Acórdão nº 01174/10.8BEAVR de Tribunal Central Administrativo Norte, 06-10-2022

Data de Julgamento06 Outubro 2022
Ano2022
Número Acordão01174/10.8BEAVR
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Norte
Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
1.1. AA, devidamente identificado nos autos, vem recorrer da sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro em 19.11.2021, pela qual foi julgada improcedente a impugnação por si intentada contra a liquidação de IRS do exercício de 2003, no valor de € 9.062,96.
1.2. O Recorrente terminou as respetivas alegações formulando as seguintes conclusões:
«I. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença proferida nos autos em epígrafe, que julgou improcedente a impugnação judicial atempadamente deduzida, contra a liquidação adicional de IRS.
II. Aquela liquidação resultara de um procedimento inspetivo de que resultou a quantificação da sua matéria tributável pela via indireta.
III. Do procedimento de revisão que lhe sucedeu o impugnante reconheceu estarem reunidos os pressupostos para a determinação da matéria tributável pela via indireta mas não resultou acordo no que concerne à quantificação que ali reportou ser excessiva, tendo a matéria tributável sido fixada de acordo com os fundamentos do relatório da IT.
IV. Tampouco os procedimentos de reclamação graciosa e recurso hierárquico que lhe sucederam lograram alcançar qualquer resultado prático.
V. Com todo respeito pela sentença recorrenda, esta não terá acolhido a melhor decisão pois o meritíssimo juiz incorreu em erro de julgamento ao fixar a matéria ali dada como não provada sem a fundamentar com a identificação dos factos instrumentais indicando as ilações deles retiradas e especificando os demais fundamentos que contribuíram de forma decisiva para a formação da sua convicção conforme prescreve o n.º 4 do artigo 607.º do Código do Processo Civil.
VI. Os factos ali dados como não provados e não fundamentados na sentença têm carater absolutamente conclusivo quanto à idoneidade do método de quantificação adotado e à inexistência de excesso na mesma quantificação.
VII. Uma análise acurada da metodologia adotada e que consta do relatório da IT ínsito no processo administrativo, prova aceite por ambas as partes, permite verificar que aquele método enferma de um erro lógico dedutivo.
VIII. De correção do erro verifica-se que a matéria tributável (IVA – liquidado) foi quantificada em excesso e que este excesso não é despiciendo.
IX.Tal como já havia sido alegado na Petição Inicial.
Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser considerado procedente por provado, revogando-se a decisão ora posta em crise, e substituindo-a por outra que reconheça o erro metodológico no processo de quantificação e que deste resultou um manifesto excesso em prejuízo do impugnante, assim se fazendo inteira:
JUSTIÇA.».
1.3. A Recorrida Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.
1.4. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o parecer com o seguinte teor:
«(…)
Alega o recorrente, em resumo, que a sentença enferma de erro de julgamento por a mesma não cumprir com o disposto no n.º 4 do artigo 607.º do Código do Processo Civil designadamente por a matéria de facto dada como não provada (ponto IV.2, fls. 17 da sentença) não ter sido fundamentada mediante análise critica das provas documentais constante do processo administrativo aceite por ambas as partes, conforme fundamenta em sede conclusiva e para cuja leitura remetemos.
Cremos que não lhe assiste razão.
Na decisão da matéria de facto, o juiz aprecia livremente as provas, conforme dispõe o artigo 607º nº 5 do CPC, analisa-as de forma crítica e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, especificando os fundamentos que foram decisivos para a formação da convicção, excepto quando a lei exija formalidades especiais para a prova dos factos controvertidos, caso em que tal prova não pode ser dispensada. É, pois pela fundamentação invocada para a decisão que normalmente se afere do juízo crítico sobre as provas produzidas.
O julgador “embora livre no seu exercício de formação da sua convicção não está isento ou eximido de indicar os fundamentos onde aquela assentou por forma a que, com recurso às regras de ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquele processo de formação da convicção sobre a prova ou não prova daquele facto, permitindo, desta feita, sindicar o processo racional da própria decisão.
À luz desta perspectiva temos que se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.” - Ac. do TCAN de 11/4/2014 no processo 00819/10.4BEPNF.
