Acórdão nº 01143/10.8BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 2023-05-25

Ano2023
Número Acordão01143/10.8BEBRG
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Norte - (TAF de Braga)
Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

«AA», contribuinte n.º ..., residente na Rua ..., ..., ..., interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, em 09/04/2018, que julgou improcedente a Oposição Judicial deduzida contra o processo de execução fiscal n.º ...10, instaurado pelo Serviço de Finanças ..., para cobrança coerciva de dívidas respeitantes a Imposto Sobre as Sucessões e Doações, liquidado no processo 9960, pela transmissão de bens ocorrida por óbito de seu pai «BB», ocorrido em .../.../2002, no montante exequendo de €64.083,23.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
“1.- Vem o presente recurso interposto da douta sentença judicial proferida em 09.04.2018, nos autos identificados, que julgou totalmente improcedente a oposição deduzida ao processo de execução fiscal instaurado pelo Serviço de Finanças ... e, consequentemente, absolveu a Fazendo Pública do pedido.
2.-Entende a recorrente que a douta sentença judicial incorre num errado enquadramento dos factos e uma errada interpretação e aplicação das normas jurídicas, como passamos a demonstrar.
3.- Conforme resulta da Acta de Audiência de Inquirição de Testemunhas, realizada no dia 16.11.2010, foram inquiridas nos presentes autos, duas das quatro testemunhas arroladas pela recorrente, para prova dos factos constantes dos artigos 1º a 38º, 48º a 54º da oposição apresentada, encontrando-se tais depoimentos devidamente gravados em sistema fonográfico (cassete), identificada como cassete nº 1, lado A.
4.- Ou seja, para além dos meios de prova, que representam os documentos que se encontram juntos autos, trazidos pela recorrente (sobre os quais o Tribunal a quo nem sequer se pronunciou) e pela recorrida, outros meios de prova existiram, materializados nos depoimentos das testemunhas.
5.- No processo judicial tributário o vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do CPPT, norma onde estão consagrados todos os vícios (e não quaisquer outros) susceptíveis de ferir de nulidade a sentença proferida em processo judicial tributário (cfr.Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.357 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/2/2011, rec.871/10; ac.S.T.A-2ª.Secção, 13/10/2010, rec.218/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/5/2013, proc.6406/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.6871/13; ac.TCA Sul-2ª.Secção, 15/5/2014, proc.7508/14).
6.- A exigência de fundamentação é justificada pela necessidade de permitir que as partes conheçam as razões em que se apoiou o veredicto do tribunal a fim de as poderem impugnar e para que o tribunal superior exerça sobre elas a censura que se impuser.
7.- Logo, o julgamento da matéria de facto é um momento essencial da realização da justiça constitucionalmente cometida aos tribunais.
8.- De acordo com o disposto no artigo 205º da Constituição da República Portuguesa, as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
9.- O juiz tem, por isso, o dever de se pronunciar sobre a factualidade alegada e sobre a que lhe seja lícito conhecer oficiosamente e que se apresente relevante para a decisão, discriminando também a matéria provada da não provada e fundamentando as suas decisões, procedendo à apreciação crítica dos elementos de prova e especificando os fundamentos decisivos para a convicção formada - cfr. artigos 123.º, n.º 2, do CPPT.
10.- Exige-se assim, por um lado, a análise crítica dos meios de prova produzidos e, por outro, a especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do juiz, expressa na resposta positiva ou negativa dada à matéria de facto controvertida.
11.- “Não se trata, por conseguinte, de um mero juízo arbitrário ou de intuição sobre a realidade ou não de um facto, mas de uma convicção adquirida através de um processo racional, alicerçado - e, de certa maneira, objectivado e transparente - na análise criticamente comparativa dos diversos dados trazidos através das provas e na ponderação e maturação dos fundamentos e motivações essencialmente determinantes da opção feita e cuja enunciação, por exigência legal, representa o assumir das responsabilidades do julgador inerentes ao carácter público da administração da Justiça” – cfr. J. Pereira Baptista, in Reforma do Processo Civil, 1997, pags 90 e ss.
12.- O exame crítico da prova deve consistir, pois, na indicação dos elementos de prova que foram utilizados para formar a convicção do juiz e na sua apreciação crítica, de forma a ser possível conhecer as razões por que se decidiu no sentido decidido e não noutro.
13.- O julgador não se deve limitar a uma simples e genérica indicação dos meios de prova produzidos (v.g. “prova testemunhal” ou “prova por documentos”), impondo-se-lhe que analise criticamente essa prova produzida.
