Acórdão nº 00305/07.0BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 22-02-2024

Data de Julgamento22 Fevereiro 2024
Ano2024
Número Acordão00305/07.0BEVIS
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Norte - (TAF de Viseu)
Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório
A Fazenda Pública, inconformada com a sentença proferida em 2016-09-06 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, que julgou procedente a impugnação judicial interposta por «AA» tendo por objeto as liquidações de IRS e juros compensatórios resultantes das correções efetuadas com recurso a métodos indiretos de avaliação dos rendimentos dos anos 2002, 2003 e 2004, de que resultou o valor a pagar no montante de EUR 2.161,69, vem dela interpor o presente recurso.
A Recorrente encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
CONCLUSÕES
I. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que considerou procedente a impugnação judicial deduzida «AA» contra as liquidações adicionais de IRS e respectivos juros compensatórios referentes aos anos de 2002, 2003 e 2004.
O objecto do recurso
II. O objecto do recurso centra-se em saber, em primeira linha, se os actos tributários padecem ou não do vício de “falta de fundamentação” nos exactos termos definidos pelo douto Tribunal a quo, ou seja, se na sentença se incorre em erro de julgamento por se ter considerado que “os critérios e cálculos usados para chegar à quantificação” da matéria colectável não se encontram devidamente fundamentados.
III. Caso se entenda que os actos se encontram devidamente fundamentados, importará apurar se, contrariamente ao entendido pelo douto Tribunal, se encontram verificados os pressupostos para a aplicação de métodos indirectos relativamente ao ano de 2004.
2. Pressupostos para a análise da sentença
IV. Em primeiro lugar, a aplicação de métodos indirectos depende da verificação dos respectivos pressupostos legitimadores, mormente a “impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável” (alínea b) do artigo 87.º e artigo 88.º, ambos da LGT).
V. Só após se ter concluído por aquela impossibilidade de “comprovação e quantificação directa e exacta” é que a AT estará apta a proceder à quantificação da matéria tributável em falta.
VI. O douto Tribunal concluiu pelo acerto da decisão de aplicação da metodologia indirecta quanto aos anos de 2002 e 2003, bem como pela inexistência de qualquer ilegalidade quanto à quantificação da matéria colectável, designadamente quanto ao alegado excesso de tributação.
VII. Em segundo lugar, há que distinguir entre a fundamentação formal e a fundamentação substancial, tarefa esta que foi acertadamente realizada pelo Tribunal a quo, o qual apreendeu que o vício apontado pelo impugnante se inscrevia no campo da fundamentação em sentido formal.
VIII. Em terceiro lugar, constituindo o projecto de relatório um acto preparatório ou intermédio do acto final do procedimento inspectivo, a fundamentação dos actos de liquidação subsequentes há-de buscar-se, não no projecto de relatório, mas no relatório final.
IX. Em quarto lugar, nos casos em que haja lugar a correcções por métodos indirectos e o contribuinte tenha apresentado pedido de revisão da matéria colectável, a fundamentação de tais correcções deve ser encontrada nos documentos produzidos no âmbito daquele pedido de revisão – mormente no Termo de Resolução, na Acta da Comissão de Revisão e no Laudo do PAT – ainda que em concatenação com os elementos constantes no Relatório Inspectivo.
3. A falta de fundamentação
X. Entendeu o Tribunal a quo que o acto de liquidação não se encontrava formalmente fundamentado, i.e., que não permitiu ao impugnante apreender o itinerário valorativo e cognoscitivo percorrido pela AT no que tange à quantificação da matéria colectável.
Incorreu, porém, o douto Tribunal em erro de julgamento, dado que
XI. Em primeiro lugar, a questão da eventual utilização, por parte da AT, de um critério “menos justo” por ter aplicado no Relatório Final os valores constantes do «acordo» (e não os indicados no Projecto de Relatório) tem que ver com a adequação dos critérios de quantificação (vício de violação de lei) e não com a sua falta de fundamentação formal (vício de forma), sendo que foi por este último motivo (e não por aquele) que as liquidações foram anuladas.
XII. Ademais, tendo o Tribunal julgado improcedente a invocada “ilegalidade da quantificação da matéria colectável, por vício do critério utilizado e excesso de tributação”, seria até contraditório se tivesse recorrido àquele argumento para anular os actos em causa.
XIII. Em segundo lugar, compulsandos os documentos produzidos no âmbito do pedido de revisão, encontra-se sem esforço a fundamentação clara, suficiente e congruente quanto ao critério utilizado pela AT para proceder às devidas correcções.
XIV. Em terceiro lugar, e ainda que assim se não entendesse, a pretensão anulatória do impugnante não poderia ter encontrado acolhimento, dado que até no próprio Relatório Final se encontra a fundamentação para a aplicação daquele critério e respectivos cálculos.
