Acórdão nº 00321/08.4BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 2024-01-25

Ano2024
Número Acordão00321/08.4BEBRG
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Norte - (TAF de Braga)
Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I - Relatório
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou o presente recurso de apelação relativamente à sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga em 27 de Abril de 2009, pela qual foi julgada procedente a impugnação interposta por [SCom01...], Lda., GPIC ...37, com sede na Zona Industrial ..., da freguesia ..., concelho ..., quanto a liquidações oficiosas de IVA relativas ao ano de 2005 e juros compensatórios, no montante de € 10 630,94 € e 983,06 €, respectivamente.

As alegações de recurso da Recorrente terminam com as seguintes conclusões:
«EM CONCLUSÃO
I. Na douta sentença ora recorrida o M.mo Juiz julgou procedente a impugnação apresentada pela impugnante acima melhor identificada por, em suma, haver entendido que a Administração Tributária (doravante referida AT) não logrou provar, ainda que indiciariamente, factos que permitissem suportar a conclusão de que entre a ora impugnante e o efectivo prestador dos serviços tenha sido estabelecido um acordo simulatório com vista a enganar e prejudicar terceiros, em conformidade com o disposto no art. 240º do Código Civil.
II. A Fazenda Pública, não se conformando com o deferimento total do pedido da Impugnante, entende que a douta sentença ora recorrida sofre de errada interpretação dos factos e consequente aplicação da lei, por duas ordens de razão, a saber,
III. Por entender, salvo o devido e merecido respeito, que a Fazenda Pública cumpriu o ónus probatório que sobre si impendia no caso concreto; e,
IV. Por entender existir contradição entre os fundamentos e a decisão.
V. No que se refere àquele primeiro fundamento, é entendimento da Fazenda Pública que à AT cabe o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais da sua actuação, e uma vez verificados esses pressupostos passa a caber ao sujeito passivo apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, solução que corresponde à regra geral do art. 342º do CC, de que quem invoca um direito tem o ónus da prova dos factos constitutivos, cabendo à contraparte a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos, conforme determina o art. 74º da LGT.
VI. Atento que nos presentes autos se discute a legalidade da actuação da AT que se traduziu na consideração de que inexistia o direito à dedução do IVA suportado e mencionado em determinadas facturas registadas na contabilidade da ora impugnante por força do disposto no n.º 3 do art. 19º do CIVA, cabe-lhe o ónus de provar que ocorrem os pressupostos fácticos e jurídicos legitimadores da sua actuação,
VII. Por outras palavras, incumbe à AT nestes casos o ónus de demonstrar a factualidade que a levou a afirmar que operações tituladas pelas referidas facturas eram simuladas, dessa forma pondo em causa a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte prevista no art. 75º da LGT,
VIII. Sendo certo que, uma vez cumprido tal ónus, passará a competir ao sujeito passivo o ónus de prova de que as ditas operações - não obstante a predita factualidade - se realizaram efectivamente.
IX. Assim, em primeira linha, exige-se que a AT emita declaração fundamentadora do seu juízo quanto à existência de operações simuladas em facturas que sustentam o direito de deduzir o IVA que a ora impugnante se arroga, expondo os indícios fortes e consistentes de que as operações referidas nessas facturas são simuladas.
X. Todavia, tal como vem sendo firmado de forma pacífica e uniforme pela jurisprudência, não será necessário que a AT prove os pressupostos da simulação previstos no art. 240º do CC - nomeadamente a existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros - antes sendo bastante a prova de factos indiciários que levam a concluir nesse sentido,
XI. isto é, de indícios sérios, objectivos e consistentes, que traduzam uma probabilidade elevada, de que as facturas não titulam operações tributáveis reais.
XII. Posto o que incumbirá ao sujeito passivo provar que as operações referidas nas facturas, por corresponderem a trabalhos efectivamente realizados e pagos, efectivamente tiveram lugar com o exacto recorte que daquelas resulta, assim demonstrando a existência dos pressupostos do direito que se arroga de deduzir o imposto.
Vejamos, então, o caso concreto,

