Acórdão nº 00769/16.0BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 21-04-2023

Data de Julgamento21 Abril 2023
Ano2023
Número Acordão00769/16.0BEBRG
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Norte
Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo:

I. RELATÓRIO
1.1.«AA», residente na Rua ..., ... ..., ..., titular do NIF ..., instaurou a presente ação administrativa, contra o Hospital da ..., E. P. E., pessoa coletiva número ..., com sede na Rua ..., ... ... [inicialmente, Centro Hospitalar..., E.P.E.], e «BB», com domicílio profissional indicado na sede da primeira ré, formulando o seguinte pedido:
Nestes termos, deve a presente ação ser considerada procedente por provada e, em consequência:
- Serem os réus condenados a pagar à autora uma compensação de valor nunca inferior 50.000,00€ (cinquenta mil euros) a título de danos não patrimoniais, sofridos até ao presente, acrescida de juros desde a citação, à taxa legal, até ao integral pagamento;
- Serem os réus condenados a pagar à autora a título de danos patrimoniais, despesas e dano património futuro, a quantia nunca inferior a 17.660,00€ (dezassete mil e seiscentos e sessenta euro).
- Tudo isto acrescido dos respetivos juros, à taxa legal em vigor, desde a data da citação e até efetivo e integral pagamento;
- Condenados os réus nas custas e demais encargos legais.”
Para tanto, alega, em síntese, que no dia 26/04/2013 foi submetida a uma histerectomia abdominal total por macroscópica sob anestesia geral, por decisão dos serviços médicos do Réu, e que dessa cirurgia, resultou lesão iatrogénica do reto.
Como consequência da alegada lesão, a Autora foi sujeita a novo reinternamento de urgência no dia 30/04/2013, por evidenciar peritonite fecaloide, tendo sido necessária nova intervenção para realizar colostomia.
Acontece que, o Réu não lhe prestou a assistência médica devida, tendo a colostomia sido retirada muito tempo depois.
Mais alegou que a situação vivida lhe causou danos não patrimoniais e patrimoniais, dos quais devem ser responsabilizados os réus.
1.2. Citados, os réus contestaram, defendendo-se por exceção e por impugnação.
Por exceção, os Réus invocaram a ilegitimidade passiva do segundo Réu (Dr. «BB»).
Por impugnação, sustentaram não ter ocorrido qualquer erro médico, considerando que a Autora foi corretamente assistida nos serviços hospitalares do Réu, não se vislumbrando, por isso, qualquer atuação à margem das leges artis.
Como tal, consideraram não se encontrarem preenchidos os pressupostos cumulativos subjacentes à responsabilidade civil extracontratual, pugnando pela total improcedência da ação.
1.3. A Autora deduziu réplica, na qual pugnou pela improcedência da exceção de ilegitimidade do segundo Réu, pedindo a condenação do primeiro Réu, como litigante de má fé.
1.4. O Réu pronunciou-se refutando a condenação a esse título.
1.5. Realizou-se audiência prévia, em que foi proferido despacho saneador, julgando-se procedente a invocada exceção de ilegitimidade passiva do segundo réu, com a consequente absolvição da instância, e procedeu-se à identificação do objeto do litígio, bem como à enunciação dos temas da prova. Determinou-se a realização de prova pericial.
1.6. Realizada audiência final, foi proferida sentença que julgou a ação improcedente, constando da mesma a seguinte parte decisória:
«Nos termos e pelos fundamentos expostos, julgo a presente ação administrativa totalmente improcedente e, em consequência, absolvo o réu dos pedidos.
Mais julgo improcedente o pedido de condenação do réu como litigante de má-fé.
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Condeno a Autora no pagamento das custas processuais, por ter ficado integralmente vencida – cf. art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, e artigos 6.º, n.º 1, e 13.º, n.º 1, e tabela I-A do RCP.
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Registe e notifique.»
1.7. Inconformada com a sentença proferida que julgou a ação improcedente, a Autora interpôs o presente recurso de apelação que terminou com a apresentação das seguintes CONCLUSÕES:
«A. Pretende a recorrente ver analisadas no âmbito deste recurso, as seguintes questões: existência de Erro de julgamento da matéria de facto e de Erro na aplicação do direito;
B. Entende a recorrente que existe erro na valoração e apreciação da prova produzida em sede de audiência de julgamento, designadamente, na valoração da prova testemunhal que se encontra gravada conjugada com a análise dos documentos juntos aos autos;
C. Entende a recorrente que as respostas negativas constantes das alíneas B), D), E), F), H), M), O), dos factos não provados) não se enquadram nas respostas dadas pela testemunha, «CC» e nas declarações de parte que ao contrário do que entendeu o Meritíssimo Juiz do tribunal a quo, foram totalmente isentas e credíveis;
D. Não se compreendendo porque razão o Tribunal desconsiderou o depoimento de parte da autora e o depoimento da testemunha marido, na aferição do estado de saúde da autora aquando da alta médica, bastando-se com a comparação ou o confronto entre os documentos juntos aos autos, quando para dar como provada a factualidade dos pontos 16, 17 e, 19, 20, 21, 22 e 23, o tribunal considerou os mesmos depoimentos;