XV. Foi esta, portanto, a fundamentação para que a AT aplicasse aquele critério e realizasse aqueles cálculos e não quaisquer outros, fundamentação esta que foi proficientemente levada ao conhecimento do impugnante ao longo dos vários actos que precederam a realização das liquidações em causa (Relatório Final, Laudo do PAT, Acta de Revisão e Termo de Resolução).
XVI. Por conseguinte, o douto Tribunal a quo laborou em erro de julgamento ao considerar como não formalmente fundamentados os “critérios e os cálculos usados para chegar à quantificação”, violando-se o disposto no artigo 77.º da LGT, bem como o disposto nos artigos 152.º, 153.º e 163.º do CPA.
4. A ilegalidade do recurso a métodos indirectos no ano de 2004
XVII. O douto Tribunal a quo considerou que, relativamente aos anos de 2002 e 2003, a AT se encontrava legitimada a recorrer à aplicação da metodologia indirecta, não tendo mantido o mesmo entendimento no que concerne ao ano de 2004.
Incorreu, porém, o douto Tribunal em erro de julgamento, dado que
XVIII. Em primeiro lugar porque parece resultar da própria decisão aqui recorrida (pág. 28) que esta omissão de proveitos poderá ter ocorrido naquele ano.
XIX. Em segundo lugar, para além de o «quadro de omissões» da pág. 5 do RIT ser meramente exemplificativo, ficou demonstrado no Relatório (pág. 6 e 7) que, também no ano de 2004, a contabilidade não ofereceria qualquer credibilidade e que o impugnante omitiu proveitos, inclusivamente por meio da omissão dos próprios custos associados.
XX. Por conseguinte, o douto Tribunal incorreu em erro de julgamento ao considerar que, no que tange ao exercício de 2004, a AT não se encontrava legitimada a aplicar métodos indirectos, violando-se o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 87.º e no artigo 88.º, ambos da LGT, bem como o preceituado no artigo 39.º do CIRS.
Termina pedindo:
Nestes termos, deverá o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a douta decisão judicial, por padecer a mesma de erro de julgamento de facto e de direito, assim se fazendo justiça.
***
O Recorrido não apresentou contra-alegações.
***
O Digno Magistrado do M.º Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
***
Os vistos foram dispensados com a prévia concordância dos Ex.mos Juízes Desembargadores-Adjuntos, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 657.º do CPC, aplicável ex vi art. 281.º do CPPT.
***
Questões a decidir no recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, tal como decorre do disposto nos arts. 635.º nºs 4 e 5 e 639.º do Código de Processo Civil (CPC), disposições aplicáveis ex vi art. 281.º do CPPT.
Assim sendo, no caso em apreço, atentos os termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso, há que apurar se a sentença sob recurso padece dos erros de julgamento de direto que lhe são imputados pela Recorrente, a saber, por ali se considerar como não formalmente fundamentados os “critérios e os cálculos usados para chegar à quantificação”, violando-se assim o disposto no artigo 77.º da LGT, bem como o disposto nos artigos 152.º, 153.º e 163.º do CPA, e por se considerar que, no que diz respeito ao exercício de 2004, a ATA não se encontrava legitimada a lançar mão dos métodos indiretos de avaliação da matéria coletável, assim se violando o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 87.º e no artigo 88.º, ambos da LGT, bem como o preceituado no artigo 39.º do CIRS.

II. Fundamentação
II.1. Fundamentação de facto
Na sentença prolatada em primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto, que aqui se reproduz:
3. Fundamentação
3.1 Matéria de facto dada como provada.
Com base nos meios de prova produzidos nos autos considera-se provada, com relevância para a decisão, a seguinte matéria de facto:
1. O agora Impugnante exerce a atividade, por conta própria, de “Fotógrafo” (CAE 74810), com estabelecimento designado “....X....” situado na Rua ..., ..., ..., ..., e uma loja na Rua ..., ... – fls. 10 do PA e artigo 1º da p.i.;
2. Para isso, optou por fazer contabilidade regularmente organizada, para efeitos de IRS e IVA – fls. 10 do PA;
3. Com a fatura nº ...59, de 20/9/2001, o agora Impugnante adquiriu ao fornecedor “[SCom01...], Lda” equipamento de revelação e impressão de fotografias analógicas (a partir de rolo de filme com “negativos”) designado “visiolab durst” pelo preço de € 138.224,22, que contabilizou como “ativo imobilizado” – fls. 37 do PA e primeira e segunda testemunhas;
4. Poucos anos depois (por volta de 2004) essa máquina ficou inativa, por obsolescência, devido à chegada da fotografia digital – primeira e segunda testemunhas;
5. Relativamente aos anos 2002, 2003 e 2004, o agora Impugnante declarou os seguintes rendimentos da sua atividade empresarial:
[Imagem que aqui se dá por...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT