Acórdão nº 01010/17.4BEAVR de Tribunal Central Administrativo Norte, 02-02-2024

Data de Julgamento02 Fevereiro 2024
Ano2024
Número Acordão01010/17.4BEAVR
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Norte - (TAF de Aveiro)
Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
«AA» instaurou acção administrativa contra a Caixa Geral de Aposentações, ambos melhor identificados nos autos, visando a impugnação dos actos administrativos emitidos pela Entidade Demandada em 01/07/2017 e 08/07/2016, peticionando a declaração de nulidade ou anulação dos actos impugnados, com as legais consequências.
O TAF de Aveiro decidiu assim: julga-se a presente acção parcialmente procedente e, consequentemente:
i) Anula-se o acto impugnado (de 01/07/2017), no segmento em que ordena a restituição, pelo Autor, do montante de 166.793,08 € a título de pensão de aposentação abonada nos meses de Julho de 2008 a Julho de 2016, condenando-se, nesta parte, a ED a reconstituir o procedimento, expurgado dos vícios supra enunciados;
ii) Anula-se o acto impugnado, no segmento respeitante ao pagamento de juros de mora.
Desta decisão vem interposto recurso pela Ré.
Alegando, formulou as seguintes conclusões:
A. O presente recurso circunscreve-se ao facto de a CGA, ora Recorrente, considerar que os juros moratórios são exigíveis nos termos do n.º 4 do artigo 38.º do Decreto-lei n.º 155/92, de 28 de julho e dos artigos 804.º e seguintes do Código Civil.

B. No que respeita aos juros moratórios cujo pagamento foi exigido pela CGA ao Recorrido, entendeu o douto Tribunal que os mesmos não são devidos por considerar que o A./Recorrido “não se constituiu em mora antes da emissão da ordem de reposição vertida no acto comunicado ao Autor em 01/07/2017 – contudo, salvo o devido respeito, a CGA não se pode conformar com tal decisão.

C. Nos termos do artigo 804.º do Código Civil, “A simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor” (nº 1), considerando-se o devedor constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efetuada no tempo devido (nº 2).

D. Sendo que o momento da constituição em mora, que se encontra previsto no artigo 805.º do citado diploma legal, dispõe nos seguintes termos: “1. O devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir. 2. Há, porém, mora do devedor, independentemente de interpelação: a) Se a obrigação tiver prazo certo; b) Se a obrigação provier de facto ilícito; c) Se o próprio devedor impedir a interpelação, considerando-se interpelado, neste caso, na data em que normalmente o teria sido. 3 - Se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor; tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte deste número.”.

E. No caso em apreço, a obrigação tem prazo certo e tem por fundamento um ato ilícito: foi fixada uma pensão por um valor superior ao que o A/Recorrido teria direito, por facto não imputável à Caixa Geral de Aposentações, na medida em que o CSMP/PGR não comunicou, como deveria, um facto da maior relevância para o processo de aposentação.

F. A partir do momento em que a Caixa Geral de Aposentações tomou conhecimento dessa situação, efetuou as diligências necessárias para corrigir todo o procedimento com vista à reposição da legalidade, pelo que procedeu à alteração das condições de aposentação do A/Rcdo, informando-o desse facto - acto administrativo da CGA de 07/07/2018.

G. Embora o acto administrativo acima mencionado e que determinou a alteração das condições de aposentação do A/Rcdo (alteração da condição de jubilado e da redução do montante da aposentação) tenha estado suspenso quanto aos seus efeitos desde que o A/Rcdo. requereu a suspensão de eficácia do acto junto do TAF de Viseu até ao trânsito em julgado da decisão proferida na ação principal, por força do decretamento da providência cautelar pelo TAF de Viseu em 30/01/2019 - Razão pela qual, durante esse período temporal, o A/Rcdo continuou a receber a pensão sem as alterações efetuadas pelo despacho da CGA de 07/07/2008. – Contudo, a partir do momento em que foi declarada a decisão definitiva da ação principal, que proferida em sentido desfavorável ao A/Rcdo, fez renascer todos os efeitos anteriores.

H. Pelo que, impendendo sobre o A./Rcdo a obrigação de devolver os montantes de pensão abonados a mais nos meses de Julho de 2008 a Julho de 2016, considera a CGA que a essas diferenças acrescem juros de mora, nos termos dos artigos 804.º e seguintes do Código Civil.

