Acórdão nº 00247/17.0BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 17-03-2022

Data de Julgamento17 Março 2022
Ano2022
Número Acordão00247/17.0BECBR
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Norte
Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

M..., LDA., interpõe recurso da sentença que julgou improcedente a impugnação deduzida contra as liquidações de IRC e juros compensatórios dos anos de 2012, 2013 e 2014, por entender que a mesma enferma de erro de julgamento da matéria em facto e em matéria de direito.

Formula nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:
i) O juiz está obrigado a julgar a matéria de facto de livre apreciação segundo o princípio da objectividade das provas traduzido nas regras de experiência comum, da racionalidade, bom senso, da normalidade da vida, etc. e era por esse critério que haveria de ter julgado a matéria de facto em causa.
ii) A AT tem o ónus de demonstrar a factualidade que a levou a considerar determinada operação como simulada, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte (atento o princípio da declaração e da veracidade da escrita vigente no nosso direito), só então passando a competir ao contribuinte o ónus de prova de que as operações se realizaram efectivamente.
iii) É certo que como é aceite pela jurisprudência, que não é imperioso que a Administração efectue uma prova directa da simulação. Como em muitos outros casos, haverá que recorrer à prova indirecta, a “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova” – cfr. Alberto Xavier, “Conceito e Natureza do Acto Tributário”, pág. 154; também neste sentido, entre outros, o acórdão do TCAN, de 26/04/12 (processo nº 00964/06.0 BEPRT). Ou seja, a Administração Tributária não tem que demonstrar a falsidade das facturas, bastando-lhe evidenciar a consistência desse juízo (Acórdão do STA de 27/10/04, Processo 810/04), invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada de as operações referidas nas facturas serem simuladas, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade – art.º75º, n.º1 da LGT.
iv) Os indícios são definidos por João de Castro Mendes como aqueles factos que “permitem concluir pela verificação ou não verificação de outros factos, em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência” – citado por Saldanha Sanches, in “A Quantificação da Obrigação Tributária”, 2ª edição, pág. 311.
v) Não estamos perante indícios que traduzam uma probabilidade elevada de as facturas em causa não titularem operações reais, ou seja, de que os apontados emitentes não tenham prestado os serviços nelas mencionados.
vi) Analisados os elementos factuais, não podemos deixar de afirmar que são muito pouco ou mesmo nada consistentes, atendendo à concreta actividade em causa, comércio por grosso de madeira em bruto e produtos derivados.
vii) Desconheceu a sentença a regra da normalidade dos comportamentos neste concreto sector da actividade económica dos madeireiros e dos silvicultores em que os factos aconteceram, da experiência e do senso comum (a senhora juiz julgou no abstracto da sua inteligência?!...), ao não considerar, na análise crítica dos factos a regra da normalidade da vida deste sector de actividade que as operações materiais de fornecimento (aquisição) de madeiras para celulose e a emissão dos respectivos documentos, (até para cumprirem as regras legais relativas à circulação das mercadorias), - guias de transporte-, aconteceram, e têm forçosamente de acontecer, porque só depois do carregamento da madeira, pode esta ser quantificada (segundo a experiência comum), em lugares ermos, nas encostas e nas matas deste país, e que essas operações, de acordo, uma vez mais com a realidade comum própria deste sector específico de compra e venda de madeira para celuloses e da vida das empresas que a ela se dedicam, sejam elas de sociedades ou de empresários individuais, podem ser feitas através de outras pessoas que se apresentam. E que as pessoas que vendem essas madeiras não são, muitas vezes, os iniciais madeireiros ou silvicultores e que estes, muitas vezes, nem sequer sabem ler e escrever.
viii) E mesmo quanto à invocada tabela constante no ponto 3 da alínea 11.9.1 do RI, referente ao valor dos cheques que vieram a ser pagos em numerário e que ascende, nos 3 anos, a mais de 780.000,00€, com o adorno de que os montantes de pagamentos em numerário que estão aqui em causa são absolutamente inverosímeis, face à prática empresarial do século XXI.