14.- O tribunal deve, assim, justificar os motivos da sua decisão quanto à matéria de facto, declarando por que razão deu mais credibilidade a uns depoimentos e não a outros, julgou relevantes ou irrelevantes certas conclusões dos peritos, achou satisfatória ou não a prova resultante de documentos particulares, etc.
15.- Não basta, pois, apresentar, como fundamentação, os simples meios de prova, v.g., “os depoimentos prestados pelas testemunhas…”, sendo necessária a indicação das razões ou motivos porque relevaram no espírito do julgador - cf. António Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, II Volume, 2ª, edição, a págs. 253 a 256.
16.- Sobre esta matéria, fazemos, ainda, apelo aos doutos ensinamentos de Jorge Lopes de Sousa vertidos in CPPT anotado e comentado, 2006, volume I, págs. 906 e 907, segundo o qual :”(…) Relativamente à matéria de facto, esta nulidade abrange não só a falta de discriminação dos factos provados e não provados, exigida pelo nº2 do artigo 123º desde Código, como a falta de exame crítico das provas , previsto no nº3 do art.659º do CPC”. (actual artigo 607º).
17.- Com efeito, esta falta não pode deixar de reportar-se à fundamentação de facto exigida por este Código e nele, exige-se não só a indicação dos factos provados, mas também dos não provados.
18.- Trata-se, de uma exigência suplementar de fundamento de facto, não prevista no Código Civil, que é a discriminação da matéria de facto não provada, cumulativamente com a provada.
19.- Na previsão desta norma, a indicação da matéria de facto não provada deve ser feita indissociavelmente da indicação da matéria de facto provada, como se depreende da expressão «o juiz discriminará também a matéria provada da não provada», o que supõe que essa discriminação seja feita concomitantemente.
20.- Sendo assim, a falta de discriminação da matéria de facto não provada, no domínio do contencioso tributário, será equiparável à falta de indicação da matéria de facto provada para efeitos de nulidade prevista no art.° 125.° n.° 1.
21.- Como resulta do regime ínsito no artigo 123º do Código de Procedimento e Processo Tributário (ao deante CPPT), na sentença o «O juiz discriminará também a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões.» (itálico e negrito nossos).
22.- Como vem sendo defendido recorrentemente na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo “a fundamentação das decisões judiciais, em geral, cumpre duas funções: a) uma, de ordem endoprocessual, que visa essencialmente impor ao juiz um momento de verificação lógica da decisão, permitir às partes o recurso da decisão com perfeito conhecimento da situação e, ainda, colocar o tribunal de recurso em posição de exprimir, em termos mais seguros, um juízo concordante ou divergente; b) outra, de ordem extraprocessual, já não dirigida essencialmente às partes e ao juiz ad quem, que procura, acima de tudo, tornar possível um controlo externo e geral sobre a fundamentação factual, lógica e jurídica da decisão, uma vez que o conhecimento das convicções do julgador quanto à matéria de facto e dos critérios de avaliação da prova com que operou é essencial para o controlo da definição da verdade que o mesmo deu como existente.
23.- Repetindo o Tribunal Constitucional, “a fundamentação das decisões judiciais, em geral, e particularmente em relação à matéria de facto, é assim uma expressão do princípio do Estado de Direito democrático, na sua vertente de controlo público da justiça ... A decisão da matéria de facto nunca pode surgir, assim, como um resultado justificado apenas subjectivamente, como se tratasse de uma simples afirmação de um poder judicativo pessoal, mas tem, ao invés, de estar suportada em razões objectivadas e objectivamente controláveis quanto à razoabilidade dos critérios de aferição da realidade dada como assente ou julgada como não assente, mormente quando esses critérios não estão predefinidos legalmente, como acontece nas provas de valor legal, mas assentam antes em modos racionais de conhecimento da realidade, como as máximas de experiência comum, do saber científico, psicológico, técnico, etc. (…)- in AC. STA, de 12.02.2003, recurso 1850/02.
24.- Recuperando a douta sentença recorrida, face à análise do que da mesma consta, é de todo, omitida a explicitação do exame crítico da prova produzidas, nomeadamente a de natureza testemunhal, nos termos legalmente exigidos, desde logo por se verificar que, dos autos, consta registo documental (acta de inquirição) e fonográfico (cassete) relativo aos depoimentos das testemunhas inquiridas.
25.- E, na verdade, da fundamentação de facto da douta sentença recorrida, tal prova testemunhal é completamente omitida, tendo sido preterida com relação à demais prova produzida para os autos, nem...

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