Acórdão nº 00838/04.0BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 2024-02-08

Data de Julgamento08 Fevereiro 2024
Ano2024
Número Acordão00838/04.0BEPRT
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Norte - (TAF do Porto)
Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


«[SCom01...], S.A.», interpõe recurso da sentença que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de IVA do ano de 2000, recorrendo na parte que lhe foi desfavorável.

Formula nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:
a. Como resulta dos autos, está em causa IVA não liquidado por factos tributáveis enquadráveis no art. 6.º, n.º 4 do CIVA, pelo facto de a Administração Fiscal entender que as operações em causa são efectivas prestações de serviços relativamente às quais o sujeito passivo estava obrigado a liquidar imposto, nos termos do art. 1º do CIVA.
b. Todavia, o Tribunal a quo, considerando que não estão em causa quaisquer prestações de serviços, entende que a liquidação de imposto tem de subsistir no ordenamento jurídico, na medida em que considera que, ao abrigo do disposto no artigo 71.º n.º 2 do CIVA, a Recorrente deduziu indevidamente IVA.
c. Antes de mais, e salvo o devido respeito, é patente o erro de interpretação e aplicação da lei, na medida em que, ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, a lei não estabelece um dever de dedução de IVA, mas sim uma mera possibilidade.
d. Do procedimento inspectivo resultou que a AF qualificou os descontos obtidos dos fornecedores como contrapartidas de alegadas prestações de serviços, entendendo que sobre as mesmas deveria ter sido liquidado IVA, pelo que, constatando o Tribunal a existência de errónea qualificação do facto tributário – que, recorde-se, é um vício típico da liquidação, estabelecido no artigo 99.º a) do CPPT – deveria anular, sem mais a liquidação impugnada, por erro nos pressupostos de facto.
e. Refere o Tribunal a quo que «(...) a Impugnante só na fase judicial vem alegar e provar que o valor de €50.602,27 diz respeito a descontos de quantidade (...)», indiciando, portanto, que, na fase administrativa, a Recorrente havia sustentado entendimento diferente, mas, em primeiro lugar, é apenas durante um meio gracioso ou contencioso que o contribuinte tem de fazer prova dos factos que alega, na medida em que, somente nestes casos, existe uma fase instrutória – e não em sede do procedimento inspectivo e, em segundo lugar, a Recorrente nunca deixou de entender que as rubricas em causa eram descontos de quantidade, sendo que, no procedimento inspectivo limitou-se a fornecer os descritivos desses mesmos descontos de quantidade - como havia sido solicitado pela Administração Fiscal.
f. Neste contexto, refere o Tribunal a quo que «Assim, perante a prova de factos diversos dos alegados perante a AF, o Tribunal está habilitado a efectuar uma qualificação jurídica diversa (...)», quando, em rigor, não se limitou a efectuar uma diferente qualificação jurídica, mas, outrossim, conferiu à liquidação de imposto uma diferente e nova fundamentação legal, sem arrimo em qualquer facto provado, que nunca constou do procedimento inspectivo e que nunca pôde ser contraditado pela Recorrente.
g. A correcção da Administração Fiscal corresponde a uma liquidação adicional de IVA calculada sobre o valor dos descontos, por entender que os mesmos são contrapartida de prestações de Serviços (artigos 1.º e 6.º n.º 4 do CIVA); e o Tribunal decide peia subsistência da liquidação de IVA por indevida deducão de imposto (art. 71.º n.º 2 CIVA), quando a base legal da liquidação de imposto efectuada pela Administração Fiscal se encontra no Capítulo I do CIVA, sob a epígrafe “Incidência”, e a base legal da liquidação, no entender do Tribunal a quo, encontra-se no Capítulo V, sob a epígrafe “Liquidação e pagamento”, mais concretamente “Regularizações”.
h. É, pois, notória a diferente base legal da liquidação impugnada. Que extravasa a mera qualificação jurídica e bule, inevitavelmente, com critérios e correcções de carácter técnico, inalienáveis, da Administração Fiscal.
i. Para decidir como decidiu, o Tribunal a quo invoca a Jurisprudência firmada pelo acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 04.10.2011, dado no processo n.º 04840, cujos contornos factuais e legais nada têm que ver com a situação dos autos.
j. Ao contrário do referido na sentença recorrida o direito à dedução é facultativo, sendo que, por outro lado, a liquidação de imposto por indevida dedução de IVA, a ser efectuado pela Administração Fiscal – que não foi – sempre dependeria da análise da escrita do contribuinte; da constatação de que este exerceu, efectivamente, o direito à dedução; da constatação sobre se a dedução foi efectuada antes do registo da operação, ou; da constatação sobre se a dedução foi efectuada depois do registo da operação – o que não foi feito.
k. O simples facto de a Recorrente emitir notas de débito pelos descontos obtidos dos fornecedores não significa, e muito menos necessariamente, que tenha deduzido o IVA suportado nas compras, PELO VALOR ANTES DOS DESCONTOS.
