Acórdão nº 01201/11.1BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 2023-01-12

Ano2023
Número Acordão01201/11.1BEPRT
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Norte - (TAF do Porto)
Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I – A Representação da Fazenda Pública – RFP (Recorrente), veio interpor recurso contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, pela qual se julgou procedente a impugnação deduzida pelo "A..., S.A." (Recorrida), intentada contra as liquidações adicionais de IVA de agosto e setembro de 2010, assim como contra as correspetivas liquidações de juros compensatórios.

No presente recurso, a Apelante formula as seguintes conclusões:
A. Vêm impugnadas liquidações adicionais de IVA relativa aos períodos de tributação de agosto e setembro de 2010, e respetivos juros compensatórios, e respetivos juros compensatórios, lançadas na sequência de correções aritméticas à matéria tributável em IVA promovidas em resultado de procedimento inspetivo externo, que perfazem o valor a pagar de € 869.328,89.
B. A impugnação funda-se, essencialmente, na alegação pela impugnante que, no exercício das suas atribuições, realizou o que designa por obras de reposição e de reconstrução e por obras de inserção ou de compatibilização urbana que não revestem uma natureza essencialmente distinta das obras de construção da infraestrutura básica do sistema de metro ligeiro ... e têm uma ligação direta com a atividade da impugnante que é tributada em IVA,
C. e de que é irrelevante para o reconhecimento do direito à dedução do IVA suportado na realização das referidas obras o modo de financiamento dessas obras, mediante a contribuição com ativos por parte das autarquias detentoras do capital social da impugnante para que esta realizasse o seu objeto social, pois não importa quem financia as obras, mas quem as faz e para quê as faz.
D. A douta sentença recorrida, depois de transcrever excertos dos acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) proferidos nos processos nº C-465/03 (acórdão Kretztechnik) e C-435/05 (acórdão Investrand), assinalando que “a Impugnante procedeu à realização de várias obras e, de acordo, com critérios de razoabilidade, e até de experiência comum, surge ao tribunal a profunda convicção que tais obras são necessárias à prossecução da sua actividade”, concluindo que “as obras em causa nos presentes autos se mostram indispensáveis à actividade da Impugnante”, e considerou totalmente procedente a presente impugnação.
E. Salvo o devido respeito, e sem prejuízo de melhor opinião, a Fazenda Pública não se conforma com o decidido existindo erro sobre os pressupostos de facto e de direito da decisão, já que a douta sentença selecionou de modo insuficiente e valorou erroneamente a factualidade evidenciada da prova produzida no processo, da qual cumpria fazer a adequada qualificação jurídica, em termos que afetam irremediavelmente a validade substancial da sentença.
F. A Fazenda Pública dá aqui por reproduzida a factualidade que, no desenvolvimento destas alegações, entende que deve ser dada como provada, de conformidade com os poderes que são concedidos ao Tribunal ad quem pelo art. 662º, nº 1, do CPC, aplicável por via da al. e) do art. 2º do CPPT, por se encontrarem comprovados nos autos e se reputar essenciais à boa decisão da causa.
G. Com base nessa factualidade, a Fazenda Pública entende que, conforme o princípio que presidiu às correções aritméticas promovidas à matéria tributável em IVA dos períodos de tributação a que respeitam as liquidações impugnadas, o modo de financiamento das obras de requalificação determina a existência ou não do direito à dedução do IVA pago a montante inerente os encargos suportados com essas obras.
H. A jurisprudência comunitária tem repetidamente afirmado que, para que seja reconhecido ao sujeito passivo o direito à dedução do IVA pago a montante, é necessário que o montante dos encargos a que corresponde o IVA a deduzir tenha diretamente onerado o custo dos diversos elementos constitutivos do preço das operações a jusante sujeitas a imposto, de acordo com o princípio fundamental do sistema do IVA consagrado nos art.s 2º da Primeira e Sexta Diretivas e no art. 1º, nº2, 2º parág.º da Diretiva 2006/112/CE.
I. No acórdão SKF, proferido no proc. C-29/98, o TJUE, significativamente, observa (nº 60) que há sempre que examinar se a relação direta e imediata com uma ou várias operações a jusante que conferem direito à dedução ou com as despesas gerais ligadas ao conjunto da atividade económica do sujeito passivo traduz-se na incorporação do preço das prestações a montante, respetivamente, nos preços das operações particulares a jusante ou nos preços dos bens ou serviços fornecidos pelo sujeito passivo no âmbito das suas atividades económicas.
