Acórdão nº 00452/11.3BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 02-03-2023

Data de Julgamento02 Março 2023
Ano2023
Número Acordão00452/11.3BEPRT
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Norte
Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório
A Fazenda Pública e «X, Lda.» (doravante, «X, Lda.».), inconformadas com a sentença proferida em 2022-06-09 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial interposta pela segunda tendo por objeto a liquidação de IRC referente ao exercício de 2007 e correspondentes juros compensatórios no montante total de EUR 346.061,90, vêm dela interpor os presentes recursos independentes.
A Recorrente Fazenda Pública encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
CONCLUSÕES:
A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou parcialmente procedente a impugnação deduzida contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), incluindo juros compensatórios e de mora, referente ao exercício de 2007, circunscrito, na parte vencida, às correcções relativas a custos de viagens e estadias, reunião e jantar e à correcção à matéria colectável relativa à venda na qual não foi respeitado o principio da plena concorrência em sede de preços de transferência, em violação do art. 58.º do Código do IRC (CIRC) (atual, art. 63.ºdo CIRC).
B. A liquidação impugnada resultou, no que à determinação da matéria coletável diz respeito, de correções meramente aritméticas por imposição legal e da aplicação de métodos indiretos, tendo a AT decaído, parcialmente, em parte das correcções meramente aritméticas, visando as presentes alegações a parte em que a AT decaiu relativa às viagens e estadias, reunião e jantar e ao ajustamento ao abrigo do regime dos preços de transferência.
C. Considerou o Tribunal a quo na sua sentença, que, (sic):
“b. Viagens e estadias diversas
(...) não podemos concordar com a posição da Autoridade Tributária e Aduaneira, pois que a procura de clientes e investidores noutros mercados, atividade desenvolvida pela Impugnante com estas viagens, conforme resultou da prova testemunhal, é de se considerar inscrita no seu objeto social, na medida em que os imóveis estavam já edificados e que, como as testemunhas infirmaram, havia dificuldade no escoamento dos imóveis no mercado nacional, o que fez com que o então gerente da Impugnante tivesse tentado angariar clientes no estrangeiro, sendo este o propósito das viagens em causa, sendo indiferente, para efeitos de averiguação da indispensabilidade, o facto de os imóveis, afinal, sido vendidos apenas a cidadãos portugueses.”
Mais considerou que:
“c. Reunião e jantar
“Perante a justificação dada pela Autoridade Tributária e Aduaneira nesta sede, é desde já de se concluir que a mesma não é suficiente para convencer da não indispensabilidade destes custos, à luz do disposto no artigo 23.º, do Código do IRC. Com efeito, a justificação dada pela Autoridade Tributária e Aduaneira é vaga e genérica, não colocando em causa o custo concreto.
Acresce que, resulta do próprio relatório de inspeção tributária que em tal jantar foi fornecido pela empresa responsável pela assessoria de empresa da Impugnante, pelo que é de se admitir que o mesmo estivesse, ainda, relacionado com o desenvolvimento da atividade da Impugnante, nomeadamente com a promoção e publicitação do empreendimento.”
Concluindo ainda que:
“c) Dos ajustamentos decorrentes da aplicação do regime dos preços de transferência (...) ...não assiste qualquer razão à Autoridade Tributária e Aduaneira.
Com efeito, o lote adquirido pelo sócio não foi sequer objeto de divulgação nos prospetos do empreendimento, conforme resulta do facto 10 do probatório, não sendo possível estabelecer, como pretendido pela Autoridade Tributária e Aduaneira uma comparação direta com nenhum dos restantes lotes, por, efetivamente, não ser comparável.
(...) Ora, estabelecendo a comparação entre os dois lotes que mais se assemelham ao lote 19, a saber o lote 8 e o lote 1, verifica-se que o lote 19 foi vendido por um valor compreendido entre o montante de venda daqueles dois, pelo que é de se concluir que o imóvel foi, efetivamente, alienado dentro dos preços de mercado...”
D. Com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o doutamente decidido, padecendo a mesma de erro de julgamento de facto e de direito, pelas razões que passa a expender.
E. Assim, começando pela análise à matéria de facto e pelo depoimento de AA, consultor imobiliário, resulta das suas declarações (cfr. depoimento gravado, minuto 00:16:15 a 00:44:07), que pensa que o Sr. «LL» fez algumas viagens à Europa e Estados Unidos para promover o empreendimento; mais referiu, que estava mais ligado à parte comercial, mas que ouviu conversas no sentido de que, quanto mais rapidamente se vendesse melhor, dado que tinham a pressão dos Bancos.
F. Do seu depoimento conclui-se que, além de não resultar de um conhecimento directo, o conhecimento dos factos é muito vago quanto à realização das próprias viagens, limitando-se a afirmar que se verificaram, não se tendo referido especificamente a qualquer uma delas, não participou em nenhuma dessas viagens, nem conhece ninguém que delas tenha participado além do Dr. «LL» e, relativamente a este, só de ouvir falar.