E. O certo é que, em momento algum é feita uma apreciação das questões levantadas nas alíneas E) e F), ou seja, quanto ao contacto e conversas que o marido da autora teria tido com o médico Dr. «BB»;
F. Das declarações da testemunha «CC» reproduzidas no corpo das alegações e resultantes do depoimento prestado no dia 24 de Maio de 2021, gravado no sistema de gravação Sitaf, de 04:03:50 (h.m.s) a 04:26:36 (h.m.s.), designadamente ao minuto 3:08, conclui-se que as mesmas foram totalmente conviventes e espontâneas bastando para tal ouvir o depoimento prestado;
G. Não podia assim o tribunal a quo desconsiderar o depoimento prestado e devia como se impunha ter dado como provada a factualidade constante das alíneas E e F dos factos não provados;
H. Do depoimento do Dr. «DD» resulta que este acompanhou a autora e só passado um ano é que deixou de a acompanhar, tudo como melhor resulta do depoimento prestado ao minuto 1:47, depoimento prestado no dia 24 de Maio de 2021, e gravado no sistema de gravação Sitaf, de 01:25:54 (h.m.s) a 01:59:58 (h.m.s), designadamente ao minuto 01:47:18, e cuja transcrição melhor consta das alegações para onde expressamente se remete;
I. Assim, não podia o tribunal a quo servir-se da negação do Dr. «DD» para desacreditar o depoimento do marido da autora, pois, o depoimento coincide, nesta parte, com o depoimento da testemunha;
J. Do depoimento prestado pela testemunha «CC», prestado no dia 24 de Maio de 2021, depoimento gravado no sistema de gravação Sitaf, de 04:03:50 (h.m.s) a 04:26:36 (h.m.s.), ao minuto 3:31:16, quando questionado pelo mandatário da autora respondeu: “levei o exame e fui à terceira consulta. Já me tinha dito que dava para ser operada, vamos lá marcar uma consulta para daqui a uma ano. Falei com a pessoa que tirou o exame e ele disse-me para falar com um médico do ....”
K. Assim, não podia o tribunal a quo deixar de considerar como provada a factualidade da al. H, dos factos não provados, pelo menos em parte;
L. A factualidade constante da al.s H) e M) dos factos não provados terão de ser consideradas provadas, pelo menos, em parte. Ou seja: O Réu Centro Hospitalar jamais marcou a cirurgia de reconstituição do trânsito intestinal. - A autora recorreu a um outro hospital para realizar uma operação de reconstituição do trânsito intestinal;
M. Considerando a fundamentação do tribunal a quo quando considerou que as declarações do marido ganharam crédito quanto à afectação da sua vida íntima, e que a situação da autora, pelo menos condiciona o acto sexual, deve o tribunal retirar dos factos não provados a matéria da alínea O), tanto mais que está em oposição a parte da factualidade dada como provada no ponto 80 dos factos provados;
N. Conhecendo-se a causa da peritonite, como sendo consequência directa da cirurgia, o tribunal deste facto conhecido podia e devia ter presumido a causa concreta da perfuração, e daí que devesse ter dado como provada a factualidade da alínea B) dos factos não provados.
O. Pois, embora não se tenha provado como é que aconteceu a perfuração não há duvidas que pelas razões apontadas, a causa só poderia ter sido ou pelo encosto do bisturi no cólon e ou por uma queimadura no próprio cólon que não tenha cicatrizado e que, por isso, veio a figurar e a criar uma ruptura do cólon.
P. Não restam dúvidas que a perfuração do cólon da autora decorrente da histeroctomia realizada no dia 26/4/2013 que foi causada pelo médico que a realizou tendo no decorrer daquela cirurgia sido violadas as regras das leges artis;
Q. Não é previsível e muito expectável que da realização de uma cirurgia de histeroctomia abdominal total laporoscópica seja afectada um outro órgão, neste caso o cólon;
R. Assim, ao contrário do que considerou o tribunal a quo, o mesmo devia ter considerado que: A cirurgia a que a autora foi sujeita no hospital do Réu não tem como riscos próprios, comuns e normais a perfuração intestinal e peritonite generalizada; A cirurgia a que a autora foi sujeita não tinha qualquer relação com o cólon; E, por isso, a cirurgia não foi realizada de acordo com as boas regras da prática da medicina.
S. A este propósito veja-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido a 20/04/2004, e publicado no site do ITIJ, em que numa situação em tudo semelhante à dos presentes autos, considerou que “Estando provado, no caso concreto, que o resultado espúrio - perfuração intestinal – foi originado, em termos causalmente adequados, pela intervenção cirúrgica efectuada – laqueação tubar por laparoscopia – e, gorado o intento da Ré de demonstrar que a perfuração intestinal estava incluída no universo dos riscos próprios, normais e comuns da cirurgia em causa, está justificada a convicção do tribunal a quo, que considerou provada a violação das leges artis”;
T. Assim, salvo o devido respeito que é muito, entendemos que o tribunal “a quo” errou na apreciação da prova...

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