ser considerado que o artigo 128º do CPTA consagra um efeito suspensivo automático do acto de...

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