Acórdão nº 01061/16.6BEALM de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 2022-09-21

Data de Julgamento21 Setembro 2022
Ano2022
Número Acordão01061/16.6BEALM
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (2 SECÇÃO)
Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


I – RELATÓRIO

I.1 Alegações
A FAZENDA PÚBLICA vem recorrer da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A…………….., SA, melhor identificado nos autos, na sequência do indeferimento da reclamação graciosa, contra os actos de autoliquidação de IRC relativos aos anos de 2013 e 2014 e respectivos juros compensatórios.
Apresenta as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões a fls. 283 a 295 do SITAF;
1. Salvo o devido respeito, a Fazenda Pública não pode deixar de constatar que os fundamentos supra elencados apontam no sentido da improcedência da posição defendida pela ora impugnante, levando-nos a concluir que o artigo 90.º, do CIRC, não se aplica às tributações autónomas.
2. Mas, a ser assim, como é, será que se está perante um caso em que existe uma lacuna na lei (Mas sendo esta uma lei fiscal, esta não permite a integração), ou antes perante uma situação em que, a aceitar que a liquidação das tributações autónomas se faça fora do artigo 88.º, n.º 1 do CIRC, seria obrigar o contribuinte a pagar um imposto cuja liquidação não se faz nos termos da lei, contrariando, assim, o n.º 3 do artigo 103º, da CRP, e o princípio da legalidade tributária estabelecido no artigo 8.º, n.º 2/a) da LGT.
3. Porém, independentemente de tudo, dúvidas não restam que a liquidação das tributações autónomas não requer a aplicação do artigo 90.º, do CIRC, existindo uma forte incompatibilidade entre aquela figura e este artigo.
4. Na verdade, antes da incorporação no CIRC, a tributação autónoma em IRC encontrava-se prevista em diploma avulso, mais concretamente no artigo 4.º, do Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de Junho, cuja redação foi sofrendo diversas alterações dadas, respetivamente, pelas Leis n.ºs 52-C/96, de 27 de Fevereiro; 87-B/98 de 31 de Dezembro e 3-B/2000 de 29 de Abril.
5. Da leitura das diversas redacções, que nos dispensamos de transcrever, que foram sendo dadas ao citado diploma, que anteriormente regulava a tributação autónoma, constata-se o seu regime era semelhante ao actual, na medida em que também se encontravam definidos na norma os elementos essenciais do imposto, mais concretamente, a incidência subjetiva e objetiva, a matéria e tributável, as taxas e, ainda que não consagrava quaisquer regras semelhantes às constantes do artigo 90º do CIRC.
6. Isto é, a liquidação das tributações autónomas efectuava-se sem apoio em norma semelhante à do aludido artigo 90.º do CIRC.
7. Não obstante, tanto quanto nos é dado a saber, nunca foi suscitada qualquer questão relacionada com a violação do artigo 103º, n.º 3 da CRP, a propósito e/ou decorrente da tributação autónoma, com base em liquidação de tributação autónoma sem fundamento legal, eventualmente porque o artigo 4.º, do Decreto-Lei n.º 192/93, de 9 de Junho, à semelhança do que ocorre com o artigo 88.º, do CIRC, previa todos os elementos de que dependia a liquidação da tributação autónoma – Incidência/Matéria tributável/Taxa.
8. Razão pela qual, face aos argumentos apresentados, se concluiu que a orientação que considera que o artigo 90.º, do CIRC, se aplica à liquidação das tributações autónomas, carece naturalmente de legitimidade.
9. Ficando prejudicada, face a este enquadramento jurídico, a análise da matéria de facto relativa aos pagamentos especiais por conta que a impugnante alega ser titular para efeitos de dedução.
10. Acresce que, como antedito, em 31-05-2017, quando o Tribunal Constitucional proferiu o acórdão n.º 267/2017, havia já jurisprudência arbitral no sentido de os pagamentos especiais por conta não serem dedutíveis à colecta de IRC gerada pelas tributações autónomas, designadamente o acórdão de 30-12-2015, proferido no processo n.º 113/2015-T, e já depois da entrada em vigor a Lei n.º 7-A/2016, os seguintes acórdãos, além de outros: de 28-04-2016, proferido no processo n.º 673/2015-T; de 04-05-2016, proferido no processo n.º 781/2015-T; de 13-05-2016, proferido no processo n.º 784/2015-T; de 14-06-2016, proferido no processo n.º 736/2015-T; de 14-06-2016, proferido no processo n.º 745/2015-T; de 11-07-2016, proferido no processo n.º 670/2015-T (com um voto de vencido); de 15-07-2016, proferido no processo n.º 749/2015-T; de 28-08-2016, proferido no processo n.º 722/2015-T; de 25-08.-2016, proferido no processo n.º 746/2015-T; de 07-09-2016, proferido no processo n.º 639/2015-T; de 07-10-2016, proferido no processo n.º 727/2015-T.
11. E, ainda, que a interpretação, que veio a ser explicitada neste n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, era já, quanto aos pagamentos especiais por conta (e diferentemente do que sucedia com os benefícios fiscais), a que deveria ser adoptada anteriormente.
12. Por isso, a pretensão da ora impugnante de que os pagamentos especiais por conta sejam deduzidos à colecta de tributações autónomas, não pode proceder.
13. Neste sentido, veja-se o recente Acórdão do STA de 27/09/2017, proc. 0146/16, que passamos a citar – Sumário – I - As tributações autónomas, inicialmente previstas como meio de combater a evasão e fraude fiscais, designadamente as despesas confidenciais e não documentadas, reportavam-se a encargos fiscalmente não dedutíveis; ulteriormente, na prossecução da obtenção de receita fiscal, o seu âmbito foi progressivamente alargado a despesas cuja justificação do ponto de vista empresarial se revela duvidosa e a despesas que podem configurar uma atribuição de rendimentos não tributados a terceiros, relativamente às quais a dedutibilidade só era admitida se acompanhada pela tributação autónoma.
II - Estando em causa tributações autónomas respeitantes a “encargos com viaturas”, “despesas de representação” e “encargos com ajudas de custo e de compensação pela deslocação em viatura própria do trabalho”, i.e., respeitantes a despesas dedutíveis, a ratio legis parece ser, não só a de obviar à erosão da base tributável e consequente redução da receita fiscal, mas também a de tributar (na esfera de quem os distribui) rendimentos que de outro modo não conseguiriam ser tributados na esfera jurídica dos seus beneficiários.
III - Estas tributações autónomas, que, embora liquidadas no âmbito do IRC, constituem uma imposição fiscal materialmente distinta deste, espoletadas por despesas, foram incluídas pelo legislador no CIRC através da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro.
IV - Mesmo antes das alterações introduzidas no CIRC pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, os encargos fiscais com as tributações autónomas não eram dedutíveis para efeitos de IRC, como resultava da conjugação dos arts. 23.º, n.º 1, alínea f) e 45.º, n.º 1, alínea a), do CIRC, naquela que se nos afigura a melhor interpretação, pois, por um lado, o legislador (bem ou mal e, a nosso ver, mal) sempre as considerou como IRC, incluindo o seu regime legal no âmbito do respectivo código (pelo menos desde a referida Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro) e, por outro, não faria sentido que o efeito pretendido pelo legislador com essas tributações autónomas, de atenuar ou mesmo anular o efeito financeiro decorrente da dedução das despesas por elas tributadas, fosse, depois, contrariado pela dedução dos encargos com essas tributações. Sublinhado, nosso.
V - O art. 23.º-A do CIRC – aditado pela Lei n.º 2/2014, lei que, do mesmo passo, revogou o art. 45.º daquele Código –, pese embora a sua incorrecção terminológica, na medida em que parece reconduzir a espécie tributária tributações autónomas ao IRC (permanecendo o legislador no mesmo erro), não configura uma lei inovadora, porque de facto nada inovou, tendo-se limitado a consagrar uma interpretação possível da lei anterior.
14. A assim não ser entendido, estar-se-ia perante uma violação clara, do n.º 3, do artigo 103º, da CRP, bem como do princípio da legalidade tributária estabelecido no artigo 8.º, n.º 2/a) da LGT, e, ainda, do dispositivo legal contido no n.º 12, do Artigo 88.º do CIRC, à data em vigor.

