Acórdão nº 00404/20.2BEMDL de Tribunal Central Administrativo Norte, 2023-06-22

Data de Julgamento22 Junho 2023
Ano2023
Número Acordão00404/20.2BEMDL
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Norte - (TAF de Mirandela)
Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

«X, Lda.», interpõe recurso da sentença que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações adicionais de IVA dos períodos de 06/2016 e 09/2016 e respetivas liquidações de juros compensatórios, por entender que a sentença incorre em erro de julgamento.

Formula nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:
C. Conclusões
Questão decidenda
i. A questão decidenda aqui em apreço é, no fundo, saber se a Recorrente, por força o incumprimento formal da regra de inversão do sujeito de passivo de IVA prevista na alínea j) do n.º 1 do artigo 2º do Código do IVA, da qual não resultou perda de receita fiscal, tem, enquanto sujeito passivo adquirente, de entregar ao Estado o imposto que já foi entregue pelos sujeitos passivos prestadores;
O Direito
ii. A sentença recorrida padece de erro de julgamento por erro quanto aos pressupostos de facto e de Direito relevantes para a apreciação da questão de fundo aqui em crise;
iii. O Tribunal a quo não analisou devidamente a questão fundamental suscitada pela impugnação judicial deduzida pela Recorrente;
iv. A questão fundamental que cumpre decidir é se, embora não tenha sido respeitada a regra de inversão do sujeito passivo prevista na alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IVA, o facto de o imposto devido pela prestação de serviços aqui em causa ter sido liquidado e entregue ao Estado pelos sujeitos passivos prestadores, não deverá fazer com que a AT se abstenha de corrigir o IVA subjacente às faturas em causa na esfera do sujeito passivo adquirente (aqui Recorrente);
v. O Tribunal a quo fundou a sua decisão com base nos seguintes pressupostos:
a. Relativamente ao argumento da Recorrente sobre a “violação do princípio da neutralidade em sede de IVA e o enriquecimento sem causa do Estado por duplicação de coleta”, o Tribunal a quo entendeu que (i) não houve violação do princípio da neutralidade no caso em apreço, (ii) não se verificou enriquecimento sem causa do Estado, por falta de preenchimento dos respetivos requisitos, previstos no artigo 437º do Código Civil e (iii) não ocorreu duplicação de coleta, nos termos do artigo 205º do CPPT;
b. Relativamente ao argumento da Recorrente sobre “os juros compensatórios”, o Tribunal a quo entendeu que a Recorrente tem a obrigação de efetuar o pagamento de juros compensatórios, por preenchimento dos critérios previstos no n.º 1 do artigo 35º da LGT;
vi. No que diz respeito à alegada não violação do princípio da neutralidade, o Tribunal a quo faz um enquadramento sobre o mesmo para concluir que “se a Impugnante [aqui Recorrente] reconhece que não aplicou o regime como era devido [aplicação da regra de inversão do sujeito passivo], então a solução não será manter a situação ilegal mas corrigir – o que requer necessariamente, liquidar imposto ao sujeito passivo” (cfr. página 31 da sentença recorrida);
vii. É a própria AT que entende que, nos casos em que não se tenha sido observado a regra de inversão do sujeito passivo, a regularização / “correção” não deverá ter lugar por ser manifestamente oneroso para os sujeitos passivos, quando estamos perante uma situação onde não resulta qualquer prejuízo para a economia do imposto (Informação n.º 11/2009, de 2 de abril, do Gabinete do Subdiretor geral da Inspeção Tributária);
viii. No caso concreto, a regularização revelar-se-ia ainda mais despicienda pois, como resulta do demonstrado e provado em sede de petição inicial, o IVA aqui em causa não foi objeto de dedução por parte da Recorrente;
ix. Relembramos ainda que a presente Informação, constituindo uma instrução e orientação genérica emitida por um superior hierárquico, obriga todos os subordinados dessa entidade por força do princípio da hierarquia (artigo 55º do CPPT);
x. A própria interpretação da AT e mantida pelo Tribunal a quo determina ainda uma violação do princípio da neutralidade em sede de IVA (artigo 1º, n.º 2, da Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de novembro (Diretiva do IVA)), na medida em que onera duplamente um dos operadores económicos, no caso, a Recorrente;
xi. O Tribunal a quo deveria ter considerado, tal como alegado e demonstrado pela Recorrente, que o facto de o IVA ter sido liquidado pelas prestadoras de serviços e não pela respetiva adquirente não determinou perda de receita fiscal e, nessa medida, deveria ter eliminado a correção efetuada pela AT da ordem jurídica;
xii. Nunca foi posto em causa, nem no Relatório da Inspeção Tributária, nem em sede de contestação, que as prestadoras de serviços tenham emitido as faturas aqui em crise sem o IVA e que não tenham entregue os respetivos montantes aos cofres do Estado;
xiii. A AT analisou as faturas e concluiu que o IVA tinha sido liquidado pelas prestadoras dos serviços aqui em questão;
