Acórdão nº 00640/23.0BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 04-08-2023

Data de Julgamento04 Agosto 2023
Ano2023
Número Acordão00640/23.0BEPRT
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Norte - (TAF do Porto)
Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I – RELATÓRIO
1. [SCom01...], E.M., S.A. [doravante [SCom01...], e], [SCom02...], LDA. [doravante [SCom02...]] e [SCom03...], LDA [doravante [SCom03...]], aquela Ré e estas Contrainteressadas nos autos à margem referenciados de AÇÃO DE CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL em que é Autora [SCom04...], S.A. [doravante [SCom04...]], vêm interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença promanada nos autos, que julgou “(…) a presente ação de contencioso pré-contratual procedente, por provada, e, consequentemente, anul[ou] o ato de adjudicação do Concurso objeto destes autos, datado de 16-03-2023, e, nessa decorrência, conden[ou] a ED a elaborar novo relatório final, que exclua do Concurso a proposta da concorrente [SCom03...], LDA. e [SCom02...] LDA., como ainda a reordenar as propostas e, em função das propostas admitidas (já apreciadas e graduadas), a adjudicar o contrato em conformidade (…)”.
2. Alegando, a Recorrente [Scom01] formulou as seguintes conclusões: “(…)
I. OBJECTO DO RECURSO
A. O presente recurso vem interposto da sentença proferida a 11 de maio de 2023, pela qual foi julgada totalmente procedente a acção intentada pela [SCom04...], determinando a anulação do acto de adjudicação proferido no procedimento pré- contratual sindicado e a condenação da Recorrente à elaboração de novo relatório final, nos termos do qual seja excluída a proposta apresentada pelas Contrainteressadas e reordenadas as propostas sobrantes, adjudicando-se o contrato em conformidade.
B. Analisada a sentença recorrida, conclui-se que o Tribunal a quo, ignorando quanto dispõe expressamente o CCP em matéria de cumprimento do dever de habilitação e de causas de exclusão de propostas, entendeu, suportando-se unicamente em decisões jurisdicionais de dúbia legalidade e relevância para o caso concreto e em contributos doutrinais igualmente lacónicos, que o preenchimento dos requisitos de habilitação profissional se reporta ao momento de apresentação das propostas, a isso não obstando que a respectiva demonstração apenas seja exigível na fase de habilitação e, portanto, depois de proferida a decisão de adjudicação.
C. Como se expôs e demonstrou, os argumentos em que se funda a decisão recorrida resultam de um erro profundo e manifesto nos respetivos pressupostos de Direito, de que provém o erro de julgamento imputado à sentença.
D. A isso acresce que, ao condenar, em parte, em objecto diverso do pedido, a douta sentença recorrida é, parcialmente, nula.
II. A NULIDADE PARCIAL DA SENTENÇA RECORRIDA
E. Como supra se referiu, a douta sentença recorrida, ao condenar o Réu a praticar um acto de adjudicação sem antes sujeitar a audiência prévia o Relatório Final que venha a ser elaborado pelo Júri, condenou a Entidade Demandada em objecto diverso do pedido.
F. Na verdade, como cristalina e indubitavelmente resulta da douta sentença recorrida, a Autora, na sua petição inicial, em momento algum formulou tal pedido, tendo-se limitado a requerer a proposta de exclusão das Contrainteressadas e a condenação do júri a elaborar novo Relatório Final, sujeitando-o depois a audiência prévia dos Concorrentes.
G. Assim sendo, ao condenar a Entidade Demandada a, além de reformular o Relatório Final e submeter o mesmo a audiência prévia, proferir um qualquer acto de adjudicação, condenou, em parte, em objecto diverso do pedido, pelo que a sentença recorrida é, nessa medida, parcialmente nula, por força da alínea e) do n.° 1 do artigo 615.° do Código de Processo Civil.
III. O ERRO DE JULGAMENTO DA SENTENÇA RECORRIDA E A PROCEDÊNCIA DO PRESENTE RECURSO
i) Nota prévia: o alcance da questão decidenda
H. Tendo em conta os argumentos esgrimidos pela [Scom01] na sua contestação e o teor da própria decisão recorrida, julga-se que são absolutamente irrelevantes quaisquer considerações a propósito da eventual intenção, por parte das Contrainteressadas, de recorrer à subcontratação com vista ao preenchimento dos requisitos de habilitação profissional previstos nas peças do procedimento.
I. Isto porque, como se defende desde o início, as Contrainteressadas cumpriram o dever de habilitação profissional nos termos previstos na lei, apresentando, no momento legalmente devido, o documento comprovativo de que reuniam, na fase de habilitação, os requisitos de habilitação profissional exigidos; como tal, seria sempre desnecessário - independentemente de qualquer manifestação de vontade das Contrainteressadas nesse sentido - o recurso a entidades terceiras para esse efeito.
J. Dá-se, portanto, como assente que as Contrainteressadas apresentaram os documentos de habilitação exigidos no momento devido (cfr. ponto M) da decisão sobre a matéria de facto), e que, de acordo com esses documentos, o Consórcio reunia, antes da celebração do contrato, os requisitos de habilitação previstos (cfr. ponto N) da decisão sobre a matéria de facto).
K. A questão a responder é, portanto, apenas uma: em face da factualidade dada como provada, era devida, nos termos da lei, a exclusão da proposta das Contrainteressadas do procedimento?
L. Antecipa-se, desde já, que, nos termos do CCP - que o Tribunal a quo lamentavelmente desconsiderou -, a resposta é categoricamente negativa.
ii) O erro de julgamento
M. Evidenciando certa abundância de fundamentos jurisprudenciais e doutrinais, a verdade - e o que realmente importa - é que Tribunal a quo não invoca um único fundamento legal para justificar a decisão recorrida.
N. É natural que assim seja, uma vez que, analisado o complexo normativo aplicável in casu, nenhuma disposição impõe que o preenchimento dos requisitos de habilitação profissional se faça por referência ao momento de apresentação da proposta.
O. Em sentido contrário, são vários os indícios demonstrativos de que o legislador pretendeu, efectivamente, que o preenchimento dos requisitos de habilitação profissional e a respectiva demonstração apenas tivessem de ocorrer na fase de habilitação.
P. Concorrem para este entendimento, designadamente, a al. c) do n.° 2 do artigo 146.°, que prevê expressamente, como causa de exclusão de propostas, a violação do dever de habilitação pessoal (nos termos do artigo 55.° do CCP), assim como o disposto nas als. a), b) e c) do artigo 456.° do CCP, nos termos das quais constitui contra- ordenação muito grave a violação de deveres em sede de habilitação, designadamente a participação, em procedimentos de formação de contratos, de entidades em situação de impedimento pessoal (al. a)), a não apresentação dos documentos de habilitação no prazo fixado ao adjudicatário (al. b)), e a não apresentação de documentos comprovativos da titularidade de habilitação profissional específica pelo adjudicatário (al. c)).
Q. Intencional e distintamente, o legislador não previu (i) qualquer causa de exclusão assente na participação, em procedimentos de formação de contratos, de entidades que não reúnam os requisitos de habilitação profissional exigidos aquando da apresentação da proposta ou (ii) qualquer contraordenação associada a essa circunstância.
R. O motivo, cremos, é óbvio: foi vontade expressa do legislador diferir para a fase de habilitação, tanto o preenchimento dos requisitos de habilitação, como a respectiva demonstração.
S. Num esforço de síntese do exposto, e transpondo para este plano o que consta já da contestação apresentada, conclui-se, portanto, que:
i) Em matéria de cumprimento do dever de habilitação, o legislador ponderou que condutas seriam ilícitas e, portanto, reconduzíveis à prática de uma contraordenação ou passíveis de determinar a exclusão da proposta;
ii) No que respeita a habilitações pessoais, o legislador afirmou expressamente o desígnio de sancionar quaisquer entidades que evidenciassem o seu incumprimento logo na fase de apresentação de proposta ou candidatura, prevendo a exclusão da proposta e a prática de uma contraordenação muito grave;
iii) Relativamente, por sua vez, às habilitações profissionais, o legislador considerou ser ilícita, apenas, a não apresentação tempestiva ou a apresentação de documentos falsos;
iv) Como decorrência das premissas anteriores, é absolutamente lícito o preenchimento dos requisitos de habilitação profissional apenas na fase de habilitação.
T. Como decorrência das premissas anteriores, é absolutamente lícito o preenchimento dos requisitos de habilitação profissional apenas na fase de habilitação.
U. Malgrado o exposto, o Tribunal a quo deu prevalência ao seu entendimento subjetivo - lamentavelmente refletido em sede doutrinal e jurisprudencial -, em detrimento da lei.
V. Contudo, é à lei que a Ré deve obediência, e foi em cumprimento da lei que admitiu, analisou e adjudicou a proposta das Contrainteressadas, por ser a melhor de acordo com o critério de adjudicação fixado.
W. Em todo o caso, analisados os fundamentos que o Tribunal a quo invoca per relationem - através da referência a arestos e contributos doutrinais -, constata-se que os mesmos padecem do mesmo mal imputado à sentença recorrida: ignoram, de forma inexplicável, o que resulta da lei.
X. Mais grave ainda: alguns acórdãos, de que é exemplo o tomado pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 7 de novembro de 2013, no processo n.° 1040/13 assentam, não na desconsideração da lei, mas num entendimento verdadeiramente contra legem, propondo inclusivamente a aplicação analógica de causas de exclusão de propostas.
Y. Quiçá apercebendo-se das debilidades da tese defendida naquele acórdão, e apesar de não se vincular expressamente a nenhuma das teses, veiculadas nos acórdão que refere, relativamente ao fundamento de exclusão da proposta das Contrainteressadas (uma vez que nem neste âmbito o entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo é unívoco), a decisão recorrida parece pender para a exclusão da proposta com...

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