Acórdão nº 00673/19.0BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 21-04-2023

Data de Julgamento21 Abril 2023
Ano2023
Número Acordão00673/19.0BEBRG
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Norte - (TAF de Braga)
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:


I - RELATÓRIO


«AA», Autora na acção que intentou contra o Fundo de Garantia Salarial [ambos devidamente identificados nos autos], onde formulou pedido no sentido da nulidade do acto de deferimento parcial da concessão de créditos laborais, por preterição de formalidade essencial e que se assim não se entender, deve ser anulado o acto de deferimento parcial, substituindo-o por deferimento total das quantias por si requeridas, condenando-se, assim, o Réu ao reconhecimento e pagamento total das quantias requeridas, inconformado com a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga pela qual, a final e em suma, a acção foi julgada parcialmente procedente, e em consequência, anulado o despacho impugnado que deferiu parcialmente o requerimento apresentado pela Autora para pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho e condena-se a Entidade Demandada no pagamento à Autora da quantia de 675,20€, dela deduzida os valores correspondentes às deduções legais (v.g. contribuições para a segurança social e à retenção na fonte de imposto sobre o rendimento) que se mostrem devidas, veio interpor recurso jurisdicional de Apelação.

No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencou a final as conclusões que ora se reproduzem:

“[…]
CONCLUSÕES:

i. Vem a Autora/Recorrente apresentar Recurso de Apelação da decisão do douto Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga – Unidade Orgânica 1 porquanto a mesma julgou parcialmente procedente a supra identificada ação e, em consequência disso, condenou o Réu/Recorrido, FUNDO DE GARANTIA SALARIAL (doravante F.G.S.), a pagar à A./Recorrente a quantia de 675,20€, com fundamento no argumento de que o F.G.S. apenas tem de assegurar o pagamento de 6 vezes a remuneração mensal que a A./Recorrente recebia, sendo que apenas lhe poderia ser considerado um valor mensal de retribuição que não seja superior a 3 vezes a retribuição mínima garantida, com base no artigo 3.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 59/2015, pelo que a pretensão de pagamento pelo R./Recorrido, entendeu o Meritíssimo Juiz, não poderia exceder o valor de 3.342,00€.

ii. Sucede que, a decisão do Meritíssimo Tribunal a quo - com o devido e merecido respeito, que aliás é muito - não foi tomada em conformidade com a legislação aplicável, mormente com o Decreto-Lei n.º 59/2015 com as alterações operadas pela Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro, tendo sido feita uma interpretação inconstitucional dos seus preceitos normativos. Pese embora a incorreta aplicação do arsenal normativo e, consequente, interpretação inconstitucional do mesmo, o Meritíssimo Juiz, no demais decidido, andou bem ao alinhavar e proferir a douta sentença a quo sempre com cuidado e atenta análise de toda a prova documental junta aos autos.

iii. Não vem a A./Recorrente apresentar outra censura à sentença a quo - no seu cômputo geral, que, aliás, está extremamente bem estruturada e fundamentada - mas apenas e tão-só censura relativamente à interpretação e aplicação que fez do artigo 3.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 59/2015.

iv. Com efeito, em jeito de súmula, o entendimento que o Meritíssimo Juiz prosseguiu na fundamentação da sentença a quo e a interpretação que fez do artigo 3.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 59/2015 - a ser acolhida - por contrariar a prática comum do FG.S., aqui Recorrido, e o conhecimento público e generalizado das quantias garantidas e assumidas pelo mesmo não só é violador das legítimas expectativas da população que durante anos criou a convicção de que o F.G.S. asseguraria o pagamento de créditos em montante sensivelmente entre os oito e os dez mil euros, como é, inclusivamente, violadora dos princípios constitucionalmente consagrados da igualdade - na sua vertente da igualdade de tratamento - e do princípio da proteção da confiança.

v. Senão vejamos: o artigo 3.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 59/2015 dispõe que “O Fundo assegura o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho, referidos no n.º 1 do artigo anterior, com o limite máximo global equivalente a seis meses de retribuição, e com o limite máximo mensal correspondente ao triplo da retribuição mínima garantida.”

vi. Por sua vez, o Guia Prática do Fundo de Garantia Salarial, disponível no site on-line do Instituto da Segurança Social, I.P. prevê que – e transcrevendo-se aqui a parte fundamental: “Assim, o limite global garantido é igual a 18 vezes a retribuição mínima mensal garantida que está em vigor.”

vii. Assim, não se percebe o fundamento e ratio legis da interpretação que o Meritíssimo Juiz a quo fez da norma aqui em apreço, à luz do espírito do sistema, porquanto trata-se tão-só de um cálculo matemático que não é suscetível de interpretação: 6 X 3 X salário mínimo nacional = montante assegurado pelo Fundo de Garantia Salarial.