XIII. Importa, desde logo, apurar se o raciocínio formulado pela AT no que concerne à falsidade das facturas se pode considerar como pertinente e adequado, ou seja, se os elementos indiciários apurados pela AT permitem inferir, com um grau de probabilidade elevada, a simulação das operações subjacentes àquelas facturas.
XIV. Decorre do probatório da douta sentença ora recorrida - designadamente nas alíneas a) a e) do probatório - que
a ora impugnante registou na sua contabilidade facturas emitidas por uma sociedade comercial, a saber, "[SCom02...], Lda.",
a AT, no âmbito de um procedimento inspectivo à ora impugnante, apurou uma pluralidade de factos, melhor e mais pormenorizadamente descritos no respectivo relatório, de entre os quais destacamos os seguintes:
Foi um tal «AA» - e não, portanto, aquela sociedade emitente das facturas ora em apreço - quem foi indicado à impugnante para prestar os serviços de construção;
Foi com o dito «AA» que foram acertados os pormenores do contrato de prestação dos serviços, e não com a dita empresa;
Foi ao dito «AA» que foram entregues os cheques que serviram de meio de pagamento dos serviços;
O referido «AA» inquirido pela AT confirmou ter sido ele quem prestou os serviços de construção; e, ainda,
Que, não obstante ter sido ele a prestar os serviços, "usou" facturas da dita [SCom02...].
XV. O sócio e gerente da dita [SCom02...] em declarações à AT no âmbito do mesmo procedimento inspectivo referiu ter emitido as facturas ora em apreço sem, contudo, ter prestado os serviços respectivos.
XVI. A estes factos acresce que o representante da ora impugnante afirmou em sede de procedimento inspectivo e, bem assim, nos presentes autos que:
nem por quem recomendou à ora impugnante o dito «AA», nem pelo mesmo foi feita qualquer referência a "qualquer nome de sociedades" (atente-se, designadamente, no art. 35º da petição inicial).
Que no referido acordo ficou estabelecido que "a construção do muro ficaria a cargo daquele «AA»" (art. 14º da petição inicial), e não, portanto, a sociedade [SCom02...],
Que o muro foi "efectiva e totalmente construído pelo mencionado «AA» e seus trabalhadores" (art. 152 da petição inicial), e não, consequentemente, pela sociedade [SCom02...], e,
que na obra não existia "qualquer viatura, instrumento ou vestuário que identificasse a empresa que lá laborava" (art. 38º da petição inicial).
XVII. Não obstante todos estes factos é, no mínimo, curioso que a impugnante quando o citado «AA» lhe apresentou a primeira factura emitida por aquela [SCom02...] nada tenha questionado.
XVIII. É invulgar que a impugnante sendo-lhe apresentada uma factura de uma empresa que até aí nunca tinha ouvido falar, não tenha cuidado de averiguar se efectivamente era aquela sociedade quem laborava nas suas próprias instalações...
XIX. Ao que se acaba de referir acresce que a citada [SCom02...] nos períodos de tributação ora em apreço - a saber; Janeiro a Maio de 2005 - apresentou declarações periódicas de IVA sem qualquer movimento,
XX. Não tendo, ainda apresentado declarações fiscais em que constasse qualquer trabalhador, como melhor se retira dos extractos do sistema informático da DGCI junta aos autos.
XXI. Ora, das regras da experiência objectiva e comum, afigura-se-nos poder concluir-se de modo seguro estar indiciada a prática de facturação de operações simuladas.
XXII. Perante tal indiciação, impunha-se à impugnante, como foi referido, um esforço probatório no sentido de afastar tais indícios e demonstrar a efectividade das ditas operações.
XXIII. Acontece que como resulta da prova testemunhal produzida nos autos - a qual não foi minimamente consistente, como já se deixou referido em sede de alegações nos termos do disposto no art. 120º do CPPT — os factos apurados no procedimento inspectivo e acima abreviadamente mencionados foram confirmados pelas testemunhas arroladas pela ora impugnante.
XXIV. Ora, salvo o devido respeito por opinião contrária, parece-nos incontestável que a impugnante não logrou oferecer prova que demonstrasse que as operações comerciais tituladas pelas facturas aqui em causa ocorreram tal como de tais documentos resulta - desde logo, que se tenham estabelecido relações comerciais e operações tributáveis entre a aqui impugnante e aquela [SCom02...].
XXV. Assim sendo, revela-se imperioso concluir que a ora impugnante não logrou cumprir o ónus probatório que lhe competia devendo, consequentemente, na falta desta prova, a questão ser resolvida contra ela.
XXVI. Sic.
XXVII. Destarte, não merecem qualquer reparo os actos tributários impugnados, havendo que, revogando a douta sentença ora recorrida, mantê-los na ordem jurídica.
Sem prescindir;
XXVIII. Ainda que se não entenda como se pugnou - o que não se concede - sempre se terá que concluir que a douta sentença ora recorrida não se poderá manter atenta a contradição entre a matéria factual dada como provada e a decisão, o que determina a nulidade da sentença por oposição entre os fundamentos e a decisão, nos termos do disposto nos arts. 125º do CPPT e 668º, n.º 1, al. c) do CPC, aplicável ex vi do art. 2º, al. e) do CPPT.
XXVIII. Como se referiu, no probatório da sentença ora recorrida o Tribunal a quo deu como provado que os serviços de construção foram prestados pelo dito «AA».
XXIX. Ora, assim sendo, é manifesto que não pode a pretensão da impugnante proceder,...

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