Acórdão nº 00913/22.9BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 06-07-2023

Data de Julgamento06 Julho 2023
Ano2023
Número Acordão00913/22.9BEPRT
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Norte - (TAF do Porto)
Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

«X, SGPS, S.A.», pessoa coletiva n.º ..., com sede no Lugar ..., Via ..., ... ..., interpôs recurso jurisdicional do saneador-sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferido em 08/03/2023, que julgou verificada a excepção de falta de interesse em agir e absolveu o Ministério das Finanças da instância na acção administrativa intentada com vista à impugnação de acto administrativo e, cumulativamente, de condenação à prática de acto administrativo devido, em substituição do seguinte acto administrativo praticado: “(…) despacho de indeferimento do pedido de reembolso do pagamento especial por conta (PEC) efetuado em 2011, no valor de €264.159,14, sancionado pelo (…) Diretor da Unidade dos Grandes Contribuintes (…), datado de 31.08.2020, notificado à Autora por ofício datado de 25.01.2022 (…)”.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
i. Conforme ressuma dos autos, o pedido e a correspondente causa de pedir é constituída pela circunstância de a Administração Tributária (AT) ter deduzido/compensado unilateralmente um crédito tributário numa liquidação adicional de imposto - sem que tal dedução tenha sido sequer exteriorizada no procedimento inspectivo que subjaz à aludida liquidação.
ii. Logo, como decidido pelo mesmo Tribunal em situação semelhante, com trânsito em julgado Processo n.º 1456/14.0BEPRT., estava em causa nos autos, como está, sindicar a legalidade de tal procedimento da AT – porque atentatório de um direito legalmente consagrado da Recorrente e integrante da relação tributária: o direito ao reembolso de imposto.
iii. Nos termos da lei, o PEC traduz-se num pagamento de imposto POR CONTA do imposto devido a final Neste sentido Cfr. Teresa Gil, Pagamento Especial por Conta, Fisco, 107-108, Março 2003, p.12; António Carlos dos Santos, A deriva inconstitucional do actual regime do pagamento especial por conta, Fisco, 122-123, Outubro 2007, p.9. , num adiantamento de imposto – o qual pode ser deduzido pelo Contribuinte na autoliquidação ou reembolsado Cfr. art. 93.º CIRC. .
iv. Logo, nos termos da lei, tanto a possibilidade de dedução do PEC, como o pedido do seu reembolso encontram-se na plena disponibilidade do Contribuinte e, portanto, dependem inteiramente da sua iniciativa - respectivamente, i) pela inclusão na declaração de rendimentos do período de tributação, ou ii) por requerimento autónomo de reembolso dirigido à AT
v. Para julgar pela falta de interesse em agir, o Tribunal a quo parte do pressuposto que o procedimento adoptado pela AT é legalo que constituía, precisamente, o objecto dos autos.
vi. A entender-se desta forma, salvo o devido respeito, estava encontrada a forma de a AT criar obstáculos ao reembolso de qualquer imposto - bastando-lhe emitir liquidações adicionais onde pudesse, de forma oficiosa unilateral e ilegal, compensar o crédito dos Contribuintes fora das situações legalmente admissíveis para o efeito.
vii. Nos termos do artigo 93.º CIRC, o Contribuinte pode requerer à AT o reembolso do PEC não deduzido em autoliquidação Cfr. Arts. 108.º e 120.º do CIRC. , - o que está em consonância com o disposto no artigo 30.º n.º 1 c) da Lei Geral Tributária, quando estabelece que o direito ao reembolso de imposto integra a relação jurídica tributária.
viii. Resulta dos autos que tal dedução unilateral do crédito de PEC foi efectuada, pela AT, numa liquidação adicional, sem que a AT tenha sequer invocado ou demonstrado nos autos que tal dedução foi exteriorizada no procedimento inspectivo que subjaz à aludida liquidação adicional.
ix. Como decidido pelo mesmo Tribunal Cfr. Processo n.º 1456/14.0BEPRT.:
«(…) resulta claro da redacção do art.º 93.º, n.º 1, do Código do IRC que a dedução do PEC é efectuada ao montante apurado na declaração anual a que se refere o artigo 120.º, ou seja, na declaração periódica de rendimentos (Modelo 22) que os sujeitos passivos deste imposto devem submeter através de um procedimento de autoliquidação.
Se assim é, então a Administração Tributária não pode utilizar o PEC de um exercício para efeitos de dedução à colecta de imposto de um dos quatro períodos de tributação seguintes que foi apurada, não através da referida declaração do sujeito passivo, mas através de uma liquidação adicional oficiosa em resultado de correcções à matéria tributável efectuadas em sede de procedimento de inspecção.».
x. Quando muito, e no limite, a AT apenas se encontrava legalmente habilitada a compensar o crédito tributário em causa em sede executiva, nos termos do disposto no artigo 89.º do CPPT - nos mesmos moldes em que o faria com qualquer outro crédito a reembolso de IRC.