ix) Incompreensível é o facto de se desconhecer que os negócios nesta área de intervenção ainda se faz praticamente em numerário, podendo equacionar-se a questão de os valores serem levantados ao balcão da agência bancária, mas ainda aqui não há indicadores no relatório de que esse dinheiro retornava ao titular da conta, donde era sacado o dinheiro, ou que parte do dinheiro tinha o destino de remunerar a cadeia dos intervenientes.
x) E mais incompreensível se torna quando a impugnante apresenta os proveitos que apresenta, o que quer dizer que para vender teve que comprar...
xi) Porque não ficou provada a inexistência de uma estrutura incapaz de suportar a realização dos fornecimentos, nem ficaram provados quaisquer factos imputáveis ou relacionados com a Impugnante, designadamente a sua interferência, muito menos responsabilidade ou beneficio, no circuito económico dos cheques posterior à sua emissão e efectivo levantamento pelos fornecedores, não é de confirmar o julgamento.
xii) Nos termos do art.º 58º da LGT: “A administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido”. Comentando este artigo, escreveu-se na Lei Geral Tributária, Comentada e Anotada, 3ª Edição, de Diogo Leite de Campos e Outros, a págs. 268.
xiii) A falta de realização pela administração tributária de diligências que lhe seja possível levar a cabo ou a falta de solicitação aos interessados de elementos probatórios necessários à instrução do procedimento constitui vício deste, susceptível de implicar a anulação da decisão nele tomada (“O principio do inquisitório tem a ver com os poderes (-deveres) de a Administração proceder às investigações necessárias ao conhecimento dos factos essenciais ou determinantes para a decisão, exigindo-se dela (ou imputando-se-lhe a responsabilidade correspondente) a descoberta e ponderação de todas as dimensões de interesses públicos e privados, que se liguem com a decisão a proferir (acórdão da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo de 17-2-98, proferido no recurso n.º 42585”; “É imposição decorrente da Constituição e do princípio da legalidade que a Administração tenha a possibilidade de iniciativa processual própria, que a instrução seja orientada segundo o princípio inquisitório de modo a alcançar-se a verdade material, mesmo que o procedimento seja de interesse particular (acórdão da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo de 15-12-94, proferido no recurso n.º 32949, publicado em Apêndice ao Diário da República de 18-4-97, página 9196 “).
xiv) Entende a impugnante que não será muito difícil constatar que as diligências levadas a cabo pela AT foram demasiado parcas, o que é até por ela admitido atendendo ao ano de caducidade em questão (!), bastando para tanto atentar-se que nenhuma diligência foi efectuada mormente ao nível dos registos financeiros e bancários, também dos emitentes, sendo que mesmo relativamente a cheques que justificam, nas suas próprias palavras, contabilisticamente o pagamento, a AT podendo obter tais elementos junto das instituições bancárias, nada fez, empurrando para o contribuinte um ónus que a si lhe cabe, no que foi secundada pelo Tribunal, o que por si só bem demonstra a insuficiência probatória trazida ao processo.
xv) Acresce que não se vislumbra que os clientes da impugnante tenham sido alvo de fiscalização e de correcções fiscais, em virtude de terem sido consideradas como simuladas as compras feitas pela impugnante..., portanto vendendo aquilo que não comprou...
xvi) Ao entender que a AT não violou o princípio do inquisitório, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento.
xvii) De acordo com o disposto nos art.ºs 607.º, n.ºs 3 e 4 do CPC [ex vi do art.º 2.º, alínea e) do CPPT)], 76.º, n.ºs 3, 87.º e 88.º da LGT, não podem considerar-se como julgamento de facto considerações tecidas na elaboração do juízo de subsunção ou de integração dos factos (antes não julgados como provados) ao direito plausível.
xviii) Entendendo-se que o julgamento efectuado em sede de correcções aritméticas se encontra errado, porquanto não se podem desconsiderar as facturas (que não são falsas) consequentemente o critério da AT supra referido encontra-se corrompido e a sentença que o avalizou errada está.
xix) A validade técnica do critério exige que o universo dos factores-base de conformação do critério assumido pela administração seja idêntico ou próximo daquele a que a situação investigada se reporta.
xx) Para dar concretização a tal desiderato a AT socorreu-se dos denominados elementos constantes do seu sistema informático, correspondentes ao tratamento das declarações apresentadas pelos sujeitos passivos, da unidade orgânica, que se dedicam ao mesmo de actividade com o CAE 46371.
xxi) Este CAE (vide Classificação Portuguesa das Actividades Económicas, Instituto Português de...

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