J. Ora, enquanto que os serviços de inspeção tributária, em face do modo de financiamento das obras a que respeitam os encargos cujo correspondente IVA pretende deduzir e do seu registo contabilístico, pôs em causa, fundadamente, o direito a essa dedução, entre outros motivos, porque o custo das obras de requalificação urbana não era financiado pela impugnante, mas era, designadamente, responsabilidade dos municípios seus acionistas,
K. a impugnante, por seu turno, nunca provou no processo sub judice que os encargos daquelas obras cujo correspondente IVA pretende deduzir são, ou por terem uma relação direta e imediata com as operações a jusante, ou como despesas gerais da sua atividade económica, elementos constitutivos do preço destas operações.
L. O relatório de inspeção tributária salienta que, segundo a base XIII da concessão, as obras de requalificação urbana são asseguradas pelos municípios da área metropolitana ... acionistas da impugnante através de prestações acessórias de capital,
M. modo de financiamento que a alteração da redação da base XIII e do art. 10º dos estatutos pelo DL 192/2008, de 01.10, não alterou, porquanto a própria impugnante regista obras de requalificação urbana e de inserção urbana em conjunto e usa ambas as expressões em sinonímia, como se constata da mera leitura da PI.
N. Esta indiferenciação, evidenciada não só no registo mas na própria natureza das obras, implica que a impugnante pode eventualmente imputar a maior parte dos seus encargos ao financiamento a que os municípios da área metropolitana ... seus acionistas estão obrigados,
O. ou seja, a impugnante tem a faculdade de submeter os encargos com essas obras, e o correspondente IVA, ao financiamento obtido ou a obter desses acionistas, corrigindo os efeitos da livre operação da impugnante no mercado dos transportes, e sem que fique constituída na obrigação de reembolso, retirando-lhes a qualificação de custos da sua atividade económica.
P. A forma como o preço dos serviços prestados pela impugnante aos seus clientes é formado, segundo a base XIV, em que o valor das tarifas a cobrar aos clientes do sistema de metro ligeiro é fixado atendendo ao índice de preços dos vários serviços de transporte coletivo praticados na área metropolitana ..., dependendo de prévia homologação pelo Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestre, IP, põe em evidência que o preço cobrado não é, a priori, formado pelos encargos a montante com relação direta e imediata com uma ou várias operações a jusante que conferem direito à dedução, nem pelas despesas gerais ligadas ao conjunto da atividade.
Q. Era exigível à impugnante que, nos termos do art. 44º do CIVA, mantivesse a contabilidade organizada de forma a possibilitar o conhecimento claro e inequívoco dos elementos necessários ao cálculo do imposto e a permitir o seu controle,
R. no caso, diante dos diferentes modos de financiamento dos encargos e de ligação dos inputs com a atividade da impugnante, o registo segregado dos encargos com obras de requalificação urbana e obras de inserção urbana ou, como agora vem denominar, com obras de reposição/reconstrução e obras de inserção/compatibilização.
S. Assim sendo, reconhecer o direito à dedução do IVA relativo a encargos das obras de requalificação urbana ou de inserção urbana que não fazem parte dos elementos constitutivos do preço, que não são repassados aos destinatários das operações a jusante e não contribuem para a formação da base tributável do IVA liquidado pela impugnante,
T. seria pôr em causa o mecanismo do direito à dedução e, desse modo, o princípio da neutralidade do IVA, porque permitir-se-ia a quem não atuou como sujeito passivo, mas como consumidor final (na medida em que não repercutiu os correspondentes encargos a destinatários da sua atividade económica, a jusante), que se desonerasse da carga fiscal acumulada no circuito económico antecedente.
Termina a Recorrente pedindo que seja julgado procedente o presente recurso, revogando-se a sentença recorrida.
A Recorrida apresentou contra-alegações concluindo que:
I - Ao contrário do que sustenta a Recorrente AT, a contabilidade da Impugnante está organizada por forma a possibilitar o conhecimento claro e inequívoco dos elementos necessários ao cálculo do imposto", verificando-se que os respectivos balancetes, juntos aos autos com o processo administrativo, desagregavam o investimento relativo a inserção urbana em contas autónomas do imobilizado em curso (44).
II - O que aconteceu, como refere a douta sentença, foi que a AT não fez o seu trabalho, limitando-se "preguiçosamente" a listar obras para recusar dedução de IVA, sem atender à sua natureza.
III - Tanto assim foi, que várias das facturas cujo IVA foi considerado não dedutível nem sequer faziam qualquer alusão a "inserção urbana" ou a "requalificação urbana", tratando-se de facturas relativas [a] instalação de sistemas de segurança, ou de construção do canal (alterando a via balastrada para via betonada); isto é, trabalhos directamente relacionados com a intra-estrutura básica, nada tendo a ver com "requalificação urbana".
IV - De todo o modo, ficou amplamente demonstrado nos...

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