Acórdão nº 01162/14.5BEPRT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 09-11-2023

Data de Julgamento09 Novembro 2023
Ano2023
Número Acordão01162/14.5BEPRT
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (1 SECÇÃO)
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:


I. Relatório
1. AA, melhor identificado nos autos, veio interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do disposto no artigo 150º do CPTA, do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte [doravante, «TCAN»], de 29.05.2020, que, concedendo provimento ao recurso jurisdicional por si interposto, revogou a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 06.02.2017, e julgou a ação parcialmente procedente, condenando o Réu INSTITUTO SUPERIOR DE CONTABILIDADE E ADMINISTRAÇÃO DO PORTO [doravante, «ISCAP»] a homologar a deliberação final do júri do concurso documental para criação de um posto de trabalho, no mapa de pessoal docente daquele Instituto, para professor adjunto, na área científica de Gestão, aberto pelo edital n.º 968/2012, publicado no Diário da República, 2.ª série, N.º 211, de 31.10.2012 e, subsequentemente, emitir a decisão final de contratação.
2. Culmina as suas alegações de revista com o seguinte quadro conclusivo:
«(…) 1ª O presente recurso de revista foi interposto contra o Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte de 29 de Maio de 2020, sendo limitado ao segmento decisório em que condenou a entidade demandada a homologar o resultado final do concurso e a contratar o ora recorrente como professor adjunto apenas para o futuro - 2020 ou 2021 - e não com efeitos reportados à data em que tais actos deveriam ter sido praticados - 2013.
2ª Salvo o devido respeito, a decisão alcançada pelo Tribunal a quo é, no segmento em que dela se recorre, manifestamente errada, suscitando um conjunto de questões que, seja pela sua importância jurídica e social, seja pela necessidade de assegurar uma melhor aplicação do direito, justifica uma apreciação e uma pronúncia definitiva por parte do Venerando Supremo Tribunal Administrativo sobre as seguintes três questões:

1ª Sendo anulada a decisão de extinção do concurso e condenada a Administração a homologar o resultado final do concurso e a contratar o docente, deve a condenação à homologação e à contratação produzir efeitos à data em que tais actos deveriam ter sido praticados - reconstituindo-se a situação que teria existido sem o acto que extinguiu o concurso - ou apenas produzir efeitos para o futuro?
2ª É compatível com o direito fundamental à tutela judicial efectiva e com os princípios constitucionais da boa-fé e protecção da confiança que se limite os efeitos da condenação a homologar o resultado final de um concurso para professor adjunto e a contratar o docente provido em 1°lugar apenas para o futuro - 2020 ou 2021 quando foi por motivo imputável à Administração que tais actos não foram praticados alguns anos antes - em 2013?
3ª Sendo a cabimentação de verba pressuposto da abertura do concurso e da decisão de homologar e contratar, deve ou não o prosseguimento do concurso e a condenação à homologação e à contratação do docente implicar a obrigatoriedade de a verba ter de ser cabimentada com efeitos reportados à data de abertura do concurso?
Na verdade,
3ª As questões suscitadas pelo acórdão recorrido possuem uma capacidade expansiva e uma importância social e jurídica que justifica a sua apreciação e resolução por parte deste Venerando Supremo Tribunal Administrativo, encontrando-se preenchidos os pressupostos de que o art.º 150º do CPTA faz depender a admissão do recurso de revista.
Com efeito,
4ª Todas as questões colocadas no objecto da revista possuem uma capacidade expansiva por se poderem colocar em todos os futuros procedimento concursais para provimento de docentes do ensino superior universitário e politécnico, onde, sendo obrigatória a cabimentação da verba, muito naturalmente se poderão colocar quer as questões do timing da cabimentação da verba quer as consequências da não cabimentação atempada dessa mesma verba, designadamente se a falta de cabimentação prévia implica que a decisão condenatória de homologação do resultado do concurso e de contratação do docente não possa produzir efeitos à data em que tal homologação e contratação deveriam ter ocorrido ou se, pelo contrário, apenas implica a obrigatoriedade de se cabimentar, homologar e contratar com efeitos para o futuro.
5ª Para além disso, e uma vez que a cabimentação da verba é da exclusiva responsabilidade da Administração, seguramente reveste uma importância jurídica fundamental apurar-se se é compatível com o direito fundamental à tutela judicial efectiva e com os princípios constitucionais da boa fé e protecção da confiança que se limitem apenas para o futuro os efeitos da homologação e da contratação quando foi por motivo exclusivamente imputável à Administração que tais actos não foram praticados alguns anos antes, tanto mais que em causa está a concretização de um direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias e de dois dos mais estruturantes princípios porque se rege a Administração Pública.
6ª Por fim, a questão da cabimentação da verba e do momento a que se devem reportar os efeitos da decisão condenatória à homologação e à contratação de um docente assumem ainda uma importância fundamental por envolver a conjugação de diversos regimes jurídicos, seja o regime legal da cabimentação de verbas, da contratação ao nível do ensino superior e ainda da execução das sentenças anulatórias dos actos administrativos, uma vez que, perante a anulação do acto administrativo que extinguira o concurso, também deve ser chamado à colação a questão de se saber se não se deveria reconstituir a situação que teria existido se o concurso não tivesse sido extinto, o que necessariamente envolve apurar-se se a homologação e contratação não deveriam produzir os seus efeitos por referência ao passado.
7ª Consequentemente, julga-se estarem preenchidos in casu os pressupostos de que o nº 1 do art° 150º do CPTA faz depender a admissibilidade do recurso de revista, devendo este ser admitido e apreciadas e resolvidas as questões de importância fundamental suscitadas pelo acórdão recorrido.
8ª Para além de estarem preenchidos os pressupostos da admissibilidade do recurso de revista, deverá dizer-se que o aresto em recurso incorreu, ao condenar a entidade demandada a homologar o concurso e proceder à contratação do A. com efeitos reportados apenas para o futuro e já não com efeitos reportados à data em que tais actos deveriam ter sido praticados, em clara violação do regime de execução das sentenças anulatórias de actos administrativos, consagrado nos artºs 173º e segs do CPTA, e em violação dos princípios constitucionais da boa fé e da protecção da confiança, consagrados no art.º 266º da Constituição.
Com efeito,
9ª Se a abertura e, portanto, a própria existência do concurso depende da existência de cabimentação orçamental (v. art.º 16ª do ECDESP), muito naturalmente que o Tribunal a quo só poderia anular o acto que extinguira o concurso e manter aberto esse mesmo concurso se a cabimentação orçamental produzisse efeitos à data de abertura do concurso, ainda que só viesse a ser efectuada em 2020 ou 2021.
10ª Aliás, isso mesmo resulta do regime legal de execução das sentenças anulatórias de actos administrativos consagrado nos artºs 173º e segs. do CPA, do qual resulta, perante a anulação do acto de extinção do concurso, o “...dever da administração actuar por referência ao passado..." (v. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Anulação de actos administrativos e relações jurídicas emergentes, págs. 667 e 672), cumprindo todos os deveres que não tenha cumprido e ficando constituída no dever de praticar atos dotados de eficácia retroativa (v. art.º 173°/l/2 do CPTA).
11ª Consequentemente, a anulação do acto que extinguiu o concurso e, portanto, a decisão de manter o concurso aberto e de condenar a entidade demandada a homologar o seu resultado e contratar o docente pressupõe e implica que essa mesma entidade demandada cabimentasse a verba com efeitos à data de abertura do concurso e praticasse todos os actos que posteriormente deveria ter praticado, o que significa que teria de reconstituir a situação que teria existido e, como tal, de homologar o resultado final e de contratar o docente com efeitos à data em que tais actos deveriam ter sido praticados -2013.
12ª Deste modo, ao condenar a entidade demandada a cabimentar a verba, homologar o resultado final do concurso e a contratar o docente com efeitos apenas para o futuro, o aresto em recurso incorreu em flagrante violação de lei processual, designadamente do regime de execução das sentenças anulatórias de actos administrativos consagrado nos artºs 173º e segs do CPTA, dos quais decorre que a condenação à prática de tais actos deveria reportar-se ao passado e produzir efeitos desde a data em que os mesmos deveriam ter sido praticados se a lei tivesse sido cumprida.
Acresce que,
13ª Representa uma violação dos princípios constitucionais da boa fé e da protecção da confiança que se limitem os efeitos da condenação a homologar o resultado final de um concurso para professor adjunto e a contratar o docente provido em 1º lugar apenas para o futuro - 2020 ou 2021 - quando foi por motivo exclusivamente imputável à Administração que tais actos não foram praticados alguns anos antes - em 2013 - tanto mais que isso representa um benefício para quem violou a lei e uma penalização para quem legitimamente confiou na bondade e legalidade da decisão administrativa. (…)»
3. A entidade demandada «ISCAP», ora recorrida, contra-alegou, concluindo assim:
«(…) 7 - Não consegue, assim, de todo, o Recorrente convencer da verificação dos pressupostos para operacionalizar a excecionalidade do recurso de revista, uma vez que o aduzido implicaria, sem margem para qualquer dúvida, uma «generalização» do recurso de revista para toda e qualquer sentença proferida pelos tribunais...

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