Acórdão nº 01183/23.7BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 2024-01-25

Data de Julgamento25 Janeiro 2024
Ano2024
Número Acordão01183/23.7BEBRG
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Norte - (TAF de Braga)
Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

[SCom01...], S.A., pessoa colectiva n.º ...46, com sede no Lugar ..., ..., em ..., interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, proferida em 13/11/2023, que julgou improcedente a reclamação dos actos do órgão de execução fiscal, datados de 12/05/2023, que determinaram a venda n.º .........3.2, do prédio urbano inscrito na matriz ...11, e a venda n.º .........3.3, do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ...38.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
“A. foi apresentada pela reclamante, supra identificada, representada pelo seu administrador, reclamação nos termos do 276° e seguintes, do despacho que determinou a venda do prédio inscrito na matriz predial urbana na União de Freguesias ..., ... e ..., no concelho ..., ...11 descrito na Conservatória Predial ... sob o n.° ..76/19940516, datado de 12 de Maio de 2023, Venda n.° n.º .........3.2 e o despacho que determinou a venda do prédio inscrito na matriz predial urbana na União de Freguesias ..., ... e ..., no concelho ..., sob o artigo ...38 descrito na Conservatória Predial ... sob o n.° ..17/19930503, datado de 12 de Maio, Venda n.° n.º .........3.2
B. A sentença proferida pelo Mmo. Tribunal a quo, julgou improcedente a referida reclamação.
C. Não obstante, o caso concreto merece uma análise de direito nomeadamente de certas normas de direito nas quais se subsumem os factos, que obrigam à aplicação de uma decisão, em nosso entender diversa.
D. Quanto à ilegalidade da determinação da venda, do artigo ...38, atento o disposto no artigo 244.°, n.º 2 CPPT somos a salientar,
E. Como emerge do DOC 3 junto com a reclamação, o prédio correspondente à matriz predial urbana com o artigo ...38 foi adquirido pelo administrador da sociedade em 1976 por escritura pública, prédio esse constituído por um terreno, no qual o administrador da sociedade edificou uma moradia, a qual seria desde a data de finalização da obra em março de 1981, a casa de morada de família.
F. O administrador da sociedade, assim aconselhado, por motivos atinentes ao acesso a crédito bancário, e consolidação no mercado da referida sociedade, fez constar o dito prédio como propriedade da sociedade executada (Cf. DOC 4 e 5 juntos com a reclamação).
G. Porém, o prédio urbano (artigo matricial ...38) sempre constituiu habitação própria do administrador da sociedade e do seu agregado familiar. (CF. DOC 7 a 9 juntos com a Reclamação).
H. Ademais, tal facto é considerado provado no ponto 5 da douta sentença.
I. Tal como decorre do artigo 244.º, n.º 2, do CPPT "não há lugar à realização da venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efetivamente afeto a esse fim."
J. Pretende-se proteger a casa de morada de família no âmbito de processos de execução fiscal, estabelecendo restrições à venda executiva de imóvel que seja habitação própria e permanente do executado, conforme resulta do artigo 1° da Lei n.º 13/2016.
K. Estamos no caso dos presentes autos, mediante uma evidente confusão entre o património da sociedade executada e o património do seu administrador, o que é manifesto no que tange à casa de morada de família do mesmo.
L. Impõe-se não ignorar o primado da justiça material, pois, a Justiça deve prevalecer sobre todas as atuações do Estado, conforme se preceitua no n.º 2 do artigo 5.º da LGT, que estabelece expressamente como limite à tributação o respeito pelo princípio da justiça material, encontrando-se ainda expresso tal princípio no artigo 55° da LGT
M. Fundamentando ainda o princípio da investigação, traduzindo este o poder/dever que o Tribunal tem de esclarecer e instruir autonomamente, mesmo para além das contribuições das partes, os factos sujeitos a julgamento, criando, assim, as bases para decidir, princípio este vigente no processo judicial tributário (cfr. Art.º 99, n.º 1, da L.G. Tributária; art°,13, n°.1, do C.P.P. Tributário.
N. De salientar que ao julgador será de exigir, nestas circunstâncias, um esforço de interpretação que não se pode ater apenas à letra da lei, mas outrossim que se compagine com a «unidade do sistema», nos termos do n.º 2 do art.º 9.º do Código Civil (CC).
O. Terá que ser considerado ainda o (elemento teleológico) e o (elemento sistemático).
P. O escopo das alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2016, de 23 de maio, é o de conferir proteção ao direito à habitação do devedor e de quem integra a família do devedor.
