Acórdão nº 01025/14.4BEAVR de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 29-11-2023

Data de Julgamento29 Novembro 2023
Ano2023
Número Acordão01025/14.4BEAVR
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (2 SECÇÃO)
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Relatório

1.1. O REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA, interpõe recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A..., S.A., contra a liquidação adicional de IRC do exercício de 2011, concluindo da seguinte forma as suas alegações de recurso:
«I. Visa o presente recurso reagir contra a sentença proferida nos autos em epígrafe, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A..., S.A. relativamente ao IRC do exercício de 2011.
II. O Tribunal julgou procedente a presente acção impugnatória por considerar inaplicável o regime previsto no n.º 8 do artigo 69.º do Código do IRC, com a consequente invalidade do acto que determinou a cessação da aplicação do RETGS a todas as sociedades que integravam o perímetro fiscal do grupo, com efeitos a partir de 01/01/2010, e com a anulação da liquidação em causa nos presentes autos.
III. A questão decidenda a submeter ao julgamento do Tribunal ad quem consiste em saber se a sentença padece de erro de julgamento de direito, por incorrecta interpretação e aplicação do regime consagrado no artigo 69.º do Código do IRC (na redacção vigente à data dos factos).
II – A FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA RECORRIDA

IV. Não nos suscitando quaisquer reparos a factualidade dada como provada, a discordância da recorrente face ao decidido centra-se no segmento atinente à fundamentação de direito, a qual se estribou numa outra decisão judicial referente a uma das empresas que integrava o grupo societário em causa.
V. Como se refere naquela decisão, resulta do artigo 69.º do CIRC que, uma coisa, são os requisitos para a existência de um grupo de sociedades e, outra, a determinação das sociedades que podem integrar esse grupo.
VI. Para que um grupo de sociedades possa optar pelo regime especial de tributação, revela-se necessário que exista uma sociedade dominante que detenha, directa ou indirectamente, pelo menos 90% do capital de outra ou outras sociedades dominadas, desde que tal participação lhe confira mais de 50% dos direitos de voto há mais de um ano, com referência à data em que se inicia a aplicação do regime, excepto quando se trate de sociedades constituídas pela sociedade dominante há menos de um ano.
VII. O Tribunal a quo, considerando não ser controvertido que apenas em 19-02-2010 a B... passou a deter mais de 90% do capital social da C..., concluiu não ser de aplicar a exclusão da obrigação da detenção da participação na sociedade dominada há mais de um ano, prevista no n.º 5 do artigo 69.º do CIRC.
VIII. Assim, tal como entendeu a AT, em 01-01-2010 a B... não era a sociedade dominante da C... para os efeitos previstos no n.º 2 do artigo 69.º daquele diploma. IX. Porém, considerou o Tribunal que, tendo a cessação da aplicação do RETGS a todas as sociedades integradas no grupo sido determinada tendo por base o disposto na alínea a) do n.º 8 e na alínea c) do n.º 9 do artigo 69.º do CIRC, a AT não poderia extrair desses normativos tal consequência, porquanto estes se reportam à cessação do regime, sendo que apenas poderá cessar uma situação jurídica que se constituiu validamente, o que, in casu, não teria sucedido.
X. Em suma, considerou-se na sentença que, “face ao entendimento exteriorizado pela AT, a invalidade da conduta da sociedade dominante, em causa nos presentes autos, localiza-se na comunicação da inclusão da sociedade C... no perímetro de tributação e já não na alteração das características da participação detida após a admissão e aplicação do RETGS a esta sociedade, facto esse que, a ter acontecido, efectivamente determinaria a cessação da aplicação do RETGS ao grupo em que a Impugnante se encontrava”.
III – O ERRO DE JULGAMENTO DE DIREITO