l. A decisão do Tribunal a quo carece, pois, em absoluto, de fundamentação factual, na medida em que nada consta dos autos que aponte no sentido de que a Recorrente deduziu o IVA liquidado pelo montante inicial, antes da diminuição do preço – sendo que a falta absoluta de fundamentos constitui nulidade da sentença (art. 125.º n.º 1 do CPPT e 668.º n.º1 b) do CPC, ex vi art. 2.º e) do CPPT).
m. No caso dos autos estão em causa verdadeiros “descontos”, que abatem às compras aos fornecedores, sendo que o respectivo pagamento, pelos fornecedores, é feito por compensação com o preço dos fornecimentos à Recorrente, e se esses descontos abatem aos preços dos fornecimentos, a Recorrente apenas paga aos fornecedores o líquido – ou seja, a diferença entre estes e aqueles.
n. Assim, e ao contrário do referido pelo Tribunal a quo, a Recorrente não deduziu qualquer IVA sobre o preço antes dos descontos, não tendo de regularizar IVA a favor do Estado, pela simples razão de que não deduziu qualquer IVA a mais.
o. Ao invocar que não está vinculado à qualificação jurídica dada pelas partes, o Tribunal a quo estará, implicitamente, a invocar a prerrogativa estabelecida no artigo 664.º do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 2.º e) do CPPT, todavia, «(...) este poder sofre de um limite fundamental: o tribunal é livre na qualificação jurídica dos factos contando que não altere a causa de pedir (...)» (Cfr. Ac. RC, de 01.07.2008, proc. n.º 181/04.4TB5RE.C).
p. Como resulta dos autos, a liquidação em causa foi emitida ao abrigo de uma norma de incidência, por considerar existir imposto em falta resultante da prestação de serviços, e o Tribunal, invocando a liberdade na qualificação jurídica, altera a causa de pedir, e convola a liquidação adicional ao abrigo de uma norma de regularização de IVA – pelo que A CAUSA DE PEDIR JÁ NÃO É O IVA EM FALTA, MAS A INDEVIDA DEDUCÃO DE IVA.
q. Ao assim não ter entendido, incorreu o Tribunal a quo em errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 664.º do CPC, o que a carreta a anulação da sentença recorrida.
r. Ao decidir pela manutenção do acto tributário com um fundamento diferente do invocado pela Administração Fiscal, o Tribunal procedeu a uma alteração do pedido e, como tal, incorreu numa nulidade, na medida em que condenou em objecto diverso do pedido (art. 668.º n.º 1 e) do CPPT).
s. Como decorre do princípio do contraditório, o juiz eleve facultar às partes a oportunidade de se pronunciarem sobre qualquer questão que as possa afectar e que ainda não tenham tido possibilidade de contraditar – ainda que se trate de questões jurídicas, ou mesmo questões de conhecimento oficioso (Cfr. Ac. STA de 03.03.2010, dado no proc. n.º 063/10),
t. No caso dos autos, tendo proferido uma verdadeira “decisão-surpresa”, pela manutenção da liquidação impugnada com fundamento manifestamente diferente ao que resulta do procedimento inspectivo, incorreu o Tribunal a quo na prática de uma nulidade, por violação do disposto no artigo 3.º e 201.º n.1do CPC, aplicável por força do artigo 2.º e) do CPPT.
u. No âmbito tributário, sabendo-se que, por imposição constitucional, a lei impõe a fundamentação factual e jurídica dos actos tributários e a participação dos contribuintes na formação das decisões administrativas, tal convolação seria particularmente perniciosa (arts. 60.º e 77.º da LGT), pelo que, uma interpretação do artigo 664.º do CPC que legitimasse o Tribunal a conferir uma fundamentação diferente e nova, relativamente à fundamentação dada pela Administração Fiscal, sempre violaria os sobreditos princípios constitucionais, plasmados nos artigos 267.º n.º 1 e 268.º n.º 3 da CRP – acarretando a sua inconstitucionalidade.
v. O Tribunal apenas poderia “validar” uma liquidação adicional de IVA com base na indevida dedução de imposto, quando do procedimento administrativo resultassem todos os elementos necessários e suficientes para essa liquidação, pelo que, na falta destes, o Tribunal não tinha qualquer possibilidade de se substituir à Administração Fiscal, presumindo que o sujeito passivo deduziu o imposto sobre a totalidade das compras, ANTES da obtenção dos descontos e que, portanto, deduziu indevidamente IVA.
w. «Sob pena de violação do princípio da separação de poderes e assumir-se como órgão de administração activa dos impostos, o tribunal não pode decidir sobre a manutenção de actos que deveriam ser anulados com base em fundamentação diferente da utilizada bela administração tributária (Ac. STA de 01.06.2011, dado no proc. n.º 058/11, destaque nosso).
x. A interpretação do artigo 664.º do CPC, como pretensamente legitimando o Tribunal a alterar a fundamentação do acto de liquidação adicionai impugnado, seria inconstitucional – por violação do princípio da separação de poderes, enunciado no artigo 111.º da CRP.
Nestes termos e nos melhores de direito, deve...

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