G. Relativamente à comparação das casas adquiridas por «LL» (lote 19) e por BB (lote 8), referiu que a casa deste último tinha mais terreno, e apesar ser uma casa térrea tinha uma cave, mas não soube concretizar nenhuma outra com idênticas características. Aliás, a instâncias do meritíssimo juiz (min 00:40:40), designadamente quanto a áreas e exposição solar, não soube evidenciar nenhuma característica que pudesse justificar menor valor da casa adquirida por «LL», referindo que o lote era mais pequeno, com menos jardim e uma exposição “diferente”.
H. Por este motivo entende a Fazenda Pública, com o devido respeito por diversa opinião, que o depoimento desta testemunha, não é bastante para sustentar a conclusão vertida na douta sentença recorrida de que (Facto provado 13) “(...) As viagens aos Estados Unidos da América, e outros países, bem como as respetivas estadias, referidas no relatório de inspeção tributária, visaram atrair compradores e investidores para o empreendimento «W».
I. Nem para sustentar que que AT não utilizou correctamente o método do preço comparável, uma vez que a testemunha se limitou a evidenciar as boas qualidades do lote 8, omitindo as idênticas características do lote 19 e até a sua maior área de construção, demonstrando até um estranho desconhecimento sobre quais eram os lotes de melhor qualidade e com idênticas características (tal como apurou a inspecção tributária no Relatório (e Anexo I) a fls. 29/30 – Ponto V.1 – Grupo IV constituído pelo lotes 1 e 8 e onde se enquadra o lote 19).
J. Incorreu assim, o douto Tribunal, em erro na análise da matéria de facto e subsequente subsunção em matéria de direito.
K. Nos termos do depoimento de CC, contabilista da Impugnante (cfr. depoimento gravado no dia 3.12.2021, minuto 00:01:25 a 00:22:20), a justificação que na altura lhe foi transmitida para a contabilização das viagens como custo da impugnante foi a de que teriam sido realizadas para a angariação de novos clientes, pois, tratando-se de um empreendimento de luxo, seria mais fácil encontrar clientes nesses países. Além de que, as vendas não estariam a correr bem, havia a pressão do financiamento dos bancos e havia a necessidade de promover a venda dos imóveis.
L. Ora, o seu conhecimento dos factos é meramente indirecto, baseado em algo que lhe foi dito, não se recordando quem lhe terá dado as justificações destes custos. E mesmo quanto às viagens, apenas ouviu falar da participação do Dr. DD, que nem sequer fazia parte da Impugnante, mas sim das outras empresas do grupo.
M. Portanto, também aqui a sentença sob análise, incorreu em erro na análise da matéria de facto, ao dar relevância a um testemunho sem conhecimento directo dos factos.
N. Quanto à justificação dada pela testemunha para a necessidade de realização das viagens, provoca-nos no mínimo algum espanto, quando afirma que tal motivo se deveu à dificuldade da venda das moradias a clientes nacionais, quando, em conclusão, acabou por admitir que de todas as moradias em causa, nenhuma foi vendida a cidadão estrangeiros.
O. Ora, pela análise à documentação constante dos autos (Anexos I e II do Relatório de Inspecção), verifica-se que durante os anos de 2003, 2004, 2005, 2006 (e 2007, exercício em causa na presente impugnação), foram objecto de promessa de compra e venda grande parte das moradias do empreendimento «W», pelo que não fazem sentido as declarações desta testemunha, quando da prova documental, resulta precisamente o contrário do seu depoimento, ou seja, grande parte das moradias encontravam-se já com CPCV finalizados, alguns deles desde 2003 e 2004.
P. Realce-se ainda, que conforme se retira do Relatório de Inspeção Tributária (RIT), veja-se a sua página 5, os Alvarás de Utilização emitidos pela “Câmara Municipal ...” (moradias prontas para venda), datam de Junho de 2006, momento a partir do qual se iniciaram as escrituras de compra e venda.
Q. Quanto ao ajustamento dos preços de transferência, relativamente à venda de um lote ao Sr. «LL», a testemunha admite que em termos contabilísticos não foi feito nada (min 00:12:45), por ter achado normal o valor da venda. Admitiu ainda não saber se as casas eram comparáveis, pois não conhecia fisicamente os imóveis ou sequer o empreendimento.
R. Com base neste depoimento, que revelou um conhecimento indirecto e vago dos factos, com a agravante de poder ter sido obtido através de pessoa que não tinha uma ligação com a Impugnante (Dr. DD) ou que revelou também um completo desconhecimento acerca das características físicas das casas em causa, não podia o Tribunal levar ao probatório (facto...

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