viii. Como resulta tipificado no próprio normativo supra transcrito e do próprio Guia Informativo do Fundo de Garantia Salarial coexistem dois limites relativamente ao pagamento de créditos laborais assegurados pelo F.G.S. – um limite máximo mensal e um limite máximo global, o primeiro de 3 retribuições mínimas garantidas e o segundo de seis retribuições do trabalhador.

ix. O espírito da norma, no sistema nacional e na própria Diretiva n.º 80/987/CEE, na redação dada pela Diretiva n.º 2002/74/CE, aplicável ao caso sub judice, é precisamente o de garantir apoio e suporte aos trabalhadores que se veriam lesados nos seus interesses patrimoniais, por infortúnios que não lhes são – como, de resto, nem podem ser – imputáveis.


x. Nesta conformidade, parece que o ímpeto da legislação aplicável, já identificada, parece ser o de estabelecer um limite máximo mensal e, um outro, global para evitar que trabalhadores que aufiram retribuições mensais muito altas venham depois reclamar ao F.G.S., aqui Recorrido, valores absurdos de altos.

xi. Ou seja, imagine-se o caso de um trabalhador que aufere uma retribuição mensal de 4.000,00€ (quatro mil euros) e que, preenchendo as condições de acesso ao F.G.S., reclama créditos com base no seu rendimento-base. Assim, se o F.G.S. não reconhecesse estes limites ao invés de pagar 6 X 3 X salário mínimo (6 X 3 X 600,00€ = 10.800,00€), poderia ver-se na contingência de pagar valores enormíssimos no global e, mais incomportável ainda, valores elevadíssimos mensalmente.

xii. Por tal, o facto de o F.G.S. – aqui Recorrido - limitar o pagamento dos créditos laborais a esta fórmula de cálculo, é precisamente para acautelar estas situações de retribuições mensais elevadas (comparativamente com o salário mínimo nacional garantido) e não, como entendeu e interpretou o Meritíssimo Juiz a quo, desproteger o trabalhador que aufere o salário mínimo nacional ou pouco mais que isso.

xiii. Pelo que, se assim fosse - seguindo a interpretação do Meritíssimo Juiz a quo - os trabalhadores que tivessem de enfrentar a insolvência das empresas em que laboraram – não raras vezes durante imensos anos – ver-se-iam na contingência de receber apenas um máximo de 3.600,00€.

xiv. Tal entendimento e prática seriam uma “via rápida” e uma válvula de escape muito perigosa que as empresas poderiam usar a seu favor e em desprimor dos trabalhadores que se veriam completamente nus e desprotegidos, em situações que em nada dependeram de si, da sua vontade ou atuação.

xv. Aliás, se dividirmos o estatuído no artigo 3.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 59/2015 em duas partes, da forma como o Meritíssimo Juiz a quo fez, estaríamos a despir completamente de sentido o limite máximo mensal da mesma norma, isto porque o Meritíssimo Juiz a quo apenas atendeu ao limite máximo global de seis retribuições mínimas garantidas. Ou dito de outra forma, se seguirmos a interpretação do Meritíssimo Juiz a quo isto significaria que, respeitando o primeiro limite do montante mensal máximo o trabalhador assegurado não poderia receber mais de 1.800,00€ e, da mesma forma, o mesmo trabalhador assegurado não poderia receber, como montante global máximo, respeitando o segundo limite, mais de 3.600,00€. Ou seja, na prática, o F.G.S. passaria a pagar o montante máximo em apenas duas prestações.

xvi. A interpretação que o Meritíssimo Juiz a quo fez do artigo 3.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 59/2015 - a ser acolhida, o que não se aceita e apenas por mera cautela de patrocínio de hipotiza – contraria por completo a prática reiterada e do conhecimento público generalizado do F.G.S., aqui Recorrido, do comum do cidadão, e de resto, publicitada nos termos acima transcritos.

xvii. Assim, tal interpretação é gravemente violadora das legítimas expectativas da população que durante anos criou a convicção, com base na informação disponível publicamente e na prática reiterada dos pagamentos realizados à generalidade dos trabalhadores de que o F.G.S. assegura o pagamento de créditos em montante sensivelmente entre os oito e os dez mil euros.

xviii. O acolhimento da interpretação feita na douta sentença recorrida, é, violadora dos princípios da igualdade - na sua vertente da igualdade de tratamento –; e do princípio da proteção da confiança, constitucionalmente consagrados.

xix. Senão vejamos: como extensamente se referiu acima, o Recorrido mantém a prática reiterada há já décadas e publicita e transmite pelos respetivos meios (site, informação nos Balcões de Atendimento, etc), o pagamento de créditos laborais segundo a fórmula de cálculo acima transcrita 6 X 3 X 600,00 € = 10.800,00€.

xx. Isto quer dizer que durante décadas, e atualmente, quando um trabalhador apresente o seu requerimento ao Recorrido para pagamento dos créditos laborais, este - o Recorrido – paga até ao limite máximo daquele montante global (presentemente 10.800,00€). Isto é assim, em centenas e centenas de procedimentos administrativos junto do Recorrido.


xxi. Ora, a...

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