XI. Verifica-se, portanto, que o Tribunal fez assentar a sua decisão no entendimento de que o n.º 8 do artigo 69.° do CIRC não se aplica às situações em que esteja em causa a constituição de um grupo de sociedades, porquanto, nesses casos, devem as correcções assentar na exclusão ou inclusão no grupo para efeitos de RETGS, das sociedades que, nos termos legais, o devam integrar, tributando, segundo as regras daquele regime, o grupo assim formado e, autonomamente, as sociedades que em cada caso não o possam integrar.
XII. Porém, ao assim ter decidido, laborou o Tribunal a quo em erro de julgamento de direito, por incorrecta interpretação e aplicação do preceituado no artigo 69.º do CIRC.
XIII. O legislador impôs condições (de natureza substancial e formal) bastantes rigorosas quanto à aplicação do RETGS, enquanto regime propiciador de vantagens fiscais para as entidades por ele abrangidas.
XIV. Verificando-se a inclusão de uma sociedade que, à data de 01/01/2010, não cumpria o requisito previsto na alínea b) do n.º 3 do artigo 69.º, importa aferir se, in casu, se verifica, ou não, uma das condições previstas no n.º 8 para a cessação de aplicação do regime ao grupo.
XV. O Tribunal entendeu não ser de aplicar a referida alínea a) do n.º 8, conjugada com a alínea c) do n.º 9, ambos do artigo 69.º do CIRC, dado que tal regime “apenas será de aplicar a uma situação jurídica que se constituiu validamente, o que, como vimos, não é o caso”.
XVI. Cremos, no entanto, que a expressão “deixe de se verificar alguns dos requisitos referidos nos números 2 e 3”, utilizada naquela alínea a) do n.º 8, deverá ser interpretada como respeitando ao grupo de sociedades no seu conjunto, o que significa que o legislador terá pretendido estabelecer a cessação do grupo sempre que este (grupo) deixe de preencher alguma das condições previstas nos aludidos n.ºs 2 e 3 do mesmo artigo.
XVII. Ademais, as normas em apreço têm carácter imperativo, o que vale por dizer que não é concedida à AT qualquer margem de discricionariedade na sua aplicação, não cabendo àquela substituir-se ao legislador na tarefa da determinação das consequências decorrentes do incumprimento de tais normas imperativas.
XVIII. Por outro lado, o Tribunal a quo, ao centrar a sua decisão na condição da dominada, olvidando os reflexos e os efeitos que esta condição impôs ao grupo, não observou o regime legal que emerge do aludido artigo 69.º do CIRC.
XIX. A C... foi efectivamente integrada no perímetro fiscal do grupo pela sociedade dominante B..., por opção, desde logo para o exercício de 2010, e desta inclusão não podem deixar de ser extraídas as imperativas consequências legais.
XX. O grupo deixou de reunir as condições para ser tributado de acordo com o RETGS, não nos parecendo que tenha sido intenção do legislador estabelecer uma diferença de regime para a aplicação desta sanção consoante esta perda das condições tenha ocorrido por via da inclusão de uma sociedade sem a necessária percentagem de participação ou por via da alteração dessa percentagem por parte de uma outra anteriormente nele inserida.
XXI. Quando se diz na sentença que a alínea a) do n.º 8 e a alínea c) do n.º 9 do artigo 69.º do CIRC não são aqui aplicáveis porque “se reportam à cessação do regime, sendo que apenas poderá cessar uma situação jurídica que se constituiu validamente, o que, como vimos, não é o caso”, cremos que se estará a incorrer, quanto à respectiva constituição, numa desajustada confusão entre a situação jurídica do grupo e a situação jurídica da C....
XXII. Com efeito, o grupo encontrava-se validamente constituído para efeitos de aplicação do RETGS e só deixou de se encontrar nessa situação jurídica quando passou a integrar a aludida C..., conduzindo à cessação do regime de tributação.
XXIII. Portanto, aqui podemos dizer que, efectivamente, podia cessar (como cessou) uma situação jurídica porque a mesma tinha, efectivamente, sido validamente constituída.
XXIV. O que deverá relevar, deste modo, para efeitos de aplicação do preceituado na alínea a) do n.º 8 do artigo 69.º do CIRC é a determinação da situação geral do grupo e o que deve ser questionado é se o grupo, por via daquela inclusão, continuou ou não continuou a preencher os requisitos necessários para a tributação segundo aquele regime especial.
XXV. Em face do exposto, com o devido respeito que a decisão nos merece, laborou-se na mesma em erro de julgamento de direito, por violação do preceituado no artigo 69.º do CIRC, devendo tal norma ser interpretada no sentido da sua aplicação aos casos em que um grupo, seja por força da inclusão de uma sociedade que não obedece aos requisitos legais, seja pelo facto de uma sociedade, já incluída, deixar de preencher esses mesmos requisitos, passa a não poder ser tributado pelo RETGS, determinando a cessação da aplicação ao mesmo desse regime especial de tributação.
Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser considerado procedente, revogando-se a decisão ora posta em crise e considerando-se a impugnação improcedente, assim se fazendo JUSTIÇA.»

1.2. A Recorrida A..., S.A., apresentou contra-alegações, concluindo do seguinte modo:
«A. O presente recurso vem interposto na sequência da notificação da Douta Sentença Recorrida, que julgou totalmente procedente a impugnação judicial apresentada pela Impugnante, ora Recorrida, contra a Liquidação Adicional emitida pela AT em resultado do procedimento de inspeção tributária no âmbito do qual declarou a cessação de aplicação do RETGS ao Grupo dominado pela B...;

B. Quanto ao mérito do recurso, haverá que concluir pela improcedência da posição da AT, tal como se encontra expressa nas Alegações de Recurso;

C. É que tal posição assenta no erróneo pressuposto, de que o RETGS, tal como se encontra previsto no artigo 69.º do Código do IRC, na redação e numeração em vigor na data a que se reportam os factos, é uma espécie de “benesse”, ou de “regime de favor”, quando na verdade o mesmo configura um verdadeiro...

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