I. Constituindo a mora um simples retardamento da prestação, sendo imputável ao devedor, constitui-o na obrigação de reparar os danos causados ao credor, que nas obrigações pecuniárias corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora - cfr. n.º 1 do artigo 804.º e n.º 1 do artigo 806.º do Código Civil.

J. O pagamento de juros moratórios pressupõe, em primeiro lugar, que exista uma obrigação pecuniária, ainda possível, a satisfazer em determinado prazo e em segundo lugar, que o prazo esteja ultrapassado sem que a mesma tenha sido satisfeita, por causa imputável ao devedor - cfr. n.º 2 do artigo 804.º, 805.º e 806.º do Código Civil.

K. Assim, forçoso será concluir que existindo situações em que a mora do devedor depende de factos objetivos - como é o caso na situação em apreço - nos termos do n.º 2 do artigo 805.º do Código Civil, há mora do devedor independentemente de interpelação (judicial ou extrajudicial): a) – por a obrigação ter prazo certo; b) – por a obrigação provir de facto ilícito.

L. Nesse sentido, e salvo o devido respeito, a ora Recorrente não se pode conformar com o fundamento previsto na sentença recorrida ao considerar que o Autor/Recorrido não se constituiu em mora “(...) antes da emissão da ordem de reposição vertida no ato comunicado ao Autor em 01/07/2017 (a qual, de resto, nunca poderia ter sido emitida antes do trânsito em julgado da sentença proferida na ação administrativa especial de impugnação do ato que determinou a alteração das condições de aposentação, atenta a vigência da medida cautelar na pendência da causa principal) (...).”

M. Termos em que o presente recurso terá de proceder, tendo-se que revogar a decisão recorrida no segmento em que anulou, no acto impugnado, a exigência do pagamento de juros de mora pela CGA e substituindo-se por outra que determine que os juros moratórios são devidos desde 2008-07-07 até 2016-07-30.

Nestes termos, e com o suprimento, deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e revogada a douta decisão recorrida, com as legais consequências.
O Autor juntou contra-alegações, concluindo:

1) Previamente: a Recorrente CGA não tem legitimidade para recorrer da decisão apenas quanto ao segundo segmento do ato, relativo à obrigação acessória, pois a anulação do ato quanto à obrigação principal está consolidada na ordem jurídica e não há ato que fixe a obrigação principal, pelo que inexiste também a obrigação acessória, que, assim, não pode vir isoladamente discutir-se neste recurso.

2) Ou, então, o recurso é inepto, na medida em que um recurso da sentença quanto ao segundo segmento do ato implicaria o recurso da parte respeitante ao primeiro segmento do mesmo ato, que foi anulado (sempre pelos motivos materiais expostos) e, deste modo, deve sempre o presente recurso da CGA ser pura e simplesmente rejeitado. Caso assim se não entenda, sem jamais conceder:

3) Conclusões A) a F) e I) a L) das alegações de recurso: em primeiro lugar e determinantemente, o que está em causa é uma obrigação de reposição, a qual foi ordenada pelo ato administrativo datado de 01/07/2017, ou seja, a obrigação surgiu com este ato administrativo, antes do qual não havia ordem de reposição e, assim, não havia obrigação.

4) Se antes de 01/07/2017 não havia ordem de reposição e, portanto, não existia a obrigação, não podia o Recorrido constituir-se em mora antes dessa data, reportada ao período de 07/07/2008 a 30/07/2016... – veja-se o absurdo que é, existir mora anterior à existência da obrigação!!

5) Por outras palavras, o ato de 07/07/2008 não contém qualquer ordem de reposição do montante de € 166.793,08 em causa nos autos, que é fixado no ato de 01/07/2017.

6) E mais: uma vez que o ato de 01/07/2017 foi anulado pelo Tribunal a quo, também, no segmento em que ordena a reposição do montante de € 166.793,08, por vícios de omissão de audiência prévia e de falta de fundamentação decorrente de não exteriorizar os cálculos ou operações aritméticas que permitiram alcançar aquele valor (segmento expressamente aceite pela Recorrente), a obrigação de reposição não é, ainda hoje, líquida, e só o será após a reconstituição do procedimento expurgado dos vícios, alcançando-se assim (validamente) o montante a repor. E esta falta de liquidez não é imputável ao Recorrido, que não é responsável pelas ilegalidades de que enfermou o ato administrativo de...

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