No caso em apreço, o recorrente discorda dos factos dados como não provados e a convicção do tribunal, ou seja, o que pretende é retirar da prova produzida, ou não produzida, ilações distintas das que a Mmª Juíza percepcionou e explicitou na respectiva fundamentação.
In casu, a M. mª Juíza consignou que “ O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e constantes do PA apenso, que não foram impugnados, considerando ainda a parte dos factos alegados pelas partes que, não tendo sido impugnados, são também corroborados pelos documentos juntos aos autos, em conformidade com o preceituado no artigo 76.º n.º 1 da Lei Geral Tributária (“LGT”), artigos 444.º a 450.º do Código de Processo Civil (“CPC”) e artigos 362.º e seguintes do Código Civil (“CC”), identificados em cada um dos factos descritos no probatório”.
E, quanto aos factos não provados:
a) Os critérios adotados pelos serviços de inspeção tributária são desadequados e/ou inadmissíveis para a atividade exercida pelo Impugnante;
b) Na correção promovida pelos serviços de inspeção tributária ocorreu erro ou manifesto excesso na determinação da matéria tributável quantificada, ---- a M.mª Juíza consignou que: “Relativamente aos factos não provados, estes decorrem da não observância das regras do ónus da prova nos termos do artigo 74.º da LGT, tendo o Tribunal decidido, quanto à fixação dos factos, em sentido contrário à posição da parte onerada com aqueles ónus”.
Ou seja, a M. Juíza deixou minimamente fundamentada a sua decisão quanto aos factos não provados, louvando-se na não observância das regras do ónus da prova nos termos do artigo 74.º da LGT, sendo que, no seguimento do entendimento do Acórdão atrás citado e transcrito “À luz desta perspectiva temos que se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.” (Ac. do TCAN de 11/4/2014 no processo 00819/10.4BEPNF), nenhum reparo merece tal decisão.
A modificação quanto à valoração da prova, tal como foi captada e apreendida na 1ª instância, só se justificaria se, feita a reapreciação, fosse evidente a grosseira análise e valoração que foi efectuada pelo tribunal, o que não se verifica, neste particular.
A decisão, face à factualidade dada como provada e não provada, seu enquadramento jurídico e fundamentação expendida, não merece censura, pelo que, em nosso entender, se deve negar provimento ao recurso.».
*
Dispensados os vistos legais, nos termos do artigo 567º, nº 4, do CPC, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.
*
2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da Recorrente, cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento e falta de fundamentação relativamente aos factos não provados, bem como de erro de julgamento de direito, por não considerar que a liquidação impugnada enferma de erro lógico e do consequente excesso na quantificação.
3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO
3.1.2. Factualidade fixada em 1ª instância
A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto:
«IV.1 – Matéria de facto dada como provada
Com base nos elementos de prova produzidos nos autos, considera-se provada a seguinte matéria de facto, com relevância para a decisão da causa:
1. O Im pugnante encontra-se registado no Serviço de Finanças ... para o exercício da atividade “Restaurantes com lugares ao balcão (Snack Bars) – CAE 0043”, encontrando-se enquadrado, para efeitos de IRS, no regime de contabilidade organizada – cfr. fls. 5 do PA;
2. Em 17-12-2003, a entidade Quinta ... da ..., pertença do aqui Impugnante, emitiu a fatura n.º ...59, com a descrição “Serviços de Casamento”, no valor de €10.710,00, não constando desta a indicação do destinatário ou qualquer outra referência – cfr. fls. 164 do PA;
3. Pelo Ofício n.º ...39, de 02-12-2005, os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de ..., dirigiram ao Impugnante um “pedido de elementos”, solicitando a remessa da identificação de todos os eventos (casamentos, comunhões, batizados, etc.) efetuados no decurso dos exercícios de 2002 a 2005 – cfr. fls. 19 do PA;
4. Ao abrigo da ordem de serviço n.º ...58, de 11-04-2006, os sujeitos passivos AA e BB foram objeto de inspeção tributária, de âmbito parcial, incidente sobre IRS e IVA, por referência aos exercícios de 2002 e 2003...

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