Q. A aqui executada enquanto construção jurídica não tem casa de morada de família, mas, e como vimos de explanar tal prédio urbano constitui e sempre constituiu casa de morada de família do administrador e da sua família, inexistindo por parte da sociedade qualquer posse sobre tal imóvel.
R. Verifica-se, pois, uma confusão de patrimónios que justifica a aplicação deste regime ao caso em apreço.
S. Porquanto, é o direito fundamental à habitação do devedor e da sua família que a Lei pretende assegurar, que o administrador da sociedade executada vê ser preterido em clara violação do artigo 244°, n.ºs 2 e 3 do CPPT.
T. A realidade fáctica, não pode ser pura e simplesmente abolida e preterida a favor de meras construções jurídicas violando quer o artigo 55° da LGT, artigo 9° do CC, quer o próprio artigo 244° do CPPT.
U. Consubstanciando a venda do imóvel em questão uma nulidade porque celebrada contra disposição legal de carácter imperativo, nos termos do n.º 4 do artigo 244.º do CPPT.
V. No que concerne à ilegalidade e violação da proporcionalidade atento o valor fixado para a venda do artigo 2011.
W. Considerando a matéria provada no ponto 2 e 3 da aliás douta sentença e ainda o ponto 6 da mesma, resulta claramente que valor constante do despacho de venda contende com os direitos patrimoniais da Reclamante aqui Recorrente.
X. Pois, resulta a propósito da proposta de dação em cumprimento, que tal imóvel teria um valor patrimonial de €755.000,00, valor este superior ao da dívida exequenda e acrescidos Cf. Ponto 6 da matéria provada.
Y. À justiça tributária não lhe poderá ser alheio a exponencial valorização do mercado imobiliário que originou um aumento substancial do valor dos prédios urbanos.
Z. Aferindo-se um total desfasamento entre o valor considerado para a venda do prédio vertido no despacho de venda e o valor de mercado do imóvel, que consubstancia uma intolerável violação do princípio da proporcionalidade.
AA. Facto este, que a Autoridade Tributária, conhece e não pode ignorar em face da avaliação realizada pela mesma aquando da proposta de dação em cumprimento por parte da reclamante/recorrente.
BB. Este Princípio é estruturante e transversal a todo o ordenamento jurídico e irradia não só do artigo 18° da CRP, como se encontra expressamente previsto no artigo 55° da LGT.
CC. Todavia, não pode haver proporcionalidade quando o valor pelo qual o executado se vê despojado do seu património, não tem qualquer correspondência com o valor real do bem, eternizando na realidade a dívida, que após esgotado o património da sociedade executada se repercutirá na esfera jurídica e patrimonial do seu administrador através do Instituto da Reversão.
DD. Atendendo aos considerandos tecidos na sentença a propósito do artigo 250° do CPPT, concatenado com os factos vertidos no 6 da matéria de facto dada como provada, é absolutamente inquestionável que o valor de venda dos bens é manifestamente superior ao VPT.
EE. Desta forma, e ao desconsiderar o valor real do bem, violou a douta sentença os artigos 18.º da CRP, 55.º da LGT e ainda o artigo 250.º do CPPT.
Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas. doutamente suprirão deverá ser revogada aliás Douta Sentença considerando-se a reclamação procedente por provada e em consequência serem anulados os despachos de venda do chefe do serviço de finanças com todas as legais consequências.
Fazendo-se assim inteira e sã justiça.”
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Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.
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Dada a natureza urgente do processo, há dispensa de vistos prévios (artigo 36.º, n.º 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos ex vi artigo 2.º, n.º 2, alínea c) do Código de Procedimento e de Processo Tributário).
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa apreciar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao manter na ordem jurídica os actos de determinação de venda dos imóveis em apreço, por não se verificar, respectivamente, a violação do disposto no artigo 244.º, n.º 2 do CPPT (casa de morada de família) e a ilegalidade, por violação do princípio da proporcionalidade, atento o valor fixado para a venda.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
II.1 – De facto
Com relevância para a decisão a proferir resultam provados os seguintes factos:
1. Nos processos ...84 e apensos (...89, ...19 e ...05), é executada a sociedade [SCom01...] SA, com número de identificação de pessoa coletiva (NIPC) ...46 e sede no Lugar ..., ... ..., pela quantia exequenda de € 378.184,25, relativa a dívidas de IRC e IVA e juros de mora € 277.674,53, no total de € 655.858, 78.
[cfr. certidões de dívida e ofício de citação – fls. 102-165 SITAF]
2. Em 12.05.2023 foi, nos processos identificados em 1, proferido despacho de...

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