Sentença ou Acórdão nº 0000 de Tribunal Central Administrativo, 01 de Janeiro de 2023 (caso Acórdão nº 01124/09.4BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 2023-04-13)

Data da Resolução01 de Janeiro de 2023
Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

A FAZENDA PÚBLICA interpõe recurso da sentença que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida por «X, Lda.», contra as liquidações adicionais de IRC dos anos de 2005, 2006 e 2007.

Formula nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:
A - Vem o presente recurso interposto da sentença proferida em 15/06/2018, nos segmentos que julgam procedentes o vício de violação de lei imputado às liquidações de IRC dos anos de 2006 e 2007, por erro nos pressupostos de facto, determinantes da sua anulação, na parte relativa aos custos desconsiderados com base em documentos que a AT concluiu não titularem operações reais (o que prejudicou o conhecimento da correção dos custos “de substituição” calculados por recurso a métodos indiretos e o vício de violação de lei, no que respeita ao cálculo do imposto por tributação autónoma no exercício económico de 2007).
B - Subjacentes às liquidações impugnadas as correções de natureza meramente aritmética à matéria tributável nos montantes de € 15.260,00 e € 50.472,81, respetivamente, referentes às faturas emitidas pela sociedade «Y, L.da.» no valor de € 15.260,00 no ano de 2006 e € 40.201,15 no ano de 2007 e, ainda neste ano, por AA, no valor de € 10.280,00, cujas prestações de serviços ali apostas como efetuadas à impugnante a AT intitula como não materialmente realizadas e, consequentemente, desconsidera os custos contabilizados, nos termos do art. 23º do CIRC.
C - Em situações deste tipo, em que a AT procede a correção da matéria coletável declarada por considerar que certas faturas documentam custos não correspondentes a operações reais, lhe compete reunir e demonstrar factos que, interpenetrados e apreciados com recurso às regras de experiência comum, permitam concluir que às faturas visadas não correspondem operações reais, efetivas, cabendo só depois ao contribuinte a prova de que as questionadas operações tiveram efetivamente lugar.
D - Não carece a AT de fazer prova da existência de acordo simulatório (existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros – cfr. art. 240º do CC) para satisfazer o ónus de prova que sobre si impende, bastando-lhe provar a factualidade que a levou a não aceitar esses custos, factualidade essa que tem de ser suscetível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respetivos documentos de suporte.
E- A fls. 8 a 12 da sentença aqui em apreço, por referência ao relatório da inspeção tributária e respetivos anexos, vem elencada e documentalmente sustentada a motivação da AT, da qual sintetizamos o mais relevante:
a «Y, L.da.» não possui título habilitante para o exercício da atividade de construção (alvará) desde 31/01/2005;
é contribuinte não declarante à AT;
inexistem evidências de pagamento das faturas contabilizadas – nem cópia de cheques, nem qualquer saída de numerário das contas da impugnante ou do seu sócio gerente.
«YY», sócio único da emitente, ao qual aludem as declarações de recebimento relevadas nos pontos 22, 29, 33 e 37 do probatório, havia falecido em 10/05/2005, data muito anterior à emissão de tais declarações – factualidade que, na ótica da Fazenda Pública seria de relevar no probatório.
não é identificado qualquer trabalhador envolvido nas várias obras, nem tão pouco apólices de acidentes de trabalho;
no total, os custos contabilizados (dos equipamentos fornecidos + serviços de construção civil – os quais não eram faturados aos clientes) são superiores aos proveitos resultantes da faturação aos clientes.
A fls. 5 a 8 a motivação da AT relativamente ao emitente AA, da qual sintetizamos:
os arquivos contabilísticos da impugnante são omissos relativamente a qualquer indicação dos produtos divulgados, contrato de divulgação ou forma de cálculo do valor constante das faturas emitidas,
as faturas emitidas encontram-se contabilisticamente por pagar, apenas existindo prova do pagamento do valor correspondente ao somatório dos valores do IVA liquidado nas três faturas contabilizadas.
O cheque para pagamento do valor líquido total das faturas nunca foi descontado (alegadamente por dificuldades financeiras da impugnante, não refletidas na respetiva contabilidade), encontrando-se na posse sócio gerente da impugnante, que alega ter procedido a adiantamentos em numerário.
F - Factualidade que, na ótica da AT, apreciada concreta e conjugadamente com recurso às regras de experiência comum, permitiu concluir que às faturas visadas não correspondem operações reais, efetivas; isto é, cumprem com propriedade, seriedade consistência e relevância o seu ónus probatório com vista a ilidir a presunção de veracidade das declarações e escrita do contribuinte.
G - Ao qual não bastaria gerar a mera dúvida sobre a falsidade das faturas para conseguir ganho de causa, pois estando onerado com a prova da materialidade das operações, se persistir a dúvida, esta resolve-se contra o beneficiário (cfr. art. 414º do CPC e Acórdão do TCA Sul nº 07141/13 de 26-06-2014.
H - Nos presentes autos, limita-se a impugnante a infirmar, sem qualquer densificação objetiva ou suporte documental (na verdade, a impugnante nada acresce aos elementos documentais recolhidos na ação inspetiva, única prova documental produzida nos presentes autos) a falsidade das operações tituladas pelas faturas cujos valores foram desconsiderados pela AT.
I - Faturas falsas, são documentos nas quais o emitente declara a prestação de um serviço ou a venda de bens que não correspondem a operação material realmente existente. Simulam uma realidade que não existe ou, pelo menos, não existe tal como nelas se documenta. Destinam-se a ser contabilizadas pelo beneficiário como custos (gastos ou perdas, art. 23º do CIRC) para assim poder reduzir o lucro tributável (art.º 17º CIRC) subtraindo-se ao pagamento do imposto devido (art.ºs 87º a 104º do CIRC), parcialmente ou mesmo na sua totalidade, ou (e) ainda obter reporte de prejuízos (art. 52º CIRC).
J - Pela própria natureza da operação, os simuladores tentam que a aparência documental seja a mais aproximada possível da que existe nas operações reais. Por isso, não faltam no universo das faturas falsas os respetivos contratos nem as faturas preenchidas com todos (ou quase) os elementos que a lei exige (art.º 36º do CIVA); no mesmo contexto, emitem-se recibos, cheques (normalmente, mas nem sempre, descontados ao balcão) etc. para que toda a aparência com as operações reais seja mantida e os objetivos tributários visados não sejam defraudados. Escudado nesta aparência e confortado com a presunção de verdade e boa fé das declarações apresentadas nos termos da lei (art. 75º, nº1 da LGT), o simulador defende a sua posição com todos os argumentos que as aparências potenciam.
K - Onerado com o ónus da prova da veracidade das operações materiais subjacentes à faturação indiciada como falsa, os esforços que o contribuinte deve mobilizar para abalar os indícios de falsidade recolhidos não podem deixar de ser exigentes e sem margem para dúvidas. E, se é verdade que na concretização desse esforço probatório todos os meios de prova são admissíveis, incluindo a prova testemunhal (art. 115º/1 do CPPT), a verdade é que se fundar a sua prova apenas na prova testemunhal para demonstrar a materialidade das operações faturadas terá, reconhecida e compreensivelmente, dificuldades em fazê-lo – cfr. Acórdão do TCA Norte nº 00300/04 de 12-10-2006.
L - E tanto assim é que a Meritíssima Juíza a quo se mostra pouco esclarecida quanto à prova testemunhal produzida, o que ressalta de fls. 28, no que às declarações de parte prestadas pelo sócio gerente da impugnante concerne, quando afirma “revelou-se o seu depoimento vago e pouco preciso quanto às suas relações com a sociedade «YY», não explicando pormenorizadamente a intervenção em específico dos trabalhos realizados pela sociedade nas obras e trabalhos em causa, tendo identificado os serviços prestados e os seus trabalhadores e com quem se relacionou de forma genérica...” – a pergunta que decorreria da experiência comum seria: como é que a impugnante iria confiar a realização de uma subempreitada a alguém cujo nome desconhece e cujas capacidades profissionais certamente também ignora? Quem eram estas pessoas? Quais os seus nomes e moradas? Porque não foram chamados a depor? Porque não foram oferecidos documentos comprovativos da sua presença nas obras (por exemplo, folhas de seguro)?
M - O mesmo se diga do depoimento da testemunha BB, funcionário da impugnante, “quanto aos serviços em causa nas faturas emitidas pela «YY», ... explicou os serviços efetuados pela impugnante, tendo sido no entanto um pouco vago quanto à intervenção daquela sociedade na prestação dos mesmos, e identificação dos funcionários que apenas em genérico referiu a nacionalidade, mostrando ainda desconhecimento...dos valores e negociações entre a impugnante e aquela sociedade”.
N - no que ao emitente AA concerne, quer as declarações de parte, quer a prova testemunhal permitiram apenas dar como provada a factualidade constante dos pontos 53 a 55, ou seja, nada acrescentando de novo ao já apurado pela inspeção tributária.
O - A demonstração da realidade dos factos que se pretende com a prova traduz-se na convicção subjetiva, criada no espírito do julgador, de que aquele facto ocorreu. Não se trata de uma certeza absoluta acerca da realidade dos factos, que nunca seria alcançável, mas de um grau de convicção suficiente para as exigências da vida. Ora, este grau de convicção suficiente para as exigências da vida, que é como quem diz um grau de convicção assente na relativa certeza do facto (e não na sua...

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