Acórdão nº 01146/22.0BELRA de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 14-03-2024

Data de Julgamento14 Março 2024
Ano2024
Número Acordão01146/22.0BELRA
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (1 SECÇÃO)
Espécie: Recursos de revista de acórdãos do TCA

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I – RELATÓRIO

1. COMUNIDADE INTERMUNICIPAL DAS BEIRAS E SERRA DA ESTRELA (CIM-BSE), devidamente identificada nos autos, veio interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal Administrativo (STA), nos termos do artigo 150.º do CPTA, do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), que concedeu provimento ao recurso e revogou a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Viseu, julgou procedente a ação e, em consequência, anulou o ato de adjudicação proferido no âmbito do procedimento pré-contratual para “Aquisição de equipamento informático, por lotes”, relativo ao Lote 1 e condenou a Entidade Demandada a admitir a proposta apresentada pela Autora, A..., S.A., bem como, a adjudicar-lhe o contrato destinado ao fornecimento de 100 computadores portáteis.

2. A Autora, ora Recorrida, intentou ação de contencioso pré-contratual peticionando a anulação do ato administrativo praticado em 28/11/2022, pelo Presidente do Conselho Intermunicipal da Entidade Demandada, CIM-BSE, o qual, aprovando o relatório final do júri, determinou a exclusão da proposta da concorrente, ora Autora e a adjudicação da proposta da Contrainteressada, B..., LDA. ou, caso assim não se entenda, a anulação do ato administrativo que aprovou o relatório final do júri na parte que determinou a adjudicação da proposta daquela Contrainteressada.

3. Por saneador-sentença de 21/07/2023, o TAF de Viseu julgou a ação improcedente.

4. Inconformada, a Autora recorreu para o TCAN, o qual, por acórdão de 03/11/2023, concedeu provimento ao recurso e revogou a sentença recorrida, julgando a ação procedente por provada e, em consequência, anulou o ato de adjudicação e condenou a Entidade Demandada/Adjudicante a admitir a proposta apresentada pela Autora, bem como, a adjudicar-lhe o contrato relativo ao fornecimento de 100 computadores portáteis- Lote 1.

5. A CIM-BSE, não se conformando com o julgamento do TCAN, interpôs o presente recurso de revista para este STA, formulando, nas respetivas alegações, as seguintes conclusões:

1. A questão em apreciação nos presentes gera inequivocamente controvérsia, que é demonstrada pela existência de duas decisões judiciais contraditórias (a da primeira instância e a do Tribunal a quo).

2. Convém realçar que, o douto Acórdão ora impugnado, ao não confirmar uma decisão de primeira instância, apresenta inovadoramente uma solução para o caso, que não quadra com a jurisprudência conhecida do STA sobre a matéria.

3. Não se verifica, pois, uma situação de dupla conforme, o que só por si, aumenta a necessidade de intervenção do STA para que seja assegurado o bom funcionamento do contencioso administrativo e assim, para uma melhor administração da justiça.

4. Em face de tal erro de julgamento, justifica-se, mais uma vez, e salvo o devido respeito, a intervenção do STA para contribuir para o bom funcionamento do contencioso administrativo e assim, para uma melhor administração da justiça.

5. Acresce que as questões colocadas na presente Revista possuem uma capacidade expansiva, justamente por se poderem vir a colocar em várias acções pendentes e propor, relativas ao contencioso pré-contratual em que se aprecie a questão dos requisitos a que devem obedecer as propostas, quando está em causa a resposta a especificações técnicas constantes do Caderno de Encargos.

6. A presente Revista depara-se, assim, com diversas «quaestiones juris» complexas, cuja resolução, pelo Acórdão recorrido, é suficientemente controversa para exigir uma reanálise considerada a sua relevância jurídica e social fundamental e para garantir uma melhor aplicação do Direito.

7. Como se disse, incorre, o douto Acórdão a quo em erro de julgamento, salvo o devido respeito.

8. A ora Recorrida, quando apresentou a sua proposta no procedimento a que respeitam os presentes autos, limitou-se a apresentar uma tabela de preços unitários onde ser pode ler: “computadores portáteis”. Nada mais disse sobre os equipamentos que pretendia fornecer, caso lhe fosse adjudicada a proposta.

9. Se tal acontecesse, a entidade adjudicante estaria a comprar um equipamento “às cegas”, sem que, portanto, o proponente se vinculasse à entrega de um concreto tipo de computador, com as respectivas características técnicas.

10. Note-se que todas as demais propostas indicaram expressamente o computador que pretendiam fornecer.

11. O juízo constante do douto Acórdão a quo é, assim, errado, salvo o devido respeito, devendo soçobrar à acertada tese que consta da Sentença da primeira instância.

12. No caso dos autos, o preço é o único elemento diferenciador e o único critério a determinar a escolha da proposta vencedora. Neste tipo de procedimentos, o Caderno de Encargos tem de definir, clara e especificadamente, todos os requisitos a que deve obedecer o objecto concursado e os concorrentes têm de apresentar propostas que respeitem rigorosamente tais especificações.