xiv. Pelo que não se entende o motivo pelo qual o Tribunal a quo considerou esses factos como não provados na respetiva sentença recorrida (cfr. página 27 da sentença recorrida);
xv. O facto de as prestadoras de serviços terem emitido as faturas aqui em crise, liquidando o IVA devido e entregado o respetivo montante de imposto aos cofres do Estado, consubstancia-se num facto essencial no processo aqui em causa;
xvi. Atente-se que a Recorrida fundamenta a sua posição, tanto em fase de procedimento (relatório de inspeção tributária com as consequentes liquidações adicionais de IVA aqui em causa), como em fase de processo tributário (contestação), no simples e único facto de a Recorrente não ter respeitado a regra de inversão do sujeito passivo;
xvii. Em nenhum momento, a AT levanta a questão da não entrega do IVA aqui em causa por parte das prestadoras de serviços, quando, a ser verdade, teria, pela sua natureza, à sua mercê todos os recursos necessários para o fazer, nomeadamente para o provar;
xviii. E, não podemos olvidar que a argumentação sempre defendida pela Fazenda Pública no processo aqui em crise não se encontra em oposição com a questão de as prestadoras de serviços terem entregado o montante do IVA em apreço nos cofres do Estado;
xix. Neste sentido, uma vez que o juiz tem a prerrogativa de analisar livremente a falta de contestação, observando o alegado pelas partes em litígio, só podemos concluir que o Tribunal a quo não poderia ter dado como não provado o referido facto;
xx. Tratando-se de um facto essencial do respetivo processo, dúvidas havendo sobre a prova desse facto, o Tribunal, antes de proferir qualquer decisão e de determinar os factos provados e não provados, deve oficiosamente realizar ou ordenar todas as diligências que entenda necessárias para a descoberta da verdade material;
xxi. Assim sendo, o Tribunal não pode ou deve retirar qualquer ilação que poderá não corresponder à verdade material, nomeadamente dar como não provado determinado facto essencial para a boa decisão da causa, quando não realizou qualquer diligência para apurar a realidade dos factos;
xxii. Nestes termos, o Tribunal a quo não poderia ter dado como não provado o facto aqui referido, sem antes ter realizado todas as diligências para apurar a verdade dos factos (o que no caso concreto se afiguraria de fácil comprovação pela AT), uma vez que o mesmo se revela essencial para a boa decisão da causa (princípio do inquisitório e princípio da descoberta da verdade material);
xxiii. Manter na ordem jurídica as liquidações adicionais emitidas pela AT representa uma violação do princípio da neutralidade em sede de IVA, na medida em que se está a onerar a Recorrente com um montante de imposto que já foi entregue ao Estado;
9 Sobre o princípio da neutralidade, ver Sérgio Vasques, O Imposto sobre o Valor Acrescentado, Almedina, 2015, pp. 105 a 110, pela clarividência do seu discurso.
xxiv. O princípio da neutralidade visa mitigar distorções da concorrência, sendo que esta se gera quando determinados bens ou serviços que estão em concorrência no mercado são tratados de forma desigual em sede de IVA;
xxv. Situação com que nos depararemos caso as liquidações adicionais emitidas pela AT aqui em apreço não sejam eliminadas da ordem jurídica, uma vez que se a Recorrente ficar onerada (novamente) com o pagamento de um imposto que já foi entregue ao Estado, ficará em clara desvantagem relativamente aos outros players do mercado em que opera;
xxvi. No que diz respeito à alegada não verificação do instituto do enriquecimento sem causa, o Tribunal a quo entendeu que não se encontravam preenchidos os respetivos requisitos, previstos no artigo 437º do Código Civil, por a Recorrente não ter legitimidade para invocar a obrigação de restituição, uma vez que não suportou o montante do IVA aqui em causa;
xxvii. A Recorrente, contrariamente ao defendido pelo Tribunal a quo, suportou efetivamente o montante do IVA em apreço na medida em que entregou esse mesmo montante às prestadoras de serviços aqui em causa e não o deduziu;
xxviii. Chegaríamos a igual resultado no caso de a liquidação do IVA tivesse sido feita pela Recorrente (autoliquidação) porquanto, ao invés de entregar o montante do imposto às prestadoras de serviços, a Recorrente tê-lo-ia entregue ao Estado;
xxix. O Tribunal a quo entendeu ainda que no caso em concreto não se verificava qualquer duplicação de coleta, nos termos do artigo 205º do CPPT;
xxx. Ao seguirmos o entendimento da AT e do Tribunal a quo e mantermos na ordem jurídica as liquidações adicionais aqui em crise, estaremos a ser coniventes com uma situação de duplicação de coleta em que o Estado enriquecerá com um montante de imposto liquidado adicionalmente que já foi entregue, em claro enriquecimento sem justa causa, nos termos dos artigos 473º e seguintes do Código Civil ex vi alínea d) do artigo 2º da LGT;
xxxi. A Lei proíbe a duplicação de coleta, prevendo que a mesma resulta da...

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