Acórdão nº 00234/21.4BEMDL de Tribunal Central Administrativo Norte, 22-02-2024

Data de Julgamento22 Fevereiro 2024
Número Acordão00234/21.4BEMDL
Ano2024
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Norte - (TAF de Mirandela)
Acordam em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
1.1. [SCom01...] Lda. (Recorrente), notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, datada de 16.12.2022, que no âmbito de impugnação judicial deduzida contra a liquidação de IVA referente ao período 2016/12T, no valor global de 7.671,76€, a julgou totalmente improcedente, inconformada vêm dela interpor o presente recurso jurisdicional.
Alegou, formulando as seguintes conclusões:
«(...)
➢ Questão decidenda
i. A questão decidenda aqui em apreço é, no fundo, saber se a Recorrente, por força o incumprimento formal da regra de inversão do sujeito de passivo de IVA prevista na alínea j) do n.º 1 do artigo 2º do Código do IVA, da qual não resultou perda de receita fiscal, tem, enquanto sujeito passivo adquirente, de entregar ao Estado o imposto que já foi entregue pelos sujeitos passivos prestadores;
➢ O Direito
ii. A sentença recorrida padece de erro de julgamento por erro quanto aos pressupostos de facto e de Direito relevantes para a apreciação da questão de fundo aqui em crise;
iii. O Tribunal a quo não analisou devidamente a questão fundamental suscitada pela impugnação judicial deduzida pela Recorrente;
iv. A questão fundamental que cumpre decidir é se, embora não tenha sido respeitada a regra de inversão do sujeito passivo prevista na alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IVA, o facto de o imposto devido pela prestação de serviços aqui em causa ter sido liquidado e entregue ao Estado pelos sujeitos passivos prestadores, não deverá fazer com que a AT se abstenha de corrigir o IVA subjacente à fatura em causa na esfera do sujeito passivo adquirente (aqui Recorrente);
v. Como resulta do facto provado número 17 (cfr. página 4 da sentença recorrida), a [SCom01...] pagou às prestadoras de serviços aqui em causa o montante do serviço propriamente, acrescido do montante do IVA devido;
vi. A Recorrente suportou o montante do IVA em apreço na medida em que entregou esse mesmo montante às prestadoras de serviços aqui em causa e igual consequência teria acontecido caso a liquidação do IVA tivesse sido feita pela Recorrente (autoliquidação) porquanto, ao invés de entregar o montante do imposto às prestadoras de serviços, a Recorrente tê-lo-ia entregue ao Estado;
vii. O Tribunal a quo não fez uma correta interpretação quanto à inexistência de qualquer prejuízo para a economia e funcionamento do imposto e para o erário público;
viii. O Tribunal a quo considerou que não é indiferente que o pagamento do imposto em causa tenha sido efetuado pelas prestadoras de serviços e não pela Recorrente, porque a realidade económica em apreciação permite conduzir a resultados fiscais diferentes;
ix. O Tribunal a quo fez uma formulação de uma situação hipotética e concluiu que, na prática, tal situação conduziria a um condicionamento das opções dos agentes económicos em causa e provocaria um prejuízo para o erário público na justa arrecadação do imposto e que a liquidação adicional de IVA impugnada pela Recorrente não representa um enriquecimento indevido do Estado por duplicação de coleta;
x. A Recorrente não pode aceitar, sem mais, que a fundamentação da sentença recorrida se baseie, pelo menos em parte, numa consideração meramente hipotética, sobretudo porque tal formulação hipotética não tem qualquer correspondência com a realidade aqui subjacente;
xi. O facto de o IVA ter sido liquidado pelas prestadoras de serviços e não pela adquirente dos mesmos, não provocou qualquer prejuízo para os cofres do Estado na medida em que as prestadoras de serviços, pelo facto de, alegadamente, terem condições de deduzir IVA ou solicitar reembolsos, sempre teriam um montante de IVA a deduzir ou a ser-lhes reembolsado menor do que aquele que teria se tivesse emitido a fatura aqui em causa com IVA devido pelo adquirente;
xii. E a Recorrente, por seu lado, em vez que ter pago o IVA às prestadoras de serviços teria pago o IVA ao Estado, o que representaria o mesmo “encargo financeiro”;
xiii. O Tribunal a quo em nenhum momento se pronunciou sobre o dever de a AT se abster de fazer a correção aqui em causa por a regularização da situação concreta ser manifestamente onerosa, quer para os sujeitos passivos em questão, quer para a própria AT, e se revelar contrária ao princípio da economia processual.
xiv. Segundo o princípio da justiça, a Recorrente não pode aceitar que se tribute injustificadamente e ilegitimamente duas vezes o mesmo facto tributário;
xv. A aceitar-se a interpretação do Tribunal a quo, estar-se-ia a tributar duas vezes o mesmo facto tributário, uma vez na esfera das prestadoras de serviços, que liquidou o imposto, e outra na esfera da Recorrente através da liquidação adicional objeto da impugnação subjacente à sentença recorrida, em clara violação do princípio da justiça (artigo 266º, n.º 2, da CRP, artigo 55º da LGT e artigo 8º do CPA);
xvi. A interpretação do Tribunal a quo determina ainda uma violação do princípio da neutralidade em sede de IVA (artigo 1º, n.º 2, da Diretiva do IVA), na medida em que onera duplamente um dos operadores económicos, no caso, a Recorrente;
xvii. O Tribunal a quo deveria ter considerado que o facto de o IVA ter sido liquidado pelas prestadoras de serviços e não pela respetiva adquirente não determinou perda de receita fiscal e, nessa medida, deveria ter eliminado a correção efetuada pela AT da ordem jurídica.
xviii. Nunca foi posto em causa, nem no Relatório da Inspeção Tributária, nem em sede de contestação, que as prestadoras de serviço tenham emitido a fatura aqui em crise sem o IVA e que não tenham entregue o respetivo montante aos cofres do Estado;
xix. Foi dado como assente pela AT no Relatório de Inspeção Tributária, que a Recorrente não deduziu o imposto suportado com a aquisição dos serviços aqui em crise, em consonância com as regras do direito à dedução previstas no artigo 20º do Código do IVA;
xx. Não há montante de imposto por liquidar nem em falta, pelo que, não houve qualquer perda ou risco de perda de receitas fiscais;
xxi. Manter na ordem jurídica a liquidação adicional emitida pela AT representa uma violação do princípio da neutralidade em sede de IVA, na medida em que se está a onerar a Recorrente com um montante de imposto que já foi entregue ao Estado;
xxii. Ao seguirmos o entendimento da AT e do Tribunal a quo, estaremos a ser coniventes com uma situação de duplicação de coleta em que o Estado enriquecerá com um montante de imposto liquidado adicionalmente que já foi entregue, em claro enriquecimento sem justa causa, nos termos dos artigos 473º e seguintes do Código Civil ex vi alínea d) do artigo 2º da LGT;
xxiii. A Lei proíbe a duplicação de coleta, prevendo que a mesma resulta da emissão de uma nova liquidação referente ao mesmo facto tributário e ao mesmo período, relativamente a tributo já liquidado e pago;
xxiv. No caso presente, estamos perante uma duplicação de coleta uma vez que o IVA subjacente à prestação de serviços de construção civil agora exigido à Recorrente já foi integralmente entregue ao Estado pela prestadora dos serviços;
xxv. A Recorrente encontrou-se em situação semelhante no âmbito do processo n.º 474/19.6 BEMDL, relativamente ao IVA do período de 2015/12T, e que resultou no acórdão de 17 de novembro de 2022 do Tribunal Central Administrativo Norte, onde foi concedido provimento ao seu recurso;
xxvi. A tese defendida pelo Tribunal a quo é incompatível com o princípio da proibição da duplicação de coleta (artigo 175º e 205º, ambos do CPPT) e é contrária ao princípio da neutralidade em sede de IVA, pois estamos perante uma situação em que não há qualquer perda de receita fiscal para o Estado;
xxvii. Deste modo, a sentença recorrida deve ser revogada, por erro de julgamento quanto aos pressupostos de facto e de Direito, porquanto o Tribunal a quo deveria ter julgado a impugnação judicial procedente e determinado a anulação parcial da liquidação adicional de IVA em causa pelo facto de a mesma padecer do vício de violação de Lei, por violação do princípio da neutralidade em sede de IVA (artigo 1º, n.º 2, da Diretiva do IVA) e por enriquecimento sem justa causa do Estado (artigo 473º do Código Civil ex vi alínea d) do artigo 2º da LGT) por duplicação de coleta;
xxviii. A título subsidiário, e na hipótese meramente académica de o presente Tribunal ter dúvidas sobre a questão de saber se o princípio da neutralidade em sede de IVA, consagrado no n.º 2 do artigo 1º da Diretiva do IVA, deve ser interpretado no sentido de que permite que a AT, confrontada com a situação como a que está aqui em causa, exija que a Recorrente entregue ao Estado o montante de IVA em apreço por falta de cumprimento das regras de inversão do sujeito passivo, independentemente de o mesmo já ter sido entregue por outros sujeitos passivos, tornando-a duplamente responsável pelo pagamento do imposto, sem que a AT tenha reconstituído integralmente a situação tributária de modo a que o IVA seja reembolsado aos prestadores de serviços e este, por sua vez, o entregue à Recorrente, dever-se-á considerar, para todos os efeitos legais, que a presente questão decidenda tem subjacente uma questão de Direito da União Europeia prejudicial à resolução do litígio sujeito a apreciação, cujas dúvidas devem ser suscitadas perante a jurisdição do Tribunal de Justiça da União Europeia, através do reenvio prejudicial, com a sugestão da seguinte questão:
Será conforme o Direito da União Europeia, nomeadamente, o n.º 2 do artigo 1º da Diretiva do IVA que consagra o princípio da neutralidade fiscal em sede de IVA, que a AT, confrontada com uma situação de incumprimento da regra da inversão do sujeito passivo da qual não resultou qualquer perda de receitas fiscais, exija o pagamento do montante de imposto...

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