13. Daí que, o artigo 49º, n.º 1 do CCP estabeleça que “As especificações técnicas, tal como definidas no anexo vii ao presente Código, do qual faz parte integrante, devem constar no caderno de encargos e devem definir as características exigidas para as obras, bens móveis e serviços”.

14. Assim, no caso vertente, como bem fez notar a douta Sentença da primeira instância, não estão em causa nem os atributos da proposta relativos a aspetos da execução do contrato submetidos à concorrência (artigo 56º, n.º 2 do CCP), nem os termos e condições relativos a aspetos da execução do contrato não submetidos à concorrência pelo caderno de encargos (artigo 57º, n.º 1, alínea c) do CCP).

15. O que está em causa, nos presentes autos, é a própria definição do objeto do contrato que se encontra em causa com o estabelecimento das especificações técnicas.

16. A ora Recorrente, na cláusula 23ª do Caderno de Encargos, definiu que os computadores portáteis a fornecer deviam cumprir determinadas especificações técnicas pelo que era obrigatório que a Autora tivesse especificado, na sua proposta, qual o tipo de computador portátil que se dispunha fornecer.

17. Assim, nunca seria suficiente que a Autora declarasse nos anexos da sua proposta que “se obriga a executar o referido contrato em conformidade com o conteúdo do mencionado caderno de encargos, relativamente ao qual declara aceitar, sem reservas, todas as suas cláusulas” ou que “propõe-se a execução [de] todos os trabalhos … em conformidade com o Caderno de Encargos”.

18. Como bem referiu a douta Sentença da primeira instância: a lógica é exatamente a inversa, no sentido em que é o concorrente que tem de especificar detalhadamente os computadores portáteis que se dispõe a fornecer de modo a possibilitar à entidade adjudicante apreciar se os mesmos cumprem com as especificações técnicas que determinou.

19. Como uma das cláusulas que tem de obrigatoriamente constar no contrato é “A descrição do objeto do contrato” (artigo 96º, n.º 1, alínea c) do CCP), apenas mediante a definição específica das caraterísticas dos computadores portáteis por ambas as Partes, se minimizam ou neutralizam os eventuais conflitos na fase da execução do contrato.

20. Como a Autora não respeitou – na proposta que apresentou - o objeto do contrato tal como foi definido pela Ré no Caderno de Encargos, a consequência legal para essa irregularidade só pode ser a exclusão da respetiva proposta nos termos do artigo 70º, n.º 2, alínea a) do CCP.

21. E não é o facto de esta norma não referir expressamente a irregularidade das propostas que impede esta solução.

22. Esta solução impõe-se uma vez que “Propostas irregulares são aquelas que não cumprem as condições estabelecidas na lei e nas peças do procedimento como condições ou requisitos de regularidade” e, “Na medida em que a lei faça corresponder a essa anomalia esse efeito, impõe-se a exclusão das propostas irregulares”, sendo que “Este desfecho apresenta-se incontornável para as propostas com irregularidades substanciais”, isto é, “Os vícios de fundo conduzem à exclusão das propostas, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 70.º” (PEDRO COSTA GONÇALVES, Direito dos Contratos Públicos, Almedina, Volume I, 2.ª edição, 2018, p. 824 e 734).

23. Acresce que não podia o júri, legalmente, solicitar qualquer esclarecimento à Autora quanto às caraterísticas técnicas dos computadores portáteis que a mesma se dispunha a fornecer, uma vez que tal implicaria uma alteração da sua proposta, assim se violando do princípio da intangibilidade da proposta, da transparência, da igualdade e da concorrência (cfr. art. 1.º, n.º 5 do CCP).

24. Assim, bem andou o Júri quando considerou, por unanimidade, que a proposta da Recorrente não apresentava as características técnicas dos equipamentos a fornecer, o que constituía uma violação do Caderno de Encargos, deliberando propor a exclusão da proposta da A., e bem andou a entidade adjudicante ao homologar tal relatório.

Normas violadas: n.º 5 do art. 1.º, n.º 1 do art. 56.º, al. a) do n.º 2 do artigo 70.º e n.º 1 do artigo 96º, todos do Código dos Contratos Público.”.

Pede que seja concedido provimento ao recurso e revogado o acórdão recorrido, com as consequências legais.

6. A Recorrida, A..., apresentou contra-alegações, as quais terminam com as seguintes conclusões:
1. A Entidade Demandada, aqui Recorrente, inconformada com o Acórdão proferido pelo Tribunal Central a quo interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo.

2. A questão em apreço nos autos já foi anteriormente identificada: “a questão a dirimir prende-se com a circunstância da Autora, na sua proposta, ter referido que se dispunha a fornecer “Computadores portáteis”, sem, contudo, ter especificado nenhuma característica dos mesmos, o que foi razão para a Ré ter entendido que a...

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