xi. Como resulta expressamente do texto da lei, o artigo 87.º n.º 1 do CIRC estabelece, de forma clara, que a dedução do PEC é efectuada “na declaração a que se refere o artigo 112.º” – ou seja, na declaração periódica de rendimentos - pelo que não legitima a dedução oficiosa do crédito de PEC numa liquidação adicional de IRC prevista no artigo 91.º do CIRC.
xii. Na medida em que a AT constitui obstáculos ilegais ao devido reembolso de créditos tributários, desapossando unilateralmente a Recorrente de um relevante montante pecuniário, afigura-se por demais evidente o inerente prejuízo patrimonial.
xiii. O Tribunal a quo conclui que não assiste à Autora qualquer interesse em agir – quando é inequívoco que, através do procedimento adoptado pela AT, esta fez extinguir o crédito da Recorrente em moldes ilegais e, na perspectiva da sentença recorrida, até em moldes jurisdicionalmente insindicáveis.
xiv. Acresce que, sem sindicar a legalidade do procedimento adoptado pela AT, o Tribunal dá como adquirido e conforme à lei o acto unilateral de compensação ou dedução oficiosa do crédito de reembolso de PEC numa liquidação adicional de imposto – o que, precisamente, era a causa de pedir nos presentes autos e, por conseguinte, materializava o interesse em agir da Recorrente.
xv. O Tribunal a quo conclui que, atenta a impugnação da liquidação adicional, “não assiste à autora o direito ao reembolso, sob pena de locupletamento injustificado” – o que constitui um juízo conclusivo destituído de qualquer fundamentação de suporte, na medida em que o Tribunal apenas poderia alcançado tal conclusão com base na circunstância (indemonstrada) de que a liquidação adicional foi paga.
xvi. Estabelece o artigo 125.º/1, do CPPT, que uma das causas de nulidade da sentença é a não especificação dos fundamentos da decisão – como é manifesto no caso em apreço.
xvii. Estando em causa um reembolso de imposto – que a AT inviabilizou com a ilegal compensação – o certo é que, sem o pagamento da liquidação (onde o crédito foi subtraído), não subsiste qualquer pretenso locupletamento.
xviii. O pretendido “locupletamento” – necessariamente concretizado no reembolso de uma quantia que, pretensamente, já ingressou na esfera jurídica do Contribuinte - é manifestamente inexistente no caso dos autos.
xix. Diferente seria, como é evidente, o cenário de pagamento da liquidação adicional de imposto pelo Contribuinte – na medida em que, nesse caso, o efeito financeiro de abatimento do crédito ter-se-ia já materializado e, apenas nesse caso, o reembolso constituiria um locupletamento.
xx. No caso dos autos, é a Recorrente quem está financeiramente desembolsada da quantia de €264.159,14 que, nos termos da lei, deveria ter sido restituída pela AT.
xxi. Estando em causa sindicar a legalidade de um acto administrativo através do qual a AT compensou um crédito tributário numa liquidação oficiosa de imposto, não pode o Tribunal decidir pela falta de interesse em agir partindo do princípio que, para o Contribuinte, é indiferente o reembolso ou a compensação.
xxii. Nos termos da lei, é ao Contribuinte que cabe a opção entre pagar ou garantir a dívida tributária (art. 199.º CPPT) e, por outro lado, é também ao Contribuinte que, prima facie, cabe a opção de solicitar a compensação de créditos tributários (art. 90.º CPPT) – o que não foi o caso.
xxiii. Quando confrontado com uma liquidação adicional de imposto, a opção legal entre o pagamento e a prestação de garantia tem subjacente um juízo de cariz eminentemente financeiro - o qual, por se inserir na esfera patrimonial do Contribuinte, constitui matéria indisponível e insindicável, seja pela AT, seja pelo Tribunal.
xxiv. O legislador consagrou tal opção porque, no âmbito da esfera patrimonial do Contribuinte, deve ser-lhe concedida a legitimidade de ponderar o efeito decorrente i) da imediata alteração da posição financeira ou ii) do futuro aumento, ao longo do tempo, dos encargos com a prestação de garantia.
xxv. Deste modo, e salvo o devido respeito, afigura-se evidente e inegável a distinção entre i) o efeito financeiro decorrente do recebimento de um crédito tributário e ii) a circunstância de, em virtude de uma liquidação adicional de imposto, o Contribuinte se ver na contingência de suportar os encargos com a prestação de garantia (no mesmo valor, ou na proporção).
xxvi. Certo é que, através de uma ilegal e unilateral compensação fora do âmbito em que a mesma é permitida, a AT colocou indelevelmente em causa as garantias e prerrogativas que a lei tributária estabelece a favor do Contribuinte.
xxvii. Logo, tal como anteriormente decidido pelo mesmo Tribunal no processo n.º 1456/14.0BEPRT, “o despacho de indeferimento do pedido de reembolso do PEC, de 22/04/2019, consubstancia um acto de conteúdo negativo que produziu efeitos na esfera jurídica da Autora– e, precisamente por isso, a Recorrente tinha, como tem, um manifesto interesse em agir.
xxviii. Ao decidir pela alegada falta de interesse em agir da Recorrente,...

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