I.2 – Contra-alegações
Foram produzidas contra-alegações pela sociedade recorrida, as quais encerra com o seguinte quadro conclusivo:
a) As questões apreciadas na Sentença recorrida consistem em saber se (i) O montante pago a título de tributações autónomas em sede de IRC integra a coleta deste imposto; e se (ii) Decorria de alguma norma do CIRC que o PEC (assim como as demais deduções referidas no artigo 90.º, n.º 2, do citado Código) realizado num dado ano não podia ser deduzido à coleta de IRC apurada nesse ano, incluindo nessa coleta os montantes já pagos a título de tributações autónomas em sede de IRC.
b) Tendo respondido afirmativamente à primeira questão e negativamente à segunda – sendo certo que ambas as questões relevam exclusivamente da interpretação e aplicação do direito infraconstitucional –, o tribunal recorrido considerou que o novo n.º 21 do artigo 88.º do CIRC tem caráter inovador, razão pela qual a sua aplicabilidade a anos fiscais anteriores ao de 2016, conforme determinado pelo artigo 135.º da LOE 2016 – na medida em que atribui uma natureza meramente interpretativa, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 13.º, n.º 1, do Código Civil – implica retroatividade fiscal constitucionalmente proibida.
c) Assim, o objeto do presente recurso redunda na norma do artigo 135.º da LOE 2016, na parte em que, por efeito do caráter meramente interpretativo que lhe atribui, determina que a norma da 2.ª parte do n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, aditado pelo artigo 133.º da citada Lei, segundo a qual, ao montante global resultante das tributações autónomas liquidadas num dado ano em sede de IRC, não podem ser deduzidos os valores pagos a título de PEC nesse mesmo ano, se aplique aos anos fiscais anteriores a 2016.
d) A tributação autónoma incide sobre certas despesas tipificadas efetuadas